Roberto Salvador
No vigésimo segundo
andar do edifício A Noite, na praça Mauá,
Zona Central do Rio de Janeiro ficavam o departamento de radioteatro com seu
moderno estúdio de novelas, salas de ensaio e sonofonia. Havia um belo terraço
de onde se avistava todo o centro do Rio de Janeiro e a baía de Guanabara com o
aeroporto Santos Dumont tendo ao fundo o
Pão de Açúcar. Uma visão impressionante
do Rio de Janeiro dos anos 50.
Anos 20:
edifício A Noite pontificando como o único arranha-céu do centro da cidade no inicio de uma avenida Rio Branco com prédios baixos ao estilo francês.
Inicio dos anos 50 em pleno apogeu da Rádio Nacional.
A emissora ocupava os quatro últimos andares, incluindo o magnifico terraço
Ano 2018:
o velho projeto Art Deco convive com a moderna arquitetura.
No lado oposto do terraço ficava o restaurante
da Nacional e acima dele um outro
terraço menor, ambiente ideal para pequenas recepções.
“O movimento e a efervescência da emissora eram demonstrados pelas centenas de funcionários e convidados
que frequentavam o restaurante situado no 22º. andar.
Nessa época, o movimento registrava uma média de 15 mil pessoas por
mês.
Identifico na foto acima alguns
artistas, famosos na época: Em uma mesa,em primeiro plano, estão vários músicos
componentes da orquestra. Mais ao fundo em outra mesa, com amigos, o Jararaca que fazia dupla com Ratinho e era
o Mestre Filó da Lira de Xopotó.
Jararaca, é bom lembrar, autor da famosa marchinha conhecida no mundo inteiro: Mamãe eu quero. À direita conversam o
radioator Navarro de Andrade e a radioatriz Maria Alice(encoberta). Navarro fez um dos
centuriões em A vida de Cristo. A um canto vejo a radioatriz Nelma Costa que
acabara de fazer um lanche e mais atrás o maestro Radamés Gnatali. Bem ao
fundo, de pé, um garçom que atendia pelo apelido de Televisão. Não me perguntem
por quê.
Pois foi inspirado nesta foto que
resolvi falar um pouco sobre o famoso restaurante.Muitos o chamavam de bar do Periquito. Não era um ambiente
grande. Talvez não abrigasse mais do que umas doze mesas. A um canto um arco de
alvenaria, muito comum na arquitetura carioca dos anos quarenta, abrigava um
balcão onde se servia um rápido cafezinho, um lanche ou uma bebida para quem não tinha tempo para
sentar. O cardápio não tinha muitas
opções. As comidas eram leves e caseiras
e mais importante: o serviço era rápido o que permitia uma boa
rotatividade de freqüentadores.
As bebidas servidas atendiam aos hábitos da época: refrigerantes,
cerveja e pouquíssimas opções de vinho. Beber vinho naqueles tempos era coisa
rara. O hábito de beber destilados não
era disseminado, mas algumas garrafas de
whisky escocês pontificavam na
prateleira. Nada de vodca, caipirinha nem cachaça. Não era hábito se beber
essas coisas naqueles tempos. Pelo menos no bar da Nacional.
Jararaca e Ratinho
Navarro de Andrade:
radiator versátil era bom no drama e na comédia
Nelma Costa, filha de dois pioneiros do cinema brasileiro:
Cora Costa e Álvaro Costa
Alguns artistas gostavam de
beber. Mas nunca testemunhei nenhuma cena de “alcoolismo explícito”. Assim como
jamais soube de artista se apresentar “tocado” ao microfone do radioteatro. Mas
era voz corrente que aos domingos, no programa
Paulo Gracindo que ia ao ar no horário de almoço, rolava pelo corredor que dava
acesso ao palco e por onde passavam todos os que iam entrar no ar,
discretamente, uma certa “caninha” entre
os artistas e músicos.Junto com a purinha vinham também umas caixas de
empadinhas, fabricadas no famoso bar do Zica, que ficava no térreo do edifício
de A Noite, providenciadas pela produção. Era tudo consumido discretamente O
próprio Gracindo, não me consta que bebesse, mas gozava a turma exclamando, de
vez em quando ao microfone:
-Alô, alô turma do xarope!
Outras ocasiões, quando, ao invés
da purinha, vinha uma garrafa de conhaque francês, era o locutor Afrânio
Rodrigues que exclama ao microfone, dirigindo-se a Gracindo:
Aquele cantor francês,já chegou, viu”?!
Os ouvintes não entendiam o
recado, nem era para entender.
E o programa seguia alegre, leve
e solto..
.
Programa Paulo Gracindo, domingos a partir de meio-dia:
"aquele cantor francês chegou, viu"?
Mas voltemos ao restaurante da
Nacional. Havia duas coisas que quando o orçamento me permitia eu curtia : o
rosbife com salada de batatas e uma
torta coberta de creme chantili. Imperdível !
Os garçons eram muito simpáticos
e tratavam bem a nós jovens frequentadores. Usavam impecável paletó branco, calça preta e gravata borboleta. As
mesas eram cobertas com toalhas branquinhas, dando ao ambiente um aspecto
simpático, limpo e aconchegante. Uma coisa muito legal também, é que o
restaurante ficava na cobertura do prédio do edifício “A Noite”, voltado para o
cais do porto, praça Mauá e avenida Rodrigues Alves. Era uma vista deslumbrante
a da baia da Guanabara, com dezenas de navios atracados no porto e não
havia dia que o armazém 1 do Touring não recebesse um enorme transatlântico que
constituíam praticamente a única ligação entre o Brasil e o resto do mundo, uma
vez que a era dos jatos ainda não havia sido inaugurada.
