domingo, 17 de junho de 2018

LOCUTORES ESPORTIVOS DO VELHO RÁDIO


O FUTEBOL E A PAIXÃO DOS LOCUTORES ESPORTIVOS.

Roberto Salvador

Futebol! Palavra mágica que além de tocar  a bola, dispara adrenalina e conduz emoção ao coração daqueles que apreciam esta modalidade esportiva, doidice mundial. Ora bolas, se o futebol é capaz de provocar paixões naqueles que o curtem, o que dizer dos sentimentos  daqueles que ajudam a desencadear estas emoções? Não. Não me refiro aos jogadores e sim aos locutores, aqueles  profissionais da comunicação, que empunhando um microfone, levam a ouvintes e telespectadores  as emoções de uma partida de futebol. Em minha vivência de radialista coletei alguns episódios curiosos que passo agora a relatar para vocês.

O estádio do Maracanã no dia de sua inauguração em junho de 1950

O Brasil se preparou mas a festa foi do Uruguai


Gol de Ghiggia: 
Maracanã e Brasil mudos em 16 de julho de 1950

JOSÉ CARLOS ARAUJO COMEÇOU A NARRAR PARTIDAS DE FUTEBOL ...DE BOTÃO.
Somos amigos desde adolescentes quando começamos em rádio nos anos 50. José Carlos e seu estilo único: moderno, vibrante e descontraído de fazer rádio e narrar futebol. Lembro-me, que ainda muito jovem, ele  cultivava o hábito de chamar seus amigos de garotinho. Era garotinho pra cá, garotinho pra lá. Foi dai,  creio eu,  que de tanto chamar os outros de garotinho, quem virou Garotinho foi ele...Por sinal, o verdadeiro Garotinho. Uma marca forte, comercializada pelo José Carlos Araújo. Um outro Garotinho surgiria depois. O político. Mas, legalmente,   somente o primeiro e verdadeiro é que pode utilizar comercialmente a marca. E com muita justiça, pois sou testemunha, desde o início de nossas carreiras, de quando e como nasceu o Garotinho.
Afinal de contas, ele era apenas um garotinho quando começou a narrar partidas de futebol... de botão. Ali  despontava  sua paixão pelo rádio e pelo futebol. José Carlos Araújo, um vitorioso no rádio esportivo e que em minha opinião, seria um  gênio na comunicação, qualquer que fosse o gênero que tivesse abraçado.


Embora tricolor, O Garotinho promove aqui a Rádio Tupi a frente da Cruz de Malta vascaína.

p
Quando é gol ele grita,emocionado:
"Entrou"!

ANTONIO CORDEIRO ENFARTOU ENQUANTO NARRAVA FUTEBOL.
Foi ao microfone da Nacional em um domingo em  pleno Maracanã. Narrou todo o segundo tempo da partida, embora com fortes dores no peito. Ao final, leu o comercial da cerveja Brahma Chopp, que patrocinava a transmissão e despediu-se dos ouvintes. O operador percebendo que havia algo de errado chamou o serviço médico do Maracanã. Cordeiro, enfartando!  Foi para a emergência e ficaria afastado do trabalho por mais de seis meses. Só mesmo sua paixão pelo rádio esportivo justifica aquela atitude que quase o conduz a morte. Cordeiro narrava com Jorge Curi. Cada um se encarregava de uma metade do campo. Coube a Jorge Curi narrar o gol do uruguaio Ghiggia. Traumatizado Curi passa o microfone para Cordeiro. Este, atônito, ao invés de descrever o lance, simplesmente leu o anuncio da cerveja Brahama Chopp;

Grande anunciante do futebol na Rádio Nacional dos anos 50.



