segunda-feira, 13 de agosto de 2018

ALGUMAS HISTÓRIAS DO VELHO RÁDIO



HISTÓRIAS DO RESTAURANTE DA RÁDIO NACIONAL
Roberto Salvador

No vigésimo segundo andar do edifício A Noite, na  praça Mauá, Zona Central do Rio de Janeiro ficavam o departamento de radioteatro com seu moderno estúdio de novelas, salas de ensaio e sonofonia. Havia um belo terraço de onde se avistava todo o centro do Rio de Janeiro e a baía de Guanabara com o  aeroporto Santos Dumont tendo ao fundo o Pão de Açúcar. Uma  visão impressionante do Rio de Janeiro dos anos 50.

                                                           Anos 20: 
    edifício A Noite pontificando  como o único arranha-céu do  centro da cidade no inicio de uma avenida Rio Branco  com                                              prédios baixos ao estilo francês.


Inicio dos anos 50 em pleno apogeu da Rádio Nacional.
A emissora ocupava os quatro últimos andares, incluindo o magnifico terraço


Ano 2018:
 o velho projeto Art Deco  convive com a moderna arquitetura.

No lado oposto do terraço ficava o restaurante da Nacional e acima dele um  outro terraço menor, ambiente ideal para pequenas recepções.
No lindo e excelente álbum sobre a Rádio Nacional, exatamente na página 143 há uma foto tirada no restaurante da emissora. Sob a foto  em preto e branco uma legenda:





“O movimento e a efervescência da emissora eram demonstrados  pelas centenas de funcionários e convidados que frequentavam o restaurante situado no 22º. andar.
Nessa época, o movimento registrava uma média de 15 mil pessoas por mês.


Identifico na foto  acima alguns artistas, famosos na época: Em uma mesa,em primeiro plano, estão vários músicos componentes da orquestra. Mais ao fundo em outra mesa, com amigos,  o Jararaca que fazia dupla com Ratinho e era o Mestre Filó da Lira de Xopotó. Jararaca, é bom lembrar, autor da famosa marchinha conhecida no mundo inteiro: Mamãe eu quero. À direita conversam o radioator Navarro de Andrade e a radioatriz Maria Alice(encoberta). Navarro fez um dos centuriões em A vida de Cristo.  A um canto vejo a radioatriz Nelma Costa que acabara de fazer um lanche e mais atrás o maestro Radamés Gnatali. Bem ao fundo, de pé, um garçom que atendia pelo apelido de Televisão. Não me perguntem por quê.

Pois foi inspirado nesta foto que resolvi falar um pouco sobre o famoso restaurante.Muitos o chamavam de bar do Periquito. Não era um ambiente grande. Talvez não abrigasse mais do que umas doze mesas. A um canto um arco de alvenaria, muito comum na arquitetura carioca dos anos quarenta, abrigava um balcão onde se servia um rápido cafezinho, um lanche  ou uma bebida para quem não tinha tempo para sentar. O cardápio  não tinha muitas opções. As comidas eram leves  e caseiras e mais importante: o serviço era rápido o que permitia uma boa rotatividade  de freqüentadores.
As bebidas servidas  atendiam aos hábitos da época: refrigerantes, cerveja e pouquíssimas opções de vinho. Beber vinho naqueles tempos era coisa rara. O hábito de beber  destilados não era disseminado,     mas     algumas    garrafas de
whisky escocês pontificavam na prateleira. Nada de vodca, caipirinha nem cachaça. Não era hábito se beber essas coisas naqueles tempos. Pelo menos no bar da Nacional.

Jararaca e Ratinho
 

Navarro de Andrade:
 radiator versátil era bom no drama e na comédia


Nelma Costa, filha de dois pioneiros do cinema brasileiro:
 Cora Costa e Álvaro Costa



Alguns artistas gostavam de beber. Mas nunca testemunhei nenhuma cena de “alcoolismo explícito”. Assim como jamais soube de artista se apresentar “tocado” ao microfone do radioteatro. Mas era voz corrente  que aos domingos, no programa Paulo Gracindo que ia ao ar no horário de almoço, rolava pelo corredor que dava acesso ao palco e por onde passavam todos os que iam entrar no ar, discretamente, uma certa “caninha”  entre os artistas e músicos.Junto com a purinha vinham também umas caixas de empadinhas, fabricadas no famoso bar do Zica, que ficava no térreo do edifício de A Noite, providenciadas pela produção. Era tudo consumido discretamente O próprio Gracindo, não me consta que bebesse, mas gozava a turma exclamando, de vez em quando ao microfone:
-Alô, alô turma do xarope!
Outras ocasiões, quando, ao invés da purinha, vinha uma garrafa de conhaque francês, era o locutor Afrânio Rodrigues que exclama ao microfone, dirigindo-se a Gracindo:
Aquele cantor francês,já chegou, viu”?!
Os ouvintes não entendiam o recado, nem era para entender.
E o programa seguia alegre, leve e solto..


.
        Programa Paulo Gracindo, domingos a partir de meio-dia: 
                                    "aquele cantor francês chegou, viu"?


