segunda-feira, 3 de setembro de 2018

NOVAS HISTÓRIAS DO VELHO RÁDIO



Roberto Salvador

MAIS  HISTÓRIAS DO BAR DA RADIO NACIONAL.
Vou continuar narrando histórias que presenciei ou ouvi e que foram vividas no bar-restaurante da Nacional, ambiente frequentado por artistas e funcionários naqueles anos dourados do rádio e que ficava no vigésimo segundo andar do Edifício A Noite.


                                      Artistas no bar da Rádio Nacional: 
                                        descontração e muitas histórias.

AS FORMIGAS ATACAM !
Na hora do jantar daquele dia, no restaurante,  Edmo do Valle era só alegria e recebia os cumprimentos de diversos companheiros. Mas antes quero explicar quem foi Edmo do Valle. 
Edmo do Valle, pioneiro da Nacional, especializou-se em produzir ruídos que enriqueciam as novelas. 


Foi um dos grandes nomes do radioteatro da emissora, nos anos 40,50 e 60. Notabilizou-se como contrarregra, ou seja, aquele profissional encarregado de produzir efeitos sonoros nas novelas. Extremamente criativo, fabricava instrumentos capazes de produzir ruídos, que imitando  a realidade, faziam o ouvinte imaginar a cena que os atores viviam. Mas voltando à história que quero contar. Edmo estava feliz em uma das mesas do bar, pois  acabara de ir ao ar o capítulo de uma novela de aventuras no qual, após uma tremenda briga, o  vilão  atira o mocinho num poço cheio de ferozes e famintas formigas. O script pedia: ruído de formigueiro. Formigas atacam o homem que  grita desesperado.
Édmo que era um gênio da contrarregra das novelas passou boa parte da tarde buscando um ruído que  transmitisse aos ouvintes a ideia de um formigueiro. O tempo passava e finalmente o lampejo do gênio: Édmo colocou um comprimido de Alka-Seltzer num copo d’água e  fez o teste diante de um microfone. Eis que alguém sugere: - que tal uma Coca-Cola ?
O resultado sonoro foi melhor ainda com o refrigerante! Na hora da cena, lá estava Edmo produzindo o ruído que se tornou famoso.
Logo, logo, vários autores passaram a  escrever cenas que incluíam formigueiros. Edmo recebia os abraços, enquanto tomava ... uma Coca-Cola, sem Alka-Seltzer.


Estúdio, inaugurado no final de 1952: uma casa com todos os apetrechos destinados à produção de efeitos sonoros que despertavam a imaginação dos ouvintes. Edmo do Valle, junto com outros profissionais, ajudou em sua construção. 



Atores em ação no moderno estúdio de radioteatro. Ao fundo o cenário de uma casa com apetrechos destinados à produção dos ruídos.

LENDO O SCRIPT DE CABEÇA PARA BAIXO.
Roberto Faissal foi um dos radioatores mais completos que conheci. Uma das mais belas vozes do rádio, tinha uma capacidade de leitura impressionante pela  segurança.
Era capaz de ler páginas e páginas de um “bife” sem errar. Esclareço para quem não sabe, que chama-se “bife” em rádio ou TV  aquelas falas  imensas, verdadeiros monólogos, verdadeiros desafios para o ator.


                                              Roberto Faissal, linda voz: 
                   de galã de radionovelas a teleator, com passagem pelo cinema.

Capa do Long-play em que Faissal lê a passagem do Evangelho do Sermão da Montanha: campeão de vendas nos anos 60.

 Pois Roberto, com apenas um ensaio, ia para o microfone, ao vivo, dava um banho. Possuía o que se costuma chamar de “queda de leitura”. Que implica em ler sem errar, sem falhar na interpretação e sem se perder no meio do texto. Podia tirar os olhos do papel por dois segundos e voltar, retomando a leitura exatamente no trecho que interrompera.
Heron Domingues: 
impressionante "queda de leitura".