Era gostoso fazer um lanche ou
uma refeição olhando a vista de um Rio
de Janeiro romântico e feliz que ainda não havia conhecido a violência.
Sempre que eu tinha programa na
rádio, combinava com os colegas chegar mais cedo para ter tempo de bater um
papo e apreciar a vista.
Vez por outra nos sentávamos à
mesa, mesmo sem consumir nada, mas só para desfrutarmos a presença de algum
artista mais chegado a nós.
A professora Maria de Lourdes
Alves, produtora do Clube Juvenil Toddy, onde eu atuava às quintas-feiras à
tarde, sempre nos aconselhava a não ficar frequentando o bar da Nacional.Éramos
muito jovens e o certo seria fazer o programa e ir para a casa. Mas de vez em
quando não seguíamos seus conselhos e ficávamos lá pelo bar.
Alguns artistas eram atenciosos
conosco e nos tratavam com muita consideração, incentivando, aconselhando e
corrigindo erros.
Gerdal dos Santos, Domingos
Martins,Ismênia dos Santos, Domício Costa, Cahué Filho, Castro Gonzaga,Cícero Acaiaba, Lourival
Faissal, Lourival Marques,Paulo Roberto e as atrizes Iara Sales, Lourdes Mayer,
Simone Moraes e Neuza Tavares, entre outros eram muito amigos e chegavam a
comprar votos da eleição de Rainha da Primavera
de nossos colégios que vendíamos para angariar recursos para a
formatura.
Neuza Tavares, bela voz, brilhante radioatriz ,depois se tornou grande dubladora
Dupla de radioatores famosos nos anos 50:
Simone Moraes e Artur Costa Filho
Domingos Martins e Ismênia dos Santos
Cicero Acaiaba e sua esposa.
Ele escrevia novelas e era radioator
Domicio Costa foi Judas em A Vida de Cristo e também o Inspetor Marques de O Teatro de Mistério.
Frequentavam o Restaurante da Nacional:
Isis de Oliveira, Vitor Binot, Neuza Maria, Nelson Gonçalves, Emilinha e Carlos Galhardo
Paulo Roberto era o mais
simpático e amigo de todos nós. Costumava se referir a nós jovens artistas,
como “a juventude radiosa”, em
contraponto com a “juventude transviada”
da época.
Paulo Roberto, médico e radialista,
prestigiava muito os jovens,
Daí eu tomei conhecimento, até
onde meus ouvidos permitiam, de várias histórias que rolavam pelas mesas do restaurante da Rádio Nacional. São fatos interessantes que, refletindo o dia-a-dia dos artistas que faziam pulsar aquela que era a maior emissora de rádio do país, marcaram uma era pujante que deixou saudades.
O autor do blog e um antigo e potente rádio de válvulas dos anos 40.
Gostou desta postagem? Mande perguntas e sugestões!
Até breve!
Prezado Roberto Obrigada pela deliciosa viagem que vc me proporciona, revendo a minha infância e adolescência, como ouvinte da Rádio Nacional. Vou tomar a liberdade de fazer uma pequena correção neste texto: quem fazia o Inspetir Marques, no Teatro de Mistério, era o Rodolfo Mayer. Depois, quando o TM voltou ao ar, o Domicio Costa passou a ser o Inspetor Santos. São pequenos detalhes, que em nada interfere nas suas excelentes histórias sobre uma emissora que vive no coração e memória dos brasileiros. Um abraço
ResponderExcluirOlá Ana Virgilio, que bom receber seu comentário! Você tem roda razão. No lançamento do seriado, era realmente o Rodolfo Mayer o Inspetor. Inspetor Marques. A série ficou uns tempos fora do ar e retornou, creio que nos anos 80. O autor Helio do Soveral, sabendo que não contaria mais com Rodolfo Mayer, que havia deixado a Nacional, criou o Inspetor Santos, interpretado pelo genial Domício Costa. E Domício ficou até o final do seriado. Por sinal Domício Costa chegou a ser diretor-gerente da Nacional. Tão logo me seja tecnicamente possível, farei a correção na legenda da foto de Domício Costa, o Inspetor Santos. Obrigado Ana! Fico feliz que você acompanha a Rádio Nacional desde sua infância e adolescência!Valeu e continue visitando nosso blog.
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ResponderExcluirOlá Roberto, ótimas histórias. Lendo-as, surgiu-me algumas curiosidades...:
ResponderExcluir1. Gostaria que contasse histórias dos bastidores do Teatro de Mistério, o qual sou muito fã. Há algumas?
2. Por que o Cauê Filho saiu da Nacional? Foi por livre e espontânea vontade ou foi demitido? Pergunto, porque acredito que o Minoro, seu personagem no Teatro de Mistério, era um sucesso. Também gostaria de saber o motivo de ele ter passado seus últimos anos no Retiro dos Artistas.
3. É verdade que a Lourdes Santanna, atriz que fazia a Suze no Teatro, faleceu em decorrência de um acidente automobilístico? Se sim, em que ano? Gostaria de saber mais sobre ela.
4. Sou deficiente visual e, como tal, tenho curiosidade em saber se muitos frequentavam a rádio como visitantes e se, até mesmo, houve algum radioator ou radioatriz com deficiência visual na Nacional.
Acho que estas ideias dariam ótimos posts.
Abraço.