Mas voltemos ao restaurante da Nacional. Havia duas coisas que quando o orçamento me permitia eu curtia : o rosbife com salada de batatas e uma  torta coberta de creme chantili. Imperdível !
Os garçons eram muito simpáticos e tratavam bem a nós jovens frequentadores. Usavam impecável paletó  branco, calça preta e gravata borboleta. As mesas eram cobertas com toalhas branquinhas, dando ao ambiente um aspecto simpático, limpo e aconchegante. Uma coisa muito legal também, é que o restaurante ficava na cobertura do prédio do edifício “A Noite”, voltado para o cais do porto, praça Mauá e avenida Rodrigues Alves. Era uma vista deslumbrante a da baia da Guanabara, com dezenas de navios atracados no porto e não havia  dia  que o armazém 1 do Touring  não recebesse um enorme transatlântico que constituíam praticamente a única ligação entre o Brasil e o resto do mundo, uma vez que a era dos jatos ainda não havia sido inaugurada.
Era gostoso fazer um lanche ou uma refeição olhando a vista  de um Rio de Janeiro romântico e feliz que ainda não havia conhecido a violência.
Sempre que eu tinha programa na rádio, combinava com os colegas chegar mais cedo para ter tempo de bater um papo e apreciar a vista.
Vez por outra nos sentávamos à mesa, mesmo sem consumir nada, mas só para desfrutarmos a presença de algum artista mais chegado a nós.

A professora Maria de Lourdes Alves, produtora do Clube Juvenil Toddy, onde eu atuava às quintas-feiras à tarde, sempre nos aconselhava a não ficar frequentando o bar da Nacional.Éramos muito jovens e o certo seria fazer o programa e ir para a casa. Mas de vez em quando não seguíamos seus conselhos e ficávamos lá pelo bar.
Alguns artistas eram atenciosos conosco e nos tratavam com muita consideração, incentivando, aconselhando e corrigindo erros.
Gerdal dos Santos, Domingos Martins,Ismênia dos Santos, Domício Costa, Cahué Filho, Castro Gonzaga,Cícero Acaiaba, Lourival Faissal, Lourival Marques,Paulo Roberto e as atrizes Iara Sales, Lourdes Mayer, Simone Moraes e Neuza Tavares, entre outros eram muito amigos e chegavam a comprar votos da eleição de Rainha da Primavera  de nossos colégios que vendíamos para angariar recursos para a formatura.
Neuza Tavares, bela voz, brilhante radioatriz ,depois se tornou grande dubladora


Dupla de radioatores famosos nos anos 50:
 Simone Moraes e Artur Costa Filho

Domingos Martins e Ismênia dos Santos

Cicero Acaiaba e sua esposa. 
Ele escrevia novelas e era radioator


Domicio Costa foi Judas em A Vida de Cristo e também o Inspetor Marques de O Teatro de Mistério.

Frequentavam o Restaurante da Nacional: 
Isis de Oliveira, Vitor Binot, Neuza Maria, Nelson Gonçalves, Emilinha e Carlos Galhardo

Paulo Roberto era o mais simpático e amigo de todos nós. Costumava se referir a nós jovens artistas, como  a juventude radiosa”, em contraponto com a “juventude transviada” da época.

Paulo Roberto, médico e radialista,
 prestigiava muito os jovens,


Daí eu tomei conhecimento, até onde meus ouvidos permitiam, de várias histórias que rolavam  pelas mesas do restaurante da Rádio Nacional. São fatos  interessantes que, refletindo  o dia-a-dia dos artistas que faziam pulsar  aquela que era a maior emissora de rádio do país, marcaram uma era  pujante  que deixou saudades.

O autor do blog e um antigo e potente rádio de válvulas dos anos 40.





Gostou desta postagem? Mande perguntas e sugestões!
Até breve!






4 comentários:

  1. Prezado Roberto Obrigada pela deliciosa viagem que vc me proporciona, revendo a minha infância e adolescência, como ouvinte da Rádio Nacional. Vou tomar a liberdade de fazer uma pequena correção neste texto: quem fazia o Inspetir Marques, no Teatro de Mistério, era o Rodolfo Mayer. Depois, quando o TM voltou ao ar, o Domicio Costa passou a ser o Inspetor Santos. São pequenos detalhes, que em nada interfere nas suas excelentes histórias sobre uma emissora que vive no coração e memória dos brasileiros. Um abraço

    ResponderExcluir
  2. Olá Ana Virgilio, que bom receber seu comentário! Você tem roda razão. No lançamento do seriado, era realmente o Rodolfo Mayer o Inspetor. Inspetor Marques. A série ficou uns tempos fora do ar e retornou, creio que nos anos 80. O autor Helio do Soveral, sabendo que não contaria mais com Rodolfo Mayer, que havia deixado a Nacional, criou o Inspetor Santos, interpretado pelo genial Domício Costa. E Domício ficou até o final do seriado. Por sinal Domício Costa chegou a ser diretor-gerente da Nacional. Tão logo me seja tecnicamente possível, farei a correção na legenda da foto de Domício Costa, o Inspetor Santos. Obrigado Ana! Fico feliz que você acompanha a Rádio Nacional desde sua infância e adolescência!Valeu e continue visitando nosso blog.

    ResponderExcluir
  3. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  4. Olá Roberto, ótimas histórias. Lendo-as, surgiu-me algumas curiosidades...:
    1. Gostaria que contasse histórias dos bastidores do Teatro de Mistério, o qual sou muito fã. Há algumas?
    2. Por que o Cauê Filho saiu da Nacional? Foi por livre e espontânea vontade ou foi demitido? Pergunto, porque acredito que o Minoro, seu personagem no Teatro de Mistério, era um sucesso. Também gostaria de saber o motivo de ele ter passado seus últimos anos no Retiro dos Artistas.
    3. É verdade que a Lourdes Santanna, atriz que fazia a Suze no Teatro, faleceu em decorrência de um acidente automobilístico? Se sim, em que ano? Gostaria de saber mais sobre ela.
    4. Sou deficiente visual e, como tal, tenho curiosidade em saber se muitos frequentavam a rádio como visitantes e se, até mesmo, houve algum radioator ou radioatriz com deficiência visual na Nacional.

    Acho que estas ideias dariam ótimos posts.
    Abraço.

    ResponderExcluir