UMA GALINHA MORTA NO ESTÚDIO DA RÁDIO CLUBE EM PLENO SÉCULO DEZOITO!
Uma das emissoras cariocas que mais produziu peças completas
de radioteatro nos anos quarenta foi a Rádio Clube do Brasil. Graças ao
dinamismo de seu diretor artístico Renato Murce, que vinha da Rádio Tupi.
Além dos programas
humorísticos e dos musicais que surgiram
na PRA-3, destaque para o
radioteatro de peças integrais num só programa, que antecedeu à novela ou seja,
uma história contada em capítulos.
Renato Murce disputou o Circuito da Gávea em 1935
Renato Murce foi um gênio do nosso rádio e a ele é dedicado
um lugar especial entre os que contribuíram em muito para sucesso desse
veículo. Ele veio dos primórdios e foi muito amigo de Roquette-Pinto. Era um
jovem bonitão e desportista: lutava boxe
e disputava corrida de automóveis, nas famosas “baratinhas”que
antecederam os carros de Fórmula 1.
Partida na Visconde de Albuquerque, Leblon:
carro de Murce quebrou na descida da Gávea
Sob a direção de Murce, no decorrer de oito anos a Rádio
Clube levou ao ar mais de duzentas peças. Eram traduções e adaptações de
contos, romances e peças famosas.
ALGUMAS HISTÓRIAS CURIOSAS DAQUELES PRIMEIROS TEMPOS DO
RADIOTEATRO.
Em seu livro Bastidores
do Rádio é o próprio Renato Murce quem escreve:
“Lembro-me de um caso
pitoresco ocorrido no drama Maria Antonieta. Inesperadamente algo obrigou-nos a
parar a transmissão. Nosso cast era
pequeno. Nele brilhava intensamente o indiscutido talento de Olga Nobre (a quem
coube o papel título), cercada de gente
de boa vontade, mas pouco experiente. Por vezes, nos valíamos de algum auxiliar para colaborar num papel pequeno, de
uma ou duas falas. Nesse dia faltava um artista para fazer o Carrasco do drama,
papel de apenas uma “fala”. Pedi, então, ajuda a um nosso bom colega. Era
locutor de voz muito grossa. Acedeu prazerosamente. Na parte culminante do
drama ele teria que responder a uma
ordem de Robespierre (que tomava brutalmente os filhos da amargurada rainha).
Ordenava ele ao nosso estreante, o Xavier de Souza: “Leve essas crianças e
execute-as imediatamente!” O outro apenas deveria responder: “Pois não, senhor.
Cumprirei suas ordens”! Pois inesperadamente,o ator improvisado saiu-se com
esta: “Deixa comigo! Isso é uma galinha morta”!
É escusado acrescentar
que o programa parou. Olga Nobre, que chorava copiosamente, teve um ataque de
riso que contaminou a todos, menos a mim: fiquei furioso e encabulado. Ora,
onde se viu gíria carioca num dramalhão do século XVIII?
Olga Nobre, fez cinema,rádio e teatro.
Uma radiocacetada mais ou menos idêntica ocorreu no programa Casé, um dos
maiores programas do rádio brasileiro, dirigido pelo monstro sagrado Ademar Casé.
Casé empresariava o programa e pagava regiamente os
artistas. Foi o precursor do profissionalismo no rádio.
Mas certa vez, quando da encenação de O Conde de Monte Cristo, Casé ao ler o script antes, constatou que
era um desperdício pagar um cachê a um radioator só para ele dizer uma frase.
Decidiu que aquele gasto era perfeitamente dispensável e que portanto ele mesmo faria o personagem.Embora
Casé fosse um gênio do rádio, na frente de um microfone ficava sempre muito
nervoso.
Assim foi que em determinado momento da peça, Monte Cristo
está dentro de uma caverna e pede ajuda ao personagem interpretado por Casé
para carregar um corpo. Era “a deixa” para ele entrar com a sua fala.
Sem vacilar, Casé solta a seguinte frase: “Caramba! Está pesado pra chuchu”.Nos
dias de hoje seria como: “está pesado
paca! O elenco não conseguiu controlar o riso.
