PROGRAMAS QUE ATIÇAVAM A IMAGINAÇÃO DOS OUVINTES
Era uma época em que o rádio reinava praticamente sozinho. Poucos jornais. Poucas revistas. O mercado editorial não possuía a capacidade de penetrar Brasil a dentro.Cinemas, só nas cidades maiores. O teatro ficava limitado às grandes capitais. E além do fato de que o Brasil dos anos 40, 50 era um pais rural, antes que a era Juscelino o fizesse partir para a a industrialização em meados de 1950. Por tudo isso, o que as emissoras colocavam no ar, recebiam plena aceitação dos ouvintes. E se faziam programas para todos os gostos, dos mais exigentes gostos aos mais populares, quando se ligava o rádio-receptor sempre se ouviu um bom programa. Havia os programas de auditório, os musicais, os informativos, os noticiários e os culturais. Contudo, a grande vocação do rádio nessa época foi o radioteatro. Quase todas as emissoras mantinham elencos de radioatores. Porém aquela que mais desenvolveu esse tipo de programação foi a Nacional.
A RÁDIO NACIONAL ERA A GRANDE EMISSORA DA AMÉRICA LATINA.
O famoso Edifício A Noite, Praça Mauá, Zona do atual Porto Maravilha.
Celso Guimarães anunciou a Rádio Nacional quando de sua inauguração em 1936.Depois se transformou em um de seus mais famosos radioatores..
Daisy Lucide: inicio ainda menina na Nacional, até hoje produz programas para a emissora.
Elenco de radioteatro ensaia sob a direção de Celso Guimarães, de branco. Amélia de Oliveira,Paulo Pereira, Amélia Ferreira, Tônio Luna, Neuza Tavares, Dinarte Armando,Ítala Ferreira, Osvaldo Elias, Zezé Macedo, Renato Murce e Alda Verona
Floriano, Eurico Silva (ambos de branco) Domingos Martins, Amélia de Oliveira, Samir de Montemor. O garoto Luis Manuel e Roberto Faissal.
Cahué Filho, fazia várias vozes. Foi o Moleque Saci da série Jeronimo, O herói do sertão..
Ismênia, Darcy Pedrosa, Saint-Clair Lopes e Heron Domingues.
Ísis de Oliveira, sorri, ladeada por colegas: entre outros Gracindo, Ismênia, a cantora Neuza Maria e Altivo Diniz
A RÁDIO NACIONAL ERA A GRANDE EMISSORA DA AMÉRICA LATINA.
Vamos falar mais um pouco da programação da época dessa emissora.
Antes da metade dos anos quarenta
e emissora da praça Mauá já havia colocado no ar mais de uma centena de
novelas, todas elas patrocinadas e distribuídas a partir do tradicional
horário das dez e meia , entrando pela
tarde, às 13 horas e chegando no horário
nobre. A Colgate-Palmolive jogou suas
novelas para as 8 da noite.
O elenco de radioteatro recebia direto dos anunciantes o mesmo
ocorrendo com Vitor Costa, o diretor do radioteatro.
Resultado: o faturamento da rádio deu
um pulo, os horários das novelas aumentaram e a audiência idem.
Avenida Brasil anos 40: prédio do parque dos transmissores da Nacional em Parada de Lucas.
Vitor Costa: grande artífice do radioteatro da Nacional
A PRE-8 era líder em todo o
Brasil. Chegaram novos transmissores de ondas curtas além da onda média. A cobertura era nacional. Uma rádio verdadeiramente nacional.
Entre os novos horários de novelas que a PRE-8 criaria nos anos
quarenta destacou-se o de 21 horas. O patrocinador, um produto que
existe até hoje, era anunciado pelo excelente locutor Aurélio de Andrade:
“No ar a novela das nove, sob o patrocínio do Óleo de Peroba, o supremo
renovador dos móveis”.
Aurélio de Andrade, atuou como locutor na inauguração da Rádio Tupi e depois se consagrou na Nacional.
Os autores que mais se destacaram
naquela programação do radioteatro foram Oduvaldo Vianna, Amaral Gurgel e Ghiaroni
Amaral Gurgel, escrevia novelas e dirigia programas. Aqui, com o jovem Gerdal dos Santos, que até hoje atua na emissora.
Ghiaroni, talento para escrever. Novelista consagrado.
Duas novelas, entre as muitas que fizeram enorme
sucesso foram “A bela e a fera” e A gloriosa mentira “esta última de Ghiaroni”.
Numa dessas novelas, não sei qual
das duas, havia um personagem cômico, alegre,
vivido pelo grande Walter Dávila. Era o doutor Memeco, que ao formular
qualquer frase. Tinha um cacoete que o fazia dizer:“Meco-meco”!
E depois dizia o que tinha que dizer.
Walter Dávila, ainda jovem brilhou na Nacional...
... antes de migrar para a televisão.
“A gloriosa mentira” tinha Ismênia dos Santos e Celso Guimarães como o casal de mocinhos.
Destaque para Floriano Faissal
que interpretava um tio, apaixonado pela sobrinha (Ismênia dos Santos) .
Numa noite,no clímax da novela,
um dos capítulos termina com o tio, embriagado, querendo agarrar a moça para
beijar. A cena foi forte, pois a contra-regra arrastava cadeiras, louça se quebrava, com ela
tentando se desvencilhar, enquanto se
ouvia o personagem de Floriano gritar:
-Venha cá ! Quero beijar estes
lábios carnudos e vermelhos!
Este rosto lindo e macio !
E a moça gritava e fugia:
-Não meu tio ! Não faça isso !
Ao fundo, a sonoplastia executava
uma música agitada e dramática que se fundiu com
O sufixo da novela. No
dia seguinte à transmissão houve
reação do público. Muitos protestos
escandalizados enquanto outros,
veladamente, invejando o tio tarado, pois a voz de Ismênia dos Santos era uma
tentação de tão linda.
Confesso que até hoje não consigo
aceitar aquela “escorregada” de “A
gloriosa mentira”. Foi uma cena
forte, embora em uma novela às 9 da noite. (Naquela época as crianças dormiam
cedo). Não consigo compreender simplesmente pelo fato de que os padrões de
autocensura na emissora eram muito fortes. E o próprio Floriano, que
interpretou a cena, se transformaria, mais tarde, num zeloso guardião da ética
e da moral no radioteatro que ele veio a dirigir, como veremos um pouco mais
adiante.
Leio, com algum a frequência, que
as novelas do velho rádio evitam tocar
em determinados assuntos tabus para a época. Realmente as novelas jamais
falavam de homossexualismo. Este era abordado apenas de forma jocosa nos
programas humorísticos como acontece até hoje na televisão.O mesmo acontecendo com
determinados tipos de preconceito que
estavam presentes a todo instante, ridicularizando o negro, o nordestino, o
imigrante, o gago, o surdo ou o mudo. Isto era mais evidente nos programas de
humor.
Floriano Faissal, além de ator, dirigiu com mão de mestre o radioteatro da Nacional, desde os primeiros tempos.
Ismênia dos Santos, esposa de Vitor Costa na vida real. Uma das mais belas vozes do radioteatro da Nacional.
O adultério, a suposição de
incesto, a curra ou a tentativa de
estupro, volta e meia rolavam, embora em cenas veladas ou levemente sugeridas ou referidas, especialmente nas novelas
noturnas. Esses assuntos não eram tratados de forma explícita. Eram apenas
“sugeridos” com habilidade pelos novelistas. O restante ficava por conta da
imaginação do ouvinte
Embora, palavra amante
não fosse citada, o adultério, a
traição, os triângulos amorosos era uma constante. Cá pra nós, caso contrário
as histórias seriam uma enorme chatice.
Se as relações sexuais eram
apenas sugeridas nos filmes, não seria o rádio que as explicitaria. Assim,
gritos e sussurros para sugerir atos sexuais
eram muito discretos ou praticamente ausentes. O máximo que acontecia
era um beijo mais demorado com os atores
inspirando e em seguida prendendo a respiração por dois segundos e
expirando juntos. Esse era o beijo “cinematográfico” através do rádio.
Meu amigo Sérgio Rubens que
trabalhou comigo no Clube Juvenil Toddy
me conta que ele soube na ocasião que a atriz
Lygia Sarmento foi advertida pela direção da rádio por ter se excedido
em sussurros durante a cena de um
caloroso beijo de amor.
Lygia Sarmento: talento no teatro, cinema e finalmente no rádio.
Lygia era uma excelente atriz que
começou em teatro aos 16 anos na década de vinte. Trabalhou na Companhia Jaime
Costa, quando viajou pelo Brasil inteiro. Entrou para o cinema em 1931 com
“Alvorada da Serra”. Depois fez “O jovem
tataravô” e “Segredo das asas”. Era,
portanto, uma estrela, quando entrou para o radioteatro da Nacional nos anos 40. Era uma
figura encantadora na vida real, mas nas novelas era muito escalada para fazer
o gênero megera. Morreu recentemente em
2007, aos 94 anos por ironia, um
dia após a morte de Ghiaroni que morreu
aos 89 anos.
Do Anuário do Rádio, publicado
em 1956, consta a seguinte declaração de Floriano Faissal o mesmo que 10 anos
havia protagonizado a cena do “ataque” à sobrinha.
As novelas da Rádio Nacional se caracterizam sempre pela boa qualidade.
Não admitimos a irradiação de textos negativos, destrutivos e em conseqüência
indignos. Há assim, muita vigilância em torno das novelas programadas. Quer um
pequeno detalhe? Ei-lo: não se permite na Rádio Nacional que o vocábulo
“amante” apareça no texto de uma novela.
E na mesma publicação, há este
depoimento de Sérgio Vasconcelos, outro diretor da emissora:
Na Rádio Nacional procuramos educar o público também através das
novelas, incutindo no ouvinte bons
sentimentos, maneiras corretas de agir em sociedade. Quero
apenas demonstrar que é assim que a Rádio Nacional educa, levando o ouvinte a
repelir o mal e aplaudir o bem.