Antonio Cordeiro, lágrimas na Copa de 50

Antonio Cordeiro e José Maria Caldeira

JOSE CABRAL, PERDE  OS SENTIDOS AO MICROFONE DA RÁDIO JB-AM NOS ANOS OITENTA. 
Além de benemérito do Vasco da Gama,  era oficial da reserva da Aeronáutica. Grande narrador, passou pelas principais emissoras do Rio de Janeiro, era conhecido como “O homem da Maricota” pois era assim que ele chamava a bola. Em uma tarde de sábado, fortemente gripado, narrava uma partida no Maracanã. Na metade do segundo tempo, febril, não resiste, perde os sentidos e é substituído pelo comentarista Vitorino Vieira, que prossegue narrando o jogo. Os ouvintes nada perceberam.

ARY BARROSO, FLAMENGUISTA ESCANCARADO E OSTENSIVO.
No velho rádio a direção das emissoras proibiam os narradores esportivos de declinarem por qual clube torciam. No fundo todos sabiam a camiseta que cada um vestia debaixo da camisa de trabalho. 

Ary Barroso: grande nome da música e do velho rádio brasileiro.

Luiz Mendes: botafoguense e gremista.
 Começou como narrador e depois foi comentarista de rádio e televisão.



Jorge Curi, flamenguista, narrou o gol de Ghiggia e 
Waldir Amaral, botafoguense, o milésimo gol de Pelé 

Pelé busca a bola após marcar o gol 1000 em pênalti contra o Vasco.


 Oduvaldo Cozzi, assim como Garotinho e Orlando Batista, tricolores, enquanto Jorge Curi torcia pelo Flamengo e Antonio Maria pelo Vasco. Mas tudo muito discreto. Apenas o Ary se declarava abertamente rubro-negro, chegando ao ponto de torcer durante as transmissões! Durante um Fla-Flu, quando o ataque tricolor invadia a área, Ary narrava: “ataque contra nós”! E nenhum diretor de emissora de rádio chamava sua atenção. No final todos levavam na esportiva.

Antonio Maria, colunista social,compositor, produtor de programas na Tupi e Mayrink, narrava futebol e era vascaíno.



José Carlos Araujo, Telê Santana,
 Washington Rodrigues,o Apolinho e Dennis Menezes.

ODUVALDO COZZI SOFRE UM AVC NA TRANSMISSÃO DA FINAL DA COPA DE 1974 NA ALEMANHA.
Em minha opinião Cozzi foi o maior narrador esportivo de todos os tempos. Depois migrou para televisão. Gozava de boa saúde, porém ao comentar um dos jogos da semifinal, em Munique, sofreu um derrame cerebral. Socorrido em plena cabine e levado a uma emergência na Alemanha, os médicos evitaram sua morte, mas não uma sequela: perdeu a fala. Aquele homem que usava as palavras com lirismo e maestria, no final de sua existência não logrou balbuciar mais do que alguns monossílabos, malgrado os exercícios que fez durante 4 anos com uma de suas filhas, por sinal fonoaudióloga. Cozzi morreria aos 63 anos em Guaíba, sua terra natal, no Rio Grande do Sul.
 Oduvaldo Cozzi: 
pioneirismo no rádio desde anos 30. Consagrado narrador esportivo


Cozzi:
pinta de galã, anunciava também produtos masculinos,
 como este para os cabelos

Na conquista na Suécia em 1958, não apenas os jogadores choraram.
Os narradores esportivos, também,entre eles, Cozzi


JOÃO SALDANHA, PAIXÃO PELO MICROFONE, VAI Á COPA DA ITÁLIA EM CADEIRA DE RODAS.
O grande comentarista e ex-técnico do Botafogo e da Seleção Brasileira nas eliminatórias de 70 estava bastante debilitado e com falta de ar, fruto de um enfisema pulmonar. Mesmo assim, trabalhando pela TV Manchete e indo aos estádios em cadeira de rodas não deixou de fazer seus categorizados e ácidos  comentários. O “João sem medo”, como o chamava   Nelson Rodrigues, morreria em um hospital de Roma um mês após   sua última participação.


