OS MÉDICOS DO RÁDIO- PARTE 1

Roberto Salvador

ELES ERAM MÉDICOS, QUE APAIXONADOS PELO RÁDIO, NOS BRINDARAM COM SEU TALENTO

   Nos anos trinta, o rádio estava começando no Brasil. No principio era uma curiosidade que muitos queriam conhecer. Ganhando cada vez mais novos ouvintes o velho rádio caiu no gosto popular. Eram cantores, músicos, redatores, locutores e radioatores, isto sem falar nos técnicos, que abraçando o rádio, ou como profissão, ou como diletantismo, o faziam  sempre com paixão. No principio ninguém ganhava dinheiro trabalhando em rádio. Era amor mesmo.

    Getulio  assina o Decreto-Lei 21.111 em 1 de março de 1932 

                                  autorizando  a publicidade em rádio.

Contudo, quando Getúlio Vargas permitiu a veiculação de anúncios pelo rádio, o dinheiro da publicidade começou a entrar. Ai sim, o rádio possuindo recursos, passou  a ter seus profissionais próprios. 

                                           Getúlio Vargas: 

              gostava de rádio e sabia de suas potencialidades.

O presidente Vargas gostava do contato com os artistas. Aqui,em 1950, cercado, entre outros por Almirante,Lamartine Babo,Vitor Costa, Orlando Silva... Você identifica outros? Me diz. Agradeço.

Trabalhar em rádio passou a ser uma profissão. E o veículo, embora popular, passou a receber pessoas de melhor formação intelectual, o que ajudou também o rádio a produzir programas de melhor conteúdo. Eram advogados, professores, músicos eruditos, escritores, pintores, dentistas e até médicos. 

Nesta postagem vamos falar dos médicos. 

Sendo a medicina uma atividade profissional, que na maioria das vezes exige dedicação exclusiva, não foram numerosos os médicos radialistas. No entanto, os poucos que conhecemos, foram brilhantes em ambas as atividades. 

Vamos falar desses que se dividiram entre a Medicina e o Rádio.

GASTÃO PEREIRA DA SILVA. 

Já era um psicanalista brilhante e respeitado, quando vislumbrou no rádio uma bela oportunidade para evidenciar seus dotes criativos e sua capacidade para produzir tramas e enredos.

Escreveu quatro novelas

 e o semanal No Mundo dos Sonhos

 Mas suas novelas tinham uma característica que as diferençava de todas as demais: Gastão construía alguns de seus personagens  segundo um perfil psicológico. As novelas fizeram sucesso. O autor nunca era anunciado como um psicanalista. Foi quando ele e a direção da Rádio Nacional decidiram criar um programa semanal que alcançou muito sucesso: No mundo dos sonhos. Os ouvintes escreviam contando seus sonhos e o Dr.Gastão Pereira da Silva os interpretava. Mas o médico sabia  muito bem utilizar  a técnica radiofônica. Ele criou, por exemplo,  a figura de um escafandrista que mergulhava nas profundezas da mente do autor do sonho. Com a ajuda  de um interlocutor, um narrador interpretava os sonhos dos ouvintes. Tudo contando ainda com a participação de um elenco de radioteatro e efeitos de sonoplastia. Sem sombra de dúvida esse médico-psicanalista-radialista contribuiu enormemente para a difusão da Psicanálise no Brasil, graças a seus programas e à grande penetração da Rádio Nacional. Se desejar saber mais sobre Gastão Pereira da Silva, visite nossa postagem de 4.5.2016 sob o título Um pouco do grande Gastão Pereira da Silva. Vale a pena!

MAX NUNES: UM CARDIOLOGISTA QUE RECEITAVA O HUMOR NO RÁDIO.

               Médico cardiologista, formado no Rio de Janeiro,

      atraído pelo rádio, ainda acadêmico, nos anos quarenta. 

