sábado, 21 de julho de 2018

O PRODUTOR NO VELHO RÁDIO ERA O AUTOR DO PROGRAMA!

Roberto Salvador

O QUE É UM PRODUTOR?

O termo produtor tem conotações diferentes para rádio, teatro, cinema e televisão.
No teatro e no  cinema  o produtor é aquele que entra com o dinheiro, financiando a produção. Na televisão o produtor é aquele profissional que gerencia a produção do programa e dá  as condições  de trabalho para  que ele se viabilize. No cinema, no teatro e na televisão, portanto, produtor não dirige atores. Isso é  tarefa do diretor.

                                             Atores da Nacional em ação: 
Isis de Oliveira, Henriqueta Brieba, Aurélio de Andrade e outros.O produtor escreve o texto,que na voz dos radioatores leva emoção aos ouvintes.

Já em rádio, o produtor é aquele que  cria, que  escreve o programa. Em suma, o produtor em rádio é  o autor do programa.
No rádio de antigamente,se  o produtor escrevia crônicas  era um cronista, se escrevia  comentários que eram lidos por locutores, era um comentarista. Se produzia novelas era um novelista, se produzia textos de noticias era um noticiarista.

Dinah Silveira de Queiroz:
 durante anos escreveu uma crônica chamada Café da Manhã que ia ao ar às 8 pela Nacional


Eurico Silva nos anos 50 com as radioatrizes Nádia Maria e Daisy Lúcide:
exemplo de novelista.

Oduvaldo Viana com Deocélia e  Vianinha
 que  herdaria do pai o talento para escrever.


OS PRIMEIROS NOVELISTAS, ADAPTAVAM NOVELAS CUBANAS.

As primeiras radionovelas da Nacional nos anos 40 eram todas importadas. Em sua maioria, cubanas, a começar por Em busca da felicidade  já citada neste blog. 

Anúncio na mídia impressa da novela pioneira em 1941


Mas o trabalho dos novelistas não ficou restrito apenas às adaptações. Começaram a surgir os autores.  Neste período, destaque para Oduvaldo Viana e  Amaral Gurgel. Consultando os arquivos da Nacional, entre 1941 e 1959 foram escritas cerca  de 807 novelas, movimentando 118 autores.
Quase 10 por cento da totalidade dessas  novelas, eram  de autoria de Oduvaldo Viana.
Eurico Silva, que se tornou famoso pela adaptação de O direito de nascer viria a escrever mais de 40 novelas para a Nacional. Destaque para Amanhã seremos nós novela de sucesso nos anos 50.

 ATUANDO NO MICROFONE E BATENDO NA MÁQUINA DE ESCREVER

Muitos novelistas, além de escrever, atuavam no microfone, como Mário Brasini, Cícero Acaiaba, Walter Foster, Álvaro Aguiar, Mário Lago , Almirante e outros.

O mineiro Cícero Acaiaba e sua esposa. 
Novelista e radioator da Nacional.Escreveu vários romances.

Foi um dos caçados pelo Movimento Militar,quando escrevia Primavera sem flores. Viveu seus últimos dias em Varginha, escrevendo para o jornal local.

Walter Foster:
 atuação no rádio paulista com passagem pela Tupi do Rio.Escrevia e era radioator

Castro Gonzaga escrevia novelas e era radioator da Nacional.
Foi ator na Globo



Mario Lago fez de tudo em rádio. 
Foi ator e escreveu, além de  novelas, o seriado Presídio de Mulheres, nas tardes da Nacional.


Álvaro Aguiar, era o Tio Janjão e escrevia o seriado Aventuras do Anjo.
Faria sucesso depois na  Globo.


Helio do Soveral, escrevia o Teatro de Mistério e era o redator do programa Cesar de Alencar.


BRILHANTES PRODUTORES ERAM TAMBÉM MÉDICOS


Paulo Roberto:
 médico da Maternidade de Cascadura, no Rio de Janeiro, acumulava a medicina com o rádio, escrevendo e apresentando famosos programas...


...como "Obrigado Doutor", "Gente que brilha", "Lira de Xopotó", "Nada Além de Dois minutos", "Honra ao mérito" e a crônica diária "Bom dia compadre".

Gastão Pereira da Silva, médico psicanalista
 escrevia "No mundo dos sonhos" além de dezenas de novelas.

Max Nunes:
 cardiologista, jamais deixou a medicina e foi um dos maiores produtores de rádio migrando depois para a televisão. 
Quando morreu, com mais de 90 anos era o redator do Programa do Jô.


GENIOS DO VELHO RÁDIO.


Almirante: 
pioneiro, criou o rádio espetáculo, com os chamados programas montados. pesquisava, escrevia, interpretava e cantava. 
Aqui, autografa um violão para as crianças.

José Mauro e Almirante: 
uma dupla a quem o rádio muito deve.
José Mauro, irmão do cineasta pioneiro Humberto Mauro, escreveu grandes programas e no final dos anos 50 revolucionou o rádio, ao transformar a Tamoio em emissora musical, sob o tema, "música, exclusivamente música".

Mário Brasinni atuava e escrevia. Fez teatro. 
Aqui ao lado do colega André Villon.


Giuseppe Ghiaroni, nascido em Paraíba do Sul no estado do Rio, foi autor inúmeras novelas, além da "Vida de Nosso Senhor Jesus Cristo" e a radiofonização da "Bíblia Sagrada". A leveza e a alegria de seu talento o fazia escrever também "Tancredo e Trancado". No final de carreira emprestou seu talento aos programas educativos do Projeto Minerva.


SILENCIO! ESCRITORES TRABALHANDO.
No vigésimo segundo  andar, Floriano Faissal, diretor do departamento de radioteatro, criou uma área na qual  alguns novelistas dispunham de um espaço onde poderiam escrever e guardar seu material. Eram pequenos boxes de meia parede, onde cabia apenas uma mesa com máquina de escrever  e um arquivo . Vários novelistas dividiam esse pequeno espaço, trabalhando em turnos. Do lado de fora se ouvia o martelar das máquinas de escrever e se evitava fazer algazarra para não atrapalhar quem estava escrevendo. 

Floriano Faissal:
 talento e maestria ao dirigir o departamento de radioteatro da Nacional no período áureo da emissora.

DO RÁDIO, RUMO Á ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS.

Muitos que escreviam para rádio acabaram por se consagrar nas letras e ingressaram na Academia. Entre eles Viriato Correia, Joracy Camargo, Oranice Franco, Genolino Amado, Dinah Silveira de Queiroz.  Destaque para Dias Gomes, que levou para o radioteatro grandes autores universais, de Shakespeare e Victor Hugo, a Cervantes ou Alexandre Dumas, passando pelos nacionais Jorge Amado,José de Alencar, Machado de Assis e outros clássicos.

Viriato Correia, escrevia uma crônica diária para a Nacional:
 "História de chinelo".

Joracy Camargo:
 um dos primeiros redatores da "Voz do Brasil", ainda nos anos trinta.Entre outras obras, é autor de "Deus lhe pague".

Dinah Silveira de Queiroz:
 os ouvintes começando o dia com "Café da Manhã",crônica com  leveza e  talento.

Doralice e Oranice Franco em São João Del Rei.
Ele escrevia para a Nacional "Histórias do tio Janjão", "No meu tempo de rapaz" e "Meu pai meu maior amigo".



Dias Gomes: entretenimento
  compromissado com o conteúdo de suas obras.


Janete Clair e Dias Gomes. 
Casal de novelistas de rádio que depois migrou para a televisão.

Ivani Ribeiro: maior novelista de todos os tempos em qualidade e quantidade.
Depois de anos nas radionovelas,(Rádio Bandeirantes de São Paulo, Tupi e Tamoio do Rio, escreveu para a televisão sucessos inesquecíveis...


..."Mulheres de Areia", "A viagem", "O profeta" e outros. Morreu aos 73 anos,deixando uma rica obra.