Ricardo Serran editor esportivo de O Globo, Curi e Saldanha na rádio Globo

Saldanha veio para o rádio quando já era veterano. 
Começou na Rádio Guanabara nos anos 60.


ARY BARROSO IRRADIA O JOGO DE CIMA DO TELHADO!
Houve um tempo, veja só, que os dirigentes acreditavam que as transmissões esportivas roubavam público dos estádios. Com as rádios proibidas de  entrar, restou a Ary Barroso, buscar o telhado de uma casa vizinha e narrar de lá o jogo que acontecia  em São Januário, estádio do Vasco. Mostramos abaixo a foto registrando esse fato e um samba de Lamartine Babo, cantado por Almirante que dizia assim:
  Sou Rádio Clube, eu sou é home minha gente
Francamente sou do esporte, futebol me põe doente (gol!)
No galinheiro, se irradio para o povo,
cada gol que eu anuncio a galinha bota um ovo.

Ari Barroso encontra solução para narrar o jogo.

Ary e sua famosa gaitinha: 
solução para anunciar o gol.

CLÓVIS FILHO, VIBRANTE NARRADOR ESPORTIVO MORREU VITIMA DE UM CÂNCER DE GARGANTA.
Ele narrava uma partida de futebol com brilho e muita elegância. Atuou na Emissora Continental nos tempos de Saldanha e depois foi para a Mayrink Veiga, com Ruy Porto. Foi criador da expressão  “Golaço” ! Que depois se popularizou. A doença que cortou sua voz brilhante interrompeu, de maneira fugaz,  uma das mais promissoras carreiras do rádio esportivo brasileiro.
Mayrink Veiga anos 50: 
Carlos Dias, Ruy Porto e Clóvis Filho.

ATOR URBANO LOES ACHAVA QUE SERIA FÁCIL SER NARRADOR ESPORTIVO.
Conta o grande Luiz Mendes, que seu colega Urbano Loes, radioator talentoso e dono de uma linda voz,  acreditava que seria fácil transmitir uma partida de futebol. E fez o seguinte: pegou uma cartolina e colou as fotos dos jogadores dos dois times e seus respectivos nomes. Tudo arrumadinho, do goleiro ao  ponta esquerda. E foi para a cabine   do estádio tentar transmitir o jogo. Estava tudo indo bem, até o árbitro dar início à partida. Quando os jogadores começaram a se movimentar em campo, Urbano, em desespero, bradou ao microfone: “Danou-se! Misturou tudo”! E largou a transmissão na mão do locutor substituto. Desistiu de ser narrador e voltou a ser galã de novelas.
Urbano Loes:
 galã de radionovelas tentou ser narrador esportivo, mas...


Antes da era Maracanã, os locutores para narrar os jogos ficavam na tribuna, praticamente no meio da torcida. Quando havia um gol a algazarra era tamanha que o ouvinte em casa quase não ouvia o locutor e se sabia que era gol pela gritaria.  Ary Barroso teve a genial  ideia de tocar uma gaitinha para anunciar um gol e assim facilitar a vida dos ouvintes. Depois o  Vasco mandou construir cabines de rádio no alto da arquibancada de São Januário de onde os locutores irradiavam confortavelmente. O exemplo, seguido pelo Maracanã em 1950, foi adotado por todos os estádios do mundo.
Os locutores ficavam na tribuna social ou à beira do gramado narrando o jogo.Aqui, Orlando Batista e um outro não identificado.As confortáveis cabines viriam depois.

No topo da arquibancada, à esquerda, o estádio do Vasco em São Januário, ganhou cabines de rádio


Exemplo seguido pelos grandes estádios.


José Carlos Araujo narra de uma cabine.



Na cabine da CBN no Maracanã...


...narradores atuam com ajuda da tecnologia.




