O CARNAVAL E ORIGEM DAS MARCHINHAS DE CARNAVAL
A história do carnaval no Brasil iniciou-se no Período
Colonial. Uma das primeiras manifestações carnavalescas foi o entrudo, uma
festa de origem portuguesa que, na colônia, era praticada pelos escravos. Estes
saíam pelas ruas com seus rostos pintados, jogando farinha e bolinhas de água
de cheiro nas pessoas. Tais bolinhas nem sempre eram cheirosas. O entrudo era
considerado ainda uma prática violenta e ofensiva, em razão dos ataques às
pessoas, mas era bastante popular.
Isso pode explicar o fato de as famílias mais abastadas não
comemorarem com os escravos, ficando em suas casas. Porém, nesse espaço, havia
brincadeiras, e as jovens moças das famílias de reputação ficavam nas janelas
jogando águas nos transeuntes.
Por volta de meados do século XIX, no Rio de Janeiro, a
prática do entrudo passou a ser criminalizada, principalmente após uma campanha
contra a manifestação popular veiculada pela imprensa.
Enquanto o entrudo era
reprimido nas ruas, a elite do Império criava os bailes de carnaval em clubes e
teatros. No entrudo, não havia músicas, ao contrário dos bailes da capital
imperial, onde eram tocadas principalmente as polcas.
A elite do Rio de Janeiro criaria ainda as sociedades, cuja
primeira foi o Congresso das Sumidades Carnavalescas, que passou a desfilar nas
ruas da cidade. Enquanto o entrudo era reprimido, a alta sociedade imperial
tentava tomar as ruas.
CORDÕES, RANCHOS E
MARCHINHAS
Todavia, as camadas populares não desistiram de suas
práticas carnavalescas. No final do século XIX, buscando adaptarem-se às
tentativas de disciplinamento policial, foram criados os cordões e ranchos. Os
primeiros incluíam a utilização da estética das procissões religiosas com
manifestações populares, como a capoeira e os zé-pereiras, tocadores de grandes
bumbos. Os ranchos eram cortejos praticados principalmente pelas pessoas de
origem rural.
E SURGEM AS PRIMEIRAS MARCHINHAS DE CARNAVAL!
As marchinhas de carnaval surgiram também no século XIX, e o
nome originário mais conhecido é o de Chiquinha Gonzaga, bem como sua música O
Abre-alas. O samba somente surgiria por volta da década de 1910, com a música
Pelo Telefone, de Donga e Mauro de Almeida, tornando-se ao longo do tempo o
legítimo representante musical do carnaval.
Ó abre alas
Maestrina Chiquinha Gonzaga:
grande pioneira de nossa música.
Há cerca de 100 anos, a anarquia musical imperava no
carnaval. Ritmos europeus (como a polca e os "zé-pereiras", tocadores
de bumbo da tradição portuguesa) misturavam-se pelas ruas do Rio de Janeiro com
valsas, cantigas de roda, hinos e quadrinhas musicadas na hora. Em suma, dançava-se
e cantava-se qualquer coisa. Ao menos um hino essas festas populares já
possuíam: Ó Abre Alas, composta pela maestrina Chiquinha Gonzaga em 1899. Era
uma marcha-rancho (de andamento lento), que mais tarde foi considerada nossa
primeira canção foliã. Chiquinha abria a tradição de músicas dedicadas
exclusivamente ao carnaval.
Chiquinha Gonzaga
Novos gêneros não demoraram a surgir. Pelo Telefone (1917),
de Ernesto dos Santos, o Donga, inaugurou a designação "samba", assim
como O Pé de Anjo, de Sinhô, e Pois não, de Eduardo Souto e Filomeno Ribeiro,
lançaram em 1920 as primeiras marchinhas. Elas já nasceram sazonais. Eram
esquecidas durante o ano, mas tinham seu lugar garantido nos dias de folia.
AS MARCHAS RANCHO.
Em meados de 1893 surgiram os ranchos, música produzida por
grupos de instrumentistas, predominantemente de sopro, das chamadas
“orquestras” dos ranchos carnavalescos cariocas, com ritmo mais dolente que o
das marchas comuns e maior desenvolvimento da parte melódica. Depois, esse
ritmo passa a ser composto por autores profissionais com a indicação de marcha
de rancho, figurando como mais antigo exemplo conhecido dessa feição musical.