Quem tinha também essa facilidade era Heron Domingues, o Repórter Esso da Rádio Nacional. Uma vez vi Heron, no meio do Esso, fazer a revisão de uma nota que chegara à ultima  hora. Enquanto lia o comercial, ia fazendo anotações na notícia final que eu acabara de lhe entregar em pleno ar ! Quando acabou de ler o comercial, como de hábito, com voz pausada, encheu os pulmões e falou: -E eis a última notícia!
Isso valeu a Heron conquistar os telespectadores da TV Rio, para onde se transferiu nos anos 60.  É que ele lia o noticiário quase sem olhar para o roteiro. Chamo a atenção para o fato de que naqueles tempos ainda não haviam criado o teleprompter e a maioria locutores olhava mais para o texto do que para a câmera.


O mais famoso noticiário radiofônico de todos os tempos

Mas voltemos a Roberto Faissal. Sua queda de leitura era famosa. O radioator Walter Alves me contou que certa vez Roberto apostou um almoço com Domício Costa que leria um trecho de um “bife” de novela, com o script de cabeça para baixo, sem errar!
Roberto ganhou a aposta. E naquele dia estava comemorando a vitória no restaurante da Nacional. Floriano, seu irmão, que era o diretor do radioteatro, não preciso dizer, não gostou nada dessa brincadeira, embora o programa fosse previamente gravado.

NA APOSTA ENTRE JESUS CRISTO E JUDAS NÃO HOUVE VENCEDOR.
Mas Luís Manuel me conta uma outra versão para essa história de ler o script de cabeça para baixo

È que todo o ano se elegiam os melhores do rádio. E o título de melhor ator, ora ia para Roberto Faissal, ora para Domício Costa. Ambos eram muito bons. Lembrando que Roberto fora Jesus Cristo em  O romance da eternidade e Domício, o Judas. Ambos eram extremamente versáteis e atores de primeira linha. Certa vez  resolveram fazer uma aposta. Vamos ao relato de Luís Manuel:
Ia haver uma gravação de um diálogo entre os dois, para ser incluída em um programa. Apostaram então em interpretar com o script de cabeça para baixo. Haveria direito a ensaio e tudo mais. E foram para o estúdio. E ambos gravaram sem errar!
Na aposta entre Cristo e Judas, não houve vencedor.


Luis Manuel começou fazendo radionovelas as 11 anos de idade.
 Hoje é diretor de dublagem



Roberto Faissal e Domício Costa: 
disputa entre talentos não teve vencedor.


O GALÃ VENDEDOR DE ENCICLOPÉDIAS

No início de sua carreira, nos anos 40, Roberto Faissal  trabalhava apenas um turno na rádio. Tratou, então de arranjar alguma coisa para cobrir o tempo ocioso e ganhar um dinheiro extra. E teve uma ideia interessante:  ficou  rapidamente famoso e recebia um pacote de cartas de ouvintes todas as semanas. Passou, então a selecionar criteriosamente as cartas, pela qualidade da caligrafia e do texto. Identificava ai um comprador em potencial. Dirigia-se ao endereço da missivista e lá tentava vender as coleções de enciclopédias. Foi um sucesso! As donas de casa quando reconheciam a voz do ídolo, não só compravam as obras como chamavam as vizinhas que compravam também !
Naquele dia, no restaurante, Roberto estava comemorando sua nomeação para gerente de vendas da editora e segundo ele, como tal, chegou a ganhar mais dinheiro do que como artista. Verdade?

PAPO NO TERRAÇO


O papo do bar as vezes se prolongava no magnifico terraço do edifício A Noite. Aqui estão Paulo Gracindo, Isis de Oliveira, Roberto Faissal, Eurico Silva, Yara Sales e Floriano Faissal. O assunto deveria ser "O Direito de nascer" pois estes eram os principais atores da famosa novela.



E então gostaram das histórias?
Mande sua opinião!
Nosso objetivo é preservar a memória do nosso rádio!
Roberto Salvador




E para saber mais, leia o livro!
Até breve!



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