 Estas histórias que conto  aqui para vocês, servem não apenas para recordar algumas figuras ímpares de nosso rádio esportivo, como também homenageá-las por seu amor e dedicação à profissão que abraçaram com tanta competência e determinação.

Roberto Salvador, autor do blog

Mandem suas sugestões!






6 comentários:

  1. Sou jornalista da velha-guarda em Belém do Pará. Ate´ja publiquei um livro sobre o rádio paraense "Rádio-Repórter (2010).Sensacional esas breves biografias, "causos" e casos verdadeiros sobre os grandes nomes dorádio esportivo brasileiro no psado. Como era bom ouvir um jogo pelo rádio ! Dava mais emoção, com todos os exageros dos narradores. agente criava a imgem. Ouvi quase todos dos quais vc fala em seu blog. Através das Ondas Curtas se alcançava outros estados. Parabéns por um longo texto tão bem escrito e conciso.

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  2. Que legal, Expedito! Gostaria de conhecer teu livro! Parabéns!Fico feliz por tua participação! Grande abraço!

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  3. Belissima reportagem ,voltei aos tempos de ouro do radio esportivo .Fui ouvinte de todos eles em minha cidade do interior do Rj,Fui narrador até a pouco tempos pela Radio Itaperuna e,responsável pela entrada do Porto Alegre a participar dos campeonatos da terceira a primeira divisão ,também fui narrador pela Natividade FM .Eu sempre mirei nestes monstros inseridos nesta reportagem ,hoje faço apenas pequenos comentários com foco nos grandes do Rio .sou assim o mais antigo radialista em atividade em minha região .Mas como é bom ter uma página como esta para a gente matar saudade e saber de mais alguma coisa ,como as transmissões era feitas entre a torcida ou a beira do gramado ,eu também trabalhei assim e como Vascaíno fico ainda mais orgulhoso em ver que o Vasco sempre o Vasco sendo pioneiro em quase tudo no futebol dentro e fora dele ,sempre servindo de exemplo e modelo .

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  4. Olá amigo! Saudações vascaínas! Que legal teu comentário e tua contribuição ao jornalismo esportivo do nosso querido Norte Fluminense! Você, grande e talentoso profissional, soube espelhar-se nesses mestres da cronica esportiva-radiofônica e certamente também levou muitas emoções a seus ouvintes. Parabéns por seu trabalho e obrigado por seu precioso comentário! Grande abraço! Em tempo: também sou vascaíno e meu neto Gabriel Cunha é lateral esquerdo do Sub-20 do C.R. Vasco da Gama!

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  5. Me desculpe, mas Orlando Batista era Vascaíno. Abraços.

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  6. Olá Arlei, que legal teu comentário.Isso me leva a fazer umas observações.O Orlando Batista, na antiga Rádio Mauá, tinha como anunciantes muitos empresários portugueses e todos vascaínos.A Tupi e a Globo disputavam as duas primeiras colocações no IBOPE. O Orlando optou "correr por fora". Ao transmitir os jogos do Vasco ele garantia uma audiência maciça na imensa torcida cruzmaltina. Por exemplo: Fla-Flu no Maracanã. Globo e Tupi estavam lá. Vasco e Madureira em S.Januário, lá se encontrava o Orladão irradiando. Audiência total dos vascaínos e a Mauá esbarrando no segundo colocado. Era sempre assim. Jogasse onde jogasse o Vasco lá estava a Mauá com transmissão de Orlando Batista e comentários de Ademir Menezes (vascaíno, também). Dai todos pensavam que o Orlando era também vascaíno. Nos anos 80 trabalhei com Luis Orlando (filho de Orlando Batista) e perguntei a ele o time do pai.Ele me disse que o pai embora fosse tricolor, não vivia apregoando essa preferência por motivos óbvios. Mas Luis Orlando me declarou, que te tanto ver jogos do Vasco acompanhando o pai e depois se tornando repórter, acabou sendo vascaíno. Essa é a verdadeira história. Grande Abraço!

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