Lourival Marques:
  um produtor que sempre se preocupou com o conteúdo e a informação  Dirigiu o radioteatro da Globo e foi para a Nacional no inicio dos anos 50.Escreveu, "Rádio Almanaque Kolinos", "Seu criado, obrigado", "Calendário Kolinos", "A canção da lembrança" entre outros.Seus programas eram baseados em dados e pesquisa. Para tanto possuía um valioso arquivo musical e de textos, além de uma biblioteca.


 Rendo aqui minha homenagem a todos esses talentosos produtores de rádio. Alguns deles constam de fotos junto à sua máquina de escrever. Em uma distante época pré-teclado de computador, era a datilografia a ferramenta dos cérebros criadores do velho rádio. O talento do produtor Ghiaroni, referido nesse blog escreveu uma poesia em que homenageia nada mais nada menos do que sua máquina de escrever. Por tudo isso, resolvi inclui-lo neste trabalho. Vale a pena ler!

MÁQUINA DE ESCREVER
Ghiaroni

 Mãe, se eu morrer de um repentino mal,
 vende meus bens a bem dos meus credores:
 a fantasia de festivas cores
 que usei no derradeiro Carnaval.

 Vende esse rádio que ganhei de prêmio
 por um concurso num jornal do povo,
 e aquele terno novo, ou quase novo,
 com poucas manchas de café boêmio.

 Vende também meus óculos antigos
 que me davam uns ares inocentes.
 Já não precisarei de duas lentes
 para enxergar os corações amigos.

 Vende , além das gravatas, do chapéu,
 meus sapatos rangentes. Sem ruído
 é mais provável que eu alcance o Céu
 e logre penetrar despercebido.

 Vende meu dente de ouro. O Paraíso
 requer apenas a expressão do olhar.
 Já não precisarei do meu sorriso
 para um outro sorriso me enganar.

 Vende meus olhos a um brechó qualquer
 que os guarde numa loja poeirenta,
 reluzindo na sombra pardacenta,
 refletindo um semblante de mulher.

 Vende tudo, ao findar a minha sorte,
 libertando minha alma pensativa
 para ninguém chorar a minha morte
 sem realmente desejar que eu viva.

 Pode vender meu próprio leito e roupa
 para pagar àqueles a quem devo.
 Sim, vende tudo, minha mãe, mas poupa
 esta caduca máquina em que escrevo.

 Mas poupa a minha amiga de horas mortas,
 de teclas bambas, tique-taque incerto.
 De ano em ano, manda-a ao conserto
 e unta de azeite as suas peças tortas.

 Vende todas as grandes pequenezas
 que eram meu humílimo tesouro,
 mas não! ainda que ofereçam ouro,
 não venda o meu filtro de tristezas!

 Quanta vez esta máquina afugenta
 meus fantasmas da dúvida e do mal,
 ela que é minha rude ferramenta,
 o meu doce instrumento musical.

 Bate rangendo, numa espécie de asma,
 mas cada vez que bate é um grão de trigo.
 Quando eu morrer, quem a levar consigo
 há de levar consigo o meu fantasma.

 Pois será para ela uma tortura
 sentir nas bambas teclas solitárias
 um bando de dez unhas usurárias
 a datilografar uma fatura.

 Deixa-a morrer também quando eu morrer;
 deixa-a calar numa quietude extrema,
 à espera do meu último poema
 que as palavras não dão para fazer.

 Conserva-a, minha mãe, no velho lar,
 conservando os meus íntimos instantes,
 e, nas noites de lua, não te espantes
 quando as teclas baterem devagar.



Roberto Salvador,
 autor deste blog em foto dos anos 70 na Rádio Roquete-Pinto.



Espero que tenham gostado desta postagem. Mandem suas impressões e comentários. Me ajudem a preservar a memória do nosso rádio!
Até a próxima!










Um comentário:

  1. Olá, Roberto! Comprei o seu livro e adorei!!! Coleciono arquivos sonoros de rádio antigo, cheguei a conseguir os programas do Incrível! Fantástico! Extraordinário!e Tancredo e Trancado e queria saber se você sabe onde posso conseguir os 30 programas completos da PRK-30 que foram restaurados. O site da Collector´s não oferece mais os programas! Abraço e parabéns pelo blog.

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