Quando as novelas começaram a conquistar o público, o teatro
de peças completas foi para segundo plano, mas a “galinha morta” nos estúdio
jamais foi esquecida.
Ademar Casé:
grande empreendedor no rádio se enrolava ao microfone.
Antes de ir para a Mayrink Veiga, Casé brilhou na Rádio Clube
O Programa Casé foi o grande salto,
mas não na Rádio Clube
NOVOS TEMPOS PARA A
RADIO CLUBE DO BRASIL.
Embora a aguerrida Rádio
Clube não fosse uma campeã de audiência, afinal tinha à sua frente os gigantes Rádio Nacional e Tupi e ainda a
Mayrink Veiga, pioneira em programas musicais dos anos 30 e 40 e audiência cativa nos humorísticos noturnos
dos anos 50, a PRA-3 não fazia feio. Concorrendo com ela, havia ainda a Tamoio
e a fiel audiência da MEC. Mas a brava emissora da Av. Rio Branco 181, Centro
do Rio de Janeiro, não fazia feio. Possuía bons estúdios e até um pequeno
auditório que recebia recitais de Odette Amaral e Silvio Caldas. Havia o
programa de Arnaldo Amaral, “Pescando Estrelas” e a Oração da Ave Maria na
palavra de Geraldo de Aquino, que os espíritas ouviam em peso, ameaçando a Ave
Maria da Tamoio na palavra de Julio Louzada.
Em meados dos anos 50 a Rádio Clube do Brasil passou a fazer
parte das Organizações Victor Costa, mudando a denominação para Rádio Mundial.
Seu patrono era homem de radioteatro, então, como não poderia deixar de ser, o
gênero foi incrementado, graças a entrada de expressivos anunciantes. Excelentes
atores vieram de outras emissoras. Nélio Pinheiro e Walter Foster, astros em São Paulo , se
transferiram para o Rio. William Faissal também aderiu e na Mundial escrevia
textos e fazia sonoplastia. Um jovem casal vinha do nordeste para vencer no Rio:
Ilka Maria e Valdir Fiori. Mais tarde foram para a Nacional onde Valdir se
destacou como humorista.
O "Caboclinho querido": atracão na Rádio Clube
Nélio Pinheiro: linda voz na Rádio Clube
Odette Amaral, esposa de Ciro Monteiro:
atração entre 1947 e 1951. Depois foi para a Tupi
Walter Foster:
do rádio paulista para a Rádio Clube e depois Tupi
Entre 1956 e 1966 a Emissora da Boa Vontade radiofonizou com Zarur toda a Bíblia, que era levada ao ar de hora em hora. Uma jornada que extrapolou os limites do rádio e se transformou no Partido da Boa Vontade, não com objetivos político-partidários mas sim para levar a mensagem de Jesus Cristo. Ele iniciava sempre seus programas com a expressão, Jesus está chamando!
Zarur era assim quando adquiriu a Mundial
Hoje a frequência 860-AM pertence à CBN- A Rádio que toca
noticia.
A NOVELA É UMA NOVELA.
O
formato das novelas era
frequentemente motivo de gozação por
parte da imprensa especializada. René Bittencourt em sua seção Feira de
Amostras num exemplar da Revista do Rádio
de 1956 escreve:
ELÁSTICO – Espelhinho encantado, há no mundo alguma coisa que espiche
mais que eu?
ESPELHINHO- Há sim meu nego! No rádio, as novelas esticam tanto os
capítulos que chegam a esticar os nervos dos ouvintes !
ESPELHINHO – Se há ? Há sim, globinho! No rádio há tantas coisas “maiores” que faz pena!
É ainda René Bittencourt na mesma seção “Feira de Amostras na Revista do
Rádio de 25 de setembro de 1954 quem escreve:
Aqui jaz Mané Coutinho.
Vivo escrevia novelas. Coitado...
morreu sozinho.
Não teve choro nem velas.
No Jornal das Moças de 11 de
dezembro de 1952, a famosa atriz da Nacional, Suzi Kirby, que além de humorista
era fluente em inglês e colaborava na tradução de textos para a emissora,
conhecida por sua irreverência, ao responder a uma pