terça-feira, 9 de agosto de 2016

"COMO É O ROSTO DO AUTOR DESSA VOZ"? A MAGIA DO RÁDIO.

"EU SOU O CANTOR DO RÁDIO. O CANTOR QUE NUNCA VISTES E QUE NÃO VERÁS  JAMAIS" !
A MAGIA DO RÁDIO.
 Estes eram os versos iniciais de uma canção gravada em 1933 por João Petra de Barros e que alcançou enorme sucesso na época. Seu autor, Paulo Roberto, assumia o fato de que, num Brasil ainda pobre em jornais e revistas, com uma indústria cinematográfica  iniciante  e sem a televisão, que  não havia sido inventada, era praticamente impossível aos ouvintes conhecerem o rosto de seus  artistas preferidos.
Dizia a letra:

Eu sou o cantor do rádio.
O cantor que nunca vistes e que não verás,
Jamais.
Sou a melodia triste,
Pulsante, sentimental.
O blues o samba-canção,
Que vem através do espaço,
Pelas azas da amplidão.
Cantor João Petra de Barros


 A grande verdade é que milhares de ouvintes ficavam  obcecados em ver como eram os artistas que eles conheciam  única e exclusivamente pela voz.
E  tudo porque, como sabemos, quando ouvimos a voz de alguém que não conhecemos, através do telefone ou do rádio, logo se desenha em nossa mente a imagem do interlocutor. Como será fulano? Que tipo físico tem o autor ou a autora dessa voz?
Havia uma curiosidade imensa por parte do público  ouvinte em conhecer o dono da voz.
Esses artistas, portanto, recebiam pedidos de fotografias que eram enviadas autografadas, desde que os ouvintes mandassem junto ao pedido, envelope selado e sobrescritado.

OS FILMES NACIONAIS, ESTRELADOS POR ARTISTAS DE RÁDIO, FAZEM ENORME SUCESSO!

Aos poucos, com o surgimento  dos filmes nacionais, uma parte dessa frustração passou a ser atendida. Já no final dos anos  trinta e início dos quarenta, artistas  de rádio estrelavam filmes e filas imensas se faziam junto  às salas de projeção. “Gente Honesta”, “É  proibido sonhar” e muitos outros.
Em  “O jovem tataravô” um jovem apresenta  uma  caixa que “transmitia teatro, música e anúncios” ao avô estupefato.
Na revista “Fon-Fon,  número de 27 de abril de 1940, seção Cantinho dos fãs se poderia ler a seguinte nota : “Heloísa Helena, que se vê na foto acima, está noiva de Paulo Magalhães. Ela é uma das attracções  de “Pega ladrão”, da Sonofilmes, ao lado de Jorge Murad, Armando Louzada e outras figuras do rádio”.
“Asas do Brasil” também dos anos quarenta tinha em seu elenco, além do galã de radionovelas da Nacional, Celso Guimarães, uma  plêiade de estrelas do rádio.
“O segredo das asas” tinha a participação, além de Lygia Sarmento, de inúmeros outros radioatores.

Lígia Sarmento

No final dos anos 40 “O homem que passa” tinha o galã da radio Tupi, Paulo Porto liderando um elenco de radialistas.
Aliás, Paulo Porto também  protagonizou o primeiro filme brasileiro essencialmente policial: “O dominó Negro”,no qual ele interpretava um papel de mocinho, que num final surpreendente é desmascarado, pois ele era o verdadeiro assassino. Este filme, rodado em 1950, foi roteirizado por um homem de rádio: Hélio do Soveral e tinha Elvira Pagã como “mocinha”, acompanhada de Paulo Porto, Milton Carneiro, Álvaro Aguiar e o cantor Ciro Monteiro. E Moacyr Fenelon na direção.
Poster do filme: desfile de artistas de rádio


Ciro Monteiro, cantor de fama no rádio:
 atuação como ator em Dominó Negro

No final da década de 40 e por todo o decorrer dos anos 50 imperaram as famosas chanchadas da Atlântida. Tais filmes eram, na verdade, um desfilar de artistas de rádio tendo um fio de história. Trapalhadas de Oscarito, Grande Otelo, Ivon Curi, Zé Trindade e muitos e muitos  outros.Eram comédias musicais do inteiro agrado do grande público, que formava imensas filas nas matinês, tudo para conhecer os artistas do rádio. As chanchadas, dirigidas por Watson Macedo, José Carlos Burle e Moacyr Fenelon.
Zé Trindade: humor no rádio para o cinema

Em 1954  coube a Watson Macedo, dirigir o enorme sucesso de público que foi “O petróleo é nosso”, tema que acompanhava a onda de nacionalismo em torno da criação da Petrobrás. À frente de um elenco de radialistas, estava   Nanci Wanderley, destaque nas novelas e programas de humor da Tupi e depois da Mayrink Veiga. No ano seguinte Nanci faria “O primo do cangaceiro” de Mário Brasini que tinha no elenco outro radialista de sucesso: Chico Anísio, que depois se casaria com  Nanci,sua primeira mulher.
O cinema aproveitava também argumentos de novelas de sucesso no rádio. Uma prova disso foi a novela “Mãe” de autoria de  Giuseppe Ghiaroni que fez sucesso na Nacional cuja história foi aproveitada no filme do mesmo nome.
O Jovem Tataravô:
     abordava a grande atracão da época: o rádio

Filme Asas do Brasil:
 elenco de atores emprestados do rádio


Watson Macedo dirigiu grandes chanchadas da Atlântida.


Zezé Macedo: sucesso no rádio, depois cinema e televisão

Um fio de história e um desfile de cantores e astros radiofônicos.

Filas quilométricas dobravam quarteirões para ver os artistas de rádio no cinema

Filme de 1949

Uma sátira ao sucesso do premiado O Cangaceiro.

ARTISTAS DE RÁDIO FAZEM SUCESSO NO TEATRO

O próprio teatro também satisfazia o desejo do público de ver seus artistas em “carne e osso”.
O teatro havia contribuído enormemente fornecendo atores que se transformaram em radioatores, como já vimos anteriormente. Agora era a vez de radioatores encenarem peças de teatro e o faziam com enorme sucesso.
A Revista do Rádio  de 21 de novembro de 1959  noticiava:

Liderados por Paulo Gracindo, os radioatores da Nacional fundaram um grupo teatral (Comédia das segundas-feiras), que vem se apresentando nesse dia no Teatro Jardel.

Mário Lago, Rodolfo Mayer, Daisy Lúcidi, Mario Brasini  são outros exemplos de radioatores que também encenavam peças. E todas recebiam excelente público, não apenas pela qualidade do espetáculo, como também pela curiosidade do público em ver seus  os astros em carne e osso..
Havia também os shows e apresentações em circos e caravanas de artistas que percorriam  um Brasil rural, ávido em ver seus ídolos radiofônicos.
Rodolfo Maier, Procópio Ferreira e outros.


 REVISTAS IMPRESSAS DEDICAM    ESPAÇO AO RÁDIO.

Paralelo a tudo isso,  surgem as revistas especializadas que cobriam a vida radiofônica. Uma das mais bem feitas, segundo Renato Murce em seu livro Bastidores do rádio foi A voz do rádio. Antes disso, revistas como o  Cruzeiro,Carioca e Fon-Fon   mantinham  seções dedicadas ao rádio. Jornais como Diário da Noite, Diário de Notícias, Correio da Manhã e o Globo, mantinham também colunas dedicadas ao rádio. No Diário de Notícias havia uma senhora que reunia seriedade, conhecimento do veículo rádio e  crítica mordaz: Magdala da Gama Oliveira, a famosa Mag. No Diário da Noite quem escrevia era José Fernandes,que mais tarde foi jurado dos programas de Flávio Cavalcanti na televisão Tupi. Uma coluna também famosa que o Globo publicava diariamente era  “O ouvinte desconhecido” de cujo autor somente a alta direção do jornal  conhecia a identidade.
Outras revistas eram Cine Arte, Cine-rádio jornal até o surgimento de Cinelândia e a mais famosa de todas: a Revista do rádio.
Com muitas fotos de artistas, falando de sua vida particular e fofocas tais publicações matavam a curiosidade do grande público.
Artistas de rádio na capa: sucesso de vendas.

Marlene e Cesar de Alencar


O primeiro número de O Cruzeiro, 1928

Dalva de Oliveira e Jorge Veiga





A TELEVISÃO BUSCA VALORES NO RÁDIO.

Quando a televisão surgiu no Brasil em 1950 grande parte do elenco era formado por radialistas. E os poucos aparelhos de tevê  recebiam uma audiência que procurava satisfazer duas coisas: a curiosidade em torno do novo veículo e ver a cara de seus ídolos radiofônicos.

No principio a televisão era um rádio com imagens


A TV Tupi se abastecia do elenco da rádio Tupi, mas a segunda emissora de televisão a ir ao ar na cidade, a TV Rio foi  beber na fonte  da Rádio Nacional.
Flávio Cavalcanti:
 da Mayrink Veiga para a Nacional.Mas a TV Tupi o fisgou.

Famosas que migraram do rádio para a televisão: 
 TV Rio dos anos 50


A Revista do Rádio publicava em seu número de 29 de novembro de 1958 uma reportagem de duas páginas  de texto e fotos do lançamento do Grande Teatro Orniex pela TV Rio.
Dizia o texto:
Um teatro de emoção com artistas de rádio.
Enquanto sua estação de televisão não entra em funcionamento, a Rádio Nacional vai movimentando seus artistas pela TV Rio apresentando em combinação com o canal 13, às 5ª.s feiras o Grande Teatro Orniex. Na  estréia , o grande elenco dirigido por Floriano Faissal , encenou a peça do autor húngaro Lajos Zilahy, em adaptação especial de Dias Gomes. Daisy  Lúcidi , Rodolfo Mayer, Álvaro Aguiar e Mário Lago estiveram nos principais papéis, cabendo também um desempenho de destaque  a Denise Faissal, filha de Floriano, que reapareceu na televisão, confirmando suas qualidades de excelente atriz, já demonstradas no tempo em que atuava na Rádio Nacional. Preparando seus atores e atrizes, dando-lhes a experiência do vídeo, visando o tão esperado funcionamento de seu Canal de  televisão, a Nacional proporciona aos  sintonizadores do canal 13, nas noites de quinta-feira um dos melhores tele-teatros do Rio. Outros cartazes que se tornaram famosos  por suas  atuações através dos microfones da PRE-8 (Roberto Faissal, Domingos Martins etc.) serão também mostrados aos tele-espectadores  no Grande Teatro Orniex, que apresenta cenários de Pernambuco de Oliveira e sonoplastia de Lourival Faissal.
O sucesso no rádio garantia o sucesso na televisão.
Aqui a Orquestra Continental na TV Tupi anos 50

O sucesso do teleteatro foi impulsionado, entre outros motivos, pela grande curiosidade dos tradicionais  radiouvintes por conhecer os rostos de seus ídolos.
Mais tarde, quando surgiu a TV Excelsior muitos artistas da Nacional  dividiam seu trabalho entre o rádio e a televisão. E aqueles que se adaptaram bem ao novo veículo fizeram sucesso, porque, naturalmente já levavam a popularidade conquistada no rádio.
Tanto assim que, Floriano Faissal me disse certa vez: “As duas coisas mais ouvidas atualmente  na televisão carioca, são: pena que nossa televisão  não seja a cores”” por uma deferência especial da Rádio Nacional”.
Se o prestígio dos animadores de auditório e dos cantores do rádio era grande, o dos radioatores não ficava para trás.
As revistas o O Cruzeiro, Carioca e as especializadas Radiolândia e Revista do Rádio reservavam colunas e colunas com notícias e mexericos envolvendo os astros das novelas.
Para ilustrar vai ai uma pequena amostra.