Eu era garoto, mas me  lembro de Max Nunes  atuando como redator do famoso programa da Tupi, Rádio Sequencia G-3 que ia ao ar todos os dias de 11 às 13 horas diretamente do auditório que ficava na Avenida Venezuela, 43 no Centro do Rio de Janeiro. Depois foi para a Nacional onde lançou, em 1951, o  humorístico Balança Mas Não Cai, grande sucesso do humor radiofônico. Depois retornou à Tupi que lhe ofereceu um salário milionário para a época. Aos poucos, ou radialista foi envolvendo o médico. E o cardiologista que cuidava do coração passou a receitar humor pelo rádio. Era um exímio autor de textos sobre o cotidiano do Rio de Janeiro. Descobria tipos que viviam no nosso dia a dia e os transmutava  para o rádio. Transformou o Flamengo em  Mengo,  criou expressões como : "Você é que é feliz"! Com  a resposta: "Felicíssimo"! Trocaria o rádio pela televisão onde fez grandes programas e lançou tipos. Vários sucessos de Jô Soares têm origem em textos de Max Nunes, como o das personagens Capitão Gay e a cantora lírica Nanayá Com Ypsilon, Gardelon e tantos outros. 

     Dalva de Oliveira

 gravou Bandeira Branca de autoria de Max Nunes em 1970

 Pouco antes de morrer no dia 14 de junho de 2014, aos 92 anos,  ainda atuava como consultor de redação no Programa do Jô, que o considerava seu padrinho.

Torcedor do América do Rio de Janeiro, em sua homenagem, na sede do clube, há um teatro que leva seu nome. Saiba mais sobre Max Nunes em nossa postagem de 27.01.2020 sob o título "Ergue-se em qualquer ponto da Cidade Maravilhosa o Edifício Balança, mas não cai". Vale a pena!

VANDERLEI GONÇALVES- UM LOCUTOR DE VOZ BONITA E  OTORRINOLARINGOLOGISTA.

                                                   Vanderlei Gonçalves: 

médico do Hospital São Francisco de Assis, Rio de Janeiro e                                                     locutor de rádio.

O jovem era apaixonado por rádio, tanto assim que com apenas 15 anos e já dono de uma bela voz, em 1965, foi estagiar na Rádio Imperial de Petrópolis, Região Serrana do Rio de Janeiro. Três anos depois foi contratado pela Rádio Mundial do Sistema Globo de Rádio, onde trabalhou por cerca de 29 anos. Mas ele também queria ser médico e conseguiu conciliar as duas profissões. Tanto assim que dois anos depois de entrar para a Mundial, ingressou na Faculdade de Medicina da UFRJ. Formando-se em 1975, iniciou uma brilhante carreira de médico, especializando-se em Otorrinolaringologia. Voz familiar para os radiouvintes e  grande figura  humana  entre os colegas, foi igualmente um médico querido e respeitado bom representante do  rádio contemporâneo.

JOUBERT DE CARVALHO: UM MÉDICO AUTOR DE MAIS DE 700 MÚSICAS!

Joubert Gontijo de Carvalho:

  nome completo dessa glória da  nossa MPB

Autor da Maringá, Tai, Canarinho e Rolinha, Casinha do Meu Bem,Traição, Castelo de Luar, De Papo pro Ar, Canção de aniversário...  Não cabem todas aqui! Afinal são mais de 700 músicas!  Um dos mais respeitáveis médicos do Rio de Janeiro, frequentava a casa  do sanitarista Osvaldo Cruz e era seu grande amigo. O amor pela música começou cedo. O  segundo dos dez filhos de um fazendeiro mineiro, desde criança tocava piano e se interessava pelas bandas da região do Triângulo Mineiro. Em 1913, o pai muda-se com a família para São Paulo e o jovem Joubert vai estudar  no tradicional Ginásio São Bento. Tem aulas de música com uma tia pianista e compõe sua primeira canção, que evidencia ai seu amor também pela medicina: Cruz Vermelha, inspirada no hospital infantil homônimo. Conclui os estudos no Colégio Osvaldo Cruz e em 1920, influenciado pelo pai, vai para o Rio de Janeiro para cursar a faculdade de medicina. Aluno brilhante, em  1925, defende a tese de conclusão do curso:  Sopros Musicais do Coração. Olha ai de novo a música e a medicina de mãos dadas. Não deu outra:  passa a conciliar a carreira de médico com a de compositor. No alvorecer do  rádio  no Brasil, ele começa a compor... e seus discos vendendo e tocando nas estações radiofônicas... Nessa época, Joubert de Carvalho compõe Pierrô, interpretada por Jorge Fernandes. Uma linda canção escrita para a peça homônima de Paschoal Carlos Magno. Quase todas as suas músicas viraram sucesso e algumas fizeram história A mais curiosa é da composição  Maringá, feita para os flagelados da grande  seca nordestina do inicio da década de 30 e gravada por Gastão Formenti, em 1932.Vou contar para vocês, se é que já não conhecem a história da cidade que virou nome de música.