RÁDIO: A GRANDE CONTRIBUIÇÃO PARA AS MARCHINHAS
O auge da marchinha coincide com a época de ouro do rádio, entre as décadas de 1930 e 1960,
antes que a televisão começasse gradualmente a ocupar espaço na criação de
modas e tendências associadas à música. Ela exprime o espírito do carnaval de
rua, que vive das mil e uma marchinhas que todo folião sabe de cor desde a
infância e é capaz de cantar enquanto pula no asfalto, batendo numa lata.
Carnaval motorizado no centro do Rio
Surgem os grupos de carnavalescos fantasiados
Brincar no bonde:
barato e divertido, sempre ao som das marchinhas
A marchinha é a trilha sonora do carnaval sem altas
produções, com pouca grana, o carnaval que qualquer joão-ninguém pode brincar.
O que nunca impediu, é claro, que ela fosse tocada pelas orquestras e cantada
em coro pelos foliões do carnaval de clube, uma tradição que ainda resiste
heroicamente. As orquestras dos clubes fechados foram tão importantes quanto as
rádios para fazer das marchinhas a trilha sonora mais popular em todos os
carnavais.
O
ESPÍRITO DAS MARCHINHAS.
Letras irreverentes, cheias de duplo sentido e
malícia onde o politicamente correto passava longe. Hoje, certamente, seus
autores poderiam responder a processo.
Fantasia de "nega maluca":
sucesso nos anos 50.
Alegres e fáceis de aprender, marchinhas exprimem espírito
das festas populares ao mesmo tempo que
fazem crônicas breves de seu tempo.
Brincar o carnaval exigia equilíbrio.
Pelo menos para este folião
Uma boa marchinha carnavalesca deve ter uma melodia alegre
de cantar e fácil de memorizar; e uma letra divertida, que diga coisas
engraçadas mesmo que não façam muito sentido. Numa descrição tão vaga cabem
muitos modelos, inclusive alguns que desobedecem a algum item específico dessa
lista. Há marchinhas tristonhas, por
exemplo. A chamada marcha-rancho
reproduz em seu ritmo arrastado uma sensação que pode ir da nostalgia ao
desalento. Existem marchinhas com letras meramente descritivas e outras que
soam de um modo totalmente sem sentido.
Uma das mais famosas marchas-rancho de todos os tempos foi As Pastorinhas
Noel Rosa compôs As Pastorinhas em parceria com ...
...João de Barro, o Braguinha
autor de mais de 400 gravações
ALGUMAS MARCHINHAS DE CARNAVAL FAMOSAS
]A marchinha carnavalesca é curta. Em geral tem uma
estrutura que consta de uma primeira parte, segunda parte e refrão, além de uma frase musical,
sempre instrumental característica e capaz de evocá-la instantaneamente.
A marchinha faz a crônica dos fatos do momento, das
novidades, das modas, de tudo que atrai a atenção do povo. Assunto que gera
manchete é assunto que gera marchinha. A marchinha era como um cartum, uma maneira rápida e vívida de
cristalizar um aspecto engraçado ou paradoxal de uma situação qualquer.
VAMOS RECORDAR ALGUMAS?
Anjos do Inferno:
sucesso com "E o cordão dos puxa-sacos"
“Lá vem o cordão dos puxa-sacos dando vivas aos seus
maiorais… Quem está na frente é passado pra trás, e o cordão dos puxa-sacos
cada vez aumenta mais!” (Cordão dos Puxa-sacos, de Roberto Martins e
Eratóstenes Frazão, 1946)
Blecaute: Você conhece o pedreiro Waldemar?
“Você conhece o pedreiro Waldemar? Se não conhece, pois eu
vou lhe apresentar: de madrugada toma o trem da circular, faz tanta casa e não
tem casa pra morar.” (Pedreiro Waldemar, de Roberto Martins e Wilson Batista,
1949)
Personagens pitorescos, figuras públicas, tipos populares,
tudo isto fornece material para marchinhas que captam o olhar do povo sobre as
novidades que o mundo lhe apresenta. Olhar conservador, olhar irreverente,
olhar simpático ou desconfiado com novas maneiras de ser, com novas atitudes,
novas formas de comportamento.
Jorge Goulart: campeão de vários carnavais
“Olha a cabeleira do Zezé… Será que ele é? Será que ele é?”
(Cabeleira do Zezé, de João Roberto Kelly e Roberto Faissal, 1964 Jorge Goulart)
Não se deve pensar, porém, que a marchinha é uma espécie de
jornalismo musicado. As letras são muito curtas, e o espaço dos versos tem de
ser repartido com os refrões, que muitas vezes não passam de onomatopeias –
agregados de sílabas boas de cantar, mas que não têm nenhum significado
literal. O folião de carnaval parece gostar de letras com algo de exótico, de
pitoresco, mas não levado muito a sério, como nas inúmeras marchinhas
ambientadas em outros países, em outras culturas, e reduzindo tudo à poética
lúdica de suas letras.