Os comediantes  Tutuca e Altivo Diniz renovaram contrato com a rede Tupi-Mayriink Veiga.
A Nacional licenciou Brandão Filho, o Primo pobre, para tratamento de saúde.
Antonio Maria passou a escrever novo programa para a Mayrink Veiga. Trata-se de “Uma nova comédia” ,cartaz que vem sendo apresentado às sextas-feiras às 21 horas.
(Revista do Rádio, novembro de 1959).
A mesma Revista do Rádio chegou a criar uma seção sob o título Notícias do Radio-Teatro. Eis  algumas notas publicadas em abril de 1959.

Eurico Silva, diretor de radio-teatro  da Nacional, traduziu “Uma voz ao longe” que a PRE-8 vem transmitindo às 20 horas. A novela tem 150 capítulos e nos principais papéis estão Paulo Gracindo, Ísis de Oliveira e Elza Gomes.

Roberto Faissal está atualmente interpretando os seguintes papéis nas novelas da Nacional:José, o chanceler do Egito,Marcelo em Nunca mais felicidade, Gilberto, em Uma escada para o céu, de Janete Clair e o Cavalheiro em O cavalheiro da noite.

Tem 130 capítulos a novela de Edgard G. Alves, intitulada A moça e a rosa, que a PRE-8 transmite  às segundas, quartas e sextas- feiras às 13,05 horas  com Isis de Oliveira e Celso Guimarães nos principais papéis.

Rescindindo seu contrato com as Associadas e ingressando logo na Nacional o radio ator Newton Valério que já está vivendo papéis  importante na PRE-8.

Terminou a novela Mea culpa de Ciro Bassini que a Rádio Nacional transmitia diariamente às 8,05 horas  com Roberto Faissal (Fábio) e  Neida Rodrigues  (Lídia) nos principais papéis.
Em seu lugar já foi lançada “ Meu sonho é o infinito, de Carlos Gutemberg, cujos papéis principais estão confiados a Darcy Pedrosa e Nelma Costa.

O produtor Hélio Tys está escrevendo uma novela baseada nos costumes e hábitos ciganos Para tanto, freqüentou durante uma semana um acampamento cigano em Olinda, Estado do Rio.

AS EXPERIENCIAS DO AUTOR DESTE BLOG.

Eu, particularmente, vivi uma experiência muito interessante quando comecei a trabalhar no Clube Juvenil Toddy na Rádio Nacional em setembro de 1952. Quando chegava para os ensaios e entrava no elevador lotado de artistas, ficava atento, ouvindo as vozes das pessoas conversando durante o percurso que ia do térreo ao 22º.  andar do edifício “A Noite”. E pensava: esta voz é do Saint-Clair Lopes. Esta é do Apolo Correa. Ah! Este é o locutor Afrânio Rodrigues. Esta é a Isis de Oliveira! E lá ia eu, com meus 13 anos curtindo uma de tiete. Era um jogo curioso este,  o de ligar, não o nome às pessoas, mas as pessoas às vozes.

Vivi o outro lado da história quando ao atuar no microfone, passei também a receber cartas de meninas que queriam receber uma foto minha. Isso não era só comigo, era com todos os demais jovens que  trabalhavam no Clube Juvenil Toddy.
Tanto que a professora Maria de Lourdes Alves, produtora do programa, determinou que fôssemos a um bom fotógrafo e preparássemos  uma foto bem bonita, para mandarmos para nossos ouvintes.
Era, afinal, um fato corriqueiro no meio artístico, esse de mandar fotos autografadas e cumpríamos a tarefa com um prazer muito especial.
Roberto Salvador, autor do blog aos 12 anos: 
ingresso na Nacional

Eis a magia do rádio. O sortilégio capaz de conduzir  multidões às matinês de domingo, lotar os circos dos bairros, como aconteceu com “Jerônimo”, acorrer aos teatros e devorar as revistas especializadas.

A magia “que vai através do espaço pelas asas da amplidão”.


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