MARINGÁ, NOME DE MÚSICA DÁ NOME Á CIDADE

Maringá hoje

Uma grande empresa estava planejando um empreendimento. Era a Companhia Melhoramentos Norte do Paraná. Na região havia, entre muitos outros, um ribeirão chamado Maringá, que recebera esse nome inspirado na canção de Joubert de Carvalho, dizem, segundo sugestão esposa do senhor Raul da Silva, chefe do escritório da Companhia. Mais tarde o nome do córrego deu o nome à cidade, pois a famosa canção era cantada pelos trabalhadores da obra de construção da cidade.

E QUAL A HISTÓRIA DA MÚSICA?

    Morava na cidade de Pombal, interior da Paraíba, numa ruazinha coberta por ingazeiros, uma linda cabocla de nome Maria do Ingá. Era filha de retirantes nordestinos, dona de uma beleza encantadora, de corpo bem feito, pele morena, olhos e cabelos negros. Maria fascinava a todos inspirando ardentes paixões.

    Um dia, uma seca inclemente, levou a linda Maria, deixando o político Rui Carneiro desolado de tristeza. Bairrista como todo nordestino, Rui pediu ao amigo Joubert de Carvalho, que fizesse uma música que exaltasse a mulher amada e sua terra natal. Para o famoso compositor não foi difícil fazer a combinação poética da Maria do Ingá.

    Na fusão das palavras de Maria mais Ingá, surgiu Maringá, dando origem a Canção “Maringá, Maringá”, que por volta de 1935, estourava nas paradas de sucesso. Vou transcrever para vocês apenas o estribilho.

Maringá, Maringá,

Depois que tu partiste,

Tudo aqui ficou tão triste,

Que eu garrei a maginá.

 Maringá, Maringá

Para havê felicidade,

É preciso que a saudade

Vá batê noutro lugá.

Maringá, Maringá

Volta aqui pro meu sertão

Pra de novo o coração

De um caboclo assossegá.

 Em 1933, o Dr. Joubert de Carvalho é nomeado médico do Instituto dos Marítimos, onde faz carreira até tornar-se diretor e lá se aposentou.

Joubert de Carvalho:

 disco gravado com o Príncipe dos poetas, Olegário Mariano

Joubert de Carvalho além de não beber não apreciava a boemia.  Bares e botequins jamais o atraíram. Nunca trabalhou em rádio, propriamente, mas suas músicas estavam presentes todos os dias nas emissoras. Suas composições receberam dos grandes maestros da época arranjos refinados. E eram sempre  incluídas nos  grandes  programas musicais noturnos das emissoras. 

Joubert de Carvalho entre Paulo Tapajós, diretor musical da Nacional e o maestro Leo Peracchi, grandes responsáveis pelo  tratamento refinado às músicas do primeiro.

Maestro Lyrio Panicali, Rádio Nacional: lindo arranjo da Canção de aniversário: "Parabéns pra você,parabéns, muita felicidade, muitos anos de vida também e sempre a nossa amizade".

Homem culto e refinado,  chegou também a escrever um romance: Espírito e Sexo. No final da vida, Joubert se afastou do mundo musical, pois os novos estilos surgidos deixaram pouco espaço ao romantismo do seresteiro que, de certa forma, ele foi. Joubert de Carvalho morreu no dia 20 de setembro de 1977, vítima de pneumonia, deixando importante legado para a música popular brasileira.

...Depois que tu partiste, 

tudo aqui ficou tão triste que eu garrei a imaginar...

O autor do blog

Gostou? Na próxima postagem mostraremos a segunda parte, falando de mais 4 médicos do nosso Rádio. 

Quer saber mais? leia nosso livro.

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Até breve!