“Eu fui às touradas em Madri, pararati bum, bum, bum… E
quase não volto mais aqui, pra ver Peri, beijar Ceci.” (Touradas em Madri, de
João de Barro e Alberto Ribeiro, 1938)
Carlos Galhardo ganhou vários carnavais, inclusive o de 1941 com Alla-la-ô
“Atravessando o deserto do Saara, o sol estava quente,
queimou a nossa cara… Allah-la-ô, ôôô, ôôô… Mas que calor, ôôô, ôôô…” (Allah-la-ô,
de Nássara e Haroldo Lobo, 1941)
A mulher é um tema constante nessas músicas, feitas de
propósito para o canto de uma multidão, num clima de euforia de verão onde
ninguém é de ninguém. Mulheres de todos os tipos já foram musas de marchinhas:
a fiel, a sapeca, a trabalhadora, a mulher fatal, a esposa paciente, a namorada
esfuziante. Em três anos sucessivos, o carnaval carioca homenageou a mulata (O
Teu Cabelo não Nega, de Lamartine Babo e Irmãos Valença, 1932), a morena (Linda
Morena, de Lamartine Babo, 1933) e a loura (Linda Lourinha, de João de Barro,
1934.
A dupla Castro Barbosa e Lauro Borges, fazia o famoso PRK30.
Mas Castro Barbosa também cantava e gravou "O teu cabelo não nega"
Há muitas marchinhas celebrando a mulher diferente,
desinibida, que atrai os olhos de todos os homens à sua passagem; talvez porque
seja assim que muitas mulheres querem se sentir no carnaval, e os compositores
fazem o que podem para que isso aconteça. Versos sobre mulheres namoradeiras, não convencionais, são mais aceitos dentro da leveza de tom de uma marchinha
carnavalesca.
Emilinha Borba campeã de inúmeros carnavais
Radialistas de respeito ao microfone da Rádio Nacional:
Emilinha, Celso Guimarães, Marlene e Manuel Barcelos
“Chiquita Bacana lá da Martinica se veste numa casca de
banana nanica.” (Chiquita Bacana, de Alberto Ribeiro e João de Barro, 1949-Emilinha Borba)
“Maria Escandalosa desde criança sempre deu alteração; na
escola não dava bola, só aprendia o que não era da lição. (…) Hoje ela não sabe
nada de História, de Geografia; mas seu corpo de sereia dá aulas de anatomia.” Maria Escandalosa, de Klecius Caldas e Armando Cavalcanti, carnaval de 1955 . Mais um sucesso de Blecaute
Se a Barra da Tijuca era assim em 1960, imagine quando foi feita a marchinha, Com jeito vai em 1957?
Os anos 1950 foram uma época conservadora nos costumes, mas
também de uma euforia modernizante generalizada, inclusive nos costumes. Daí os
conselhos prudentes de João de Barro em Vai com Jeito (1957): “Se alguém lhe
convidar pra tomar banho em Paquetá, um piquenique na Barra da Tijuca ou pra
fazer um programa no Joá… Menina, vai; com jeito vai, se não um dia a casa
cai”.Cantada por Emilinha Borba. Havia no ar certa preocupação com o perigo de tantas jovens inexperientes
receberem sua iniciação amorosa nas mãos dos “lobos maus” de sempre. Anos
depois, tanto a Bossa Nova quanto a Jovem Guarda retomaram esse tema, que vive
girando eternamente na cabeça dos jovens e dos pais dos jovens.
As letras das marchinhas ganham novos sentidos a depender do
contexto. Uma marchinha despretensiosa como a Marcha do Remador (de Antonio
Almeida e Oldemar Magalhães, 1964 com Emilinha Borba) acabou se transformando num símbolo popular
de esperança e otimismo. Já a vi cantada por torcidas de futebol e por
estudantes encarando vestibular.
A marchinha gosta de trocadilhos, distorção de siglas ou de
nomes próprios, rimas inesperadas com palavras que acabam de “entrar na moda”.
Ela é conservadora no sentido de ter criado para si própria uma tradição: um
perfil melódico, rítmico, e um estilo de letras que mantém o mesmo espírito de
quase um século atrás.
..
Mamãe eu quero (1937) – A composição de José Luís
Rodrigues Calazans (Jararaca) e Vicente Paiva também é uma das marchinhas mais
executadas no carnaval. Certa vez Jararaca estava numa rodoviária e viu um bebê berrando de fome, ansioso que sua mãe lhe desse de mamar. Dai ele tirou a ideia para compor uma das musicas brasileiras mais conhecidas no exterior.
Jararaca teve como parceiro Vicente Paiva:
música brasileira mais tocada no exterior
Cabeleira do Zezé
(1963) – Segundo o compositor João Roberto Kelly, a marchinha foi criada em uma
mesa de bar. “Trabalhava em uma televisão e de noite gostava de ir para um bar
no Leme bater papo com amigos. Tinha um garçom cabeludo e fiz Cabeleira do
Zezé.” O radioator Roberto Faissal deu umas ideias e ganhou a parceria.
João Roberto Kelly promove suas músicas na televisão nos anos 60.
Dizem que Chacrinha entrou na parceria para cantar e promover a música.
Maria Sapatão (1980) – Uma das canções mais polêmicas do
Carnaval foi composta por uma dupla também um tanto inédita: João Roberto Kelly
e Chacrinha.
-Max Nunes se
inspirou numa foto de guerra para compor “Bandeira Branca” – (Dalva de
Oliveira marcha rancho gravada por Dalva de Oliveira.
Linda Batista e Dalva de Oliveira:
duas campeoníssimas do carnaval
" Além de política, os motes eram as comédias de costumes, o nonsense (com o casamento de rimas sem
sentido) e a crítica social, como nos versos "Tomara que chova / Três dias
sem parar / A minha grande mágoa / É lá em casa não tem água / E eu preciso me
lavar". O péssimo abastecimento de água no Rio inspirou Paquito e Romeu
Gentil a lançar, em 1951, Tomara que Chova.
-Homero Silva, funcionário do antigo Banerj, tirou a
inspiração em um mendigo irreverente que fazia ponto perto de seu trabalho para
compor “Me dá um dinheiro aí”.
Moacyr Franco gravou Me dá um dinheiro aí.
Era um personagem da televisão
-Armando Cavalcanti era general da reserva do Exército
Brasileiro. Compôs inúmeras marchinhas com seu parceiro Klecius Caldas. Uma
delas inspirada em um recruta gago:
“A marcha do gago”, gravada por Oscarito.
Oscarito
A saga de “Cidade Maravilhosa” de autoria de André Filho, marcha oficial da cidade do Rio de Janeiro.
O velho rádio deu uma grande ajuda para o título Cidade Maravilhosa para o Rio de
Janeiro. E tudo porque esse título foi
inspirado num programa radiofônico de grande sucesso na época, apresentado por
César Ladeira, onde este lia as "Crônicas
da Cidade Maravilhosa", escritas pelo futuro imortal da Academia
Brasileira de Letras, Genolino Amado. O programa ia ao ar pela Rádio Mayrink
Veiga.
Cesar Ladeira:
gênio do rádio e uma das mais lindas vozes.
A marchinha, gravada
originalmente na Odeon em 1934, por Aurora Miranda e André Filho, foi lançada em discos 78 rotações ou 78 rpm como
se dizia na época.
Aurora gravou a marcha por sugestão de Carmen Miranda. A
famosa cantora pretendia lançar a irmã mais nova no cenário artístico e na
rádio. Realmente Aurora Miranda possuía grande talento.
Carmem deu uma força para a irmã Aurora
Aurora Miranda:
gravação histórica de Cidade Maravilhosa
Por esta razão, Carmen passou a incluir Aurora em todos os seus shows e no
coro de suas gravações. Quando o compositor André Filho mostrou-lhe a música Cidade Maravilhosa, Carmen achou que
aquela seria uma oportunidade de ouro para a irmã. André Filho concordou
imediatamente e, juntamente com Aurora Miranda, gravou Cidade maravilhosa de
forma magistral com a famosa introdução do maestro Silva Sobreira.
André Filho:
muito jovem quando compôs Cidade Maravilhosa.
E ai, amigo! Gostou? Mande seus comentários!
Quer saber mais? Leia meu livro A Era do Radioteatro!
Até breve e bom carnaval!
E um Beste seler.Parabens Roberto Avante...
ResponderExcluirParabéns por nos fazer relembrar ou mesmo mostrar ais jovens de hoje, como fomos afortunados em termos vivido nos bons tempos dos antigos carnavais! Músicas harmoniosas com letras alegres!
ResponderExcluirRoberto que bom ver e ter saudades dos antigos carnavais. Você foi feliz em juntar fotos e fatos para nós deliciar. Um grande abraço e bom carnaval.
ResponderExcluirNOTA 10000
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