Minha aluna da Faculdade Moacyr
Bastos, Cátia dos Santos Machado, em novembro de 2004 escreveu uma interessante
monografia sob o título: “A Rádio
Nacional fazendo a alegria dos cariocas no final da década de 1940”.
No tocante à moralidade das
novelas da época, extraio mais este
trecho.
“Na realidade a Nacional
constituía-se assim, em um importante instrumento de influência na opinião pública. A respeito, Miriam Goldfeder afirma
que a emissora fazia parte de um
mecanismo de controle social, ‘destinado a manter as expectativas sociais
dentro dos limites compatíveis com o sistema como um todo’. A mesma autora
pondera: ‘ O que a Rádio Nacional propagava, em última instância, não era a
excelência de um modelo político, mas a legitimidade de um tipo de sociedade e
de um quadro de valores éticos’”.
Na segunda metade dos anos
quarenta a Nacional lançou um programa muito interessante chamado “Atire a
primeira pedra”. Era uma coletânea de histórias verídicas, que os ouvintes
enviavam e eram radiofonizadas em histórias completas (isto é: princípio, meio
e fim no mesmo dia). “Atire”... Foi
escrita durante anos por novelistas variados: Raimundo Lopes, Ghiaroni, Haroldo
Barbosa entre outros, segundo registros dos arquivos da Nacional. Às sextas-feiras às dez da noite, uma
história completa em 25 minutos na qual
o personagem principal contava seu drama.A narrativa, sempre começava com a
frase: “Meu nome é”...Ou “Eu me chamo”...
E ao final tomava uma decisão. Cabia ao ouvinte julgar se o personagem agira certo ou errado.
Haroldo Barbosa, mesário nesta eleição: carreira dedicada ao rádio, televisão e música popular brasileira..
Haroldo Barbosa: enorme capacidade criativa. Produzia cerca de 4 programas de rádio por semana, além de compor músicas e escrever para jornais diários sobre corrida de cavalos, uma de suas paixões.
Eram histórias muito bonitas e
criativas que focalizavam temas humanos e bastante maduros e polêmicos para a
época.Anos depois mudou de horário e passou para sábados às 11 e quinze da
manhã no horário patrocinado pela Sidney
Ross. E também mudou de nome para “Que o céu me condene”. Os temas, por força
do horário deixaram de ser mais pesados,
mas a beleza das histórias continuou a mesma.
Esta série é precursora do famoso
“Você decide” que a TV Globo mostrou com enorme sucesso. No tempo do velho
rádio, a interatividade usada pela televisão, décadas depois, era inviável tecnicamente
Era, portanto um formato
interessante, que consistia como dissemos em um narrador na primeira pessoa do
singular que contava o seu drama com entradas de diálogos pelos demais atores.
Ao fim do capítulo, tendo ao fundo o poema sinfônico “Morte e Transfiguração”
de Richard Strauss, o ator dizia com toda
ênfase :
- Esta é a minha história. Estou aqui para ser julgado E se agi errado alguém terá o direito de me condenar.Que esse alguém, com a força de
sua convicção me atire a primeira pedra!
Quando o seriado mudou de nome, logicamente o
texto final sofreu alteração e ficou assim:
- Esta é a minha história. Estou aqui para ser julgado (a). E se agi errado, que o céu me condene “!”.
E a música que estava em fundo
subia a primeiro plano dando um clima de
encerramento ao programa.
Lourival Faissal, irmão de Floriano e Roberto Faissal. Revolucionou a sonofonia das novelas, imprescindível para levar emoção para os ouvintes, através das músicas
O segredo do sucesso das
radionovelas consistia simplesmente no fato, de que ao ouvinte era permitido tudo imaginar. A interpretação
dos atores, a sonoplastia ou sonofonia, a contra-regra e o
texto levavam o ouvinte a idealizar a cena e com isso aflorar nele
fortes emoções : ódio ou amor, ternura ou revolta, amizade ou horror, antipatia
ou afeto.
Usando a entonação e a voz com
habilidade, o radioator conseguia levar até o público emoções, muitas emoções.
Paulo Gracindo certa vez interpretou um personagem que era um galã negro. Ele
falava corretamente. Era admirado, forte e respeitado,mas sempre evitando os estereótipos. Chamava-se Bentão.
Paulo Gracindo, gênio do rádio, televisão, cinema e teatro.
De outra feita o mesmo Gracindo
fez, sozinho o papel de dois irmãos gêmeos. Um era bom e o outro mau caráter.
Mas para não se atrapalhar ele marcava o script com cores diferentes já que às vezes eles contracenavam.
O restante ficava por conta da
imaginação dos ouvintes.
Afinal...
“ o rádio pode ser tudo que a sua imaginação quiser” .
“ o rádio pode ser tudo que a sua imaginação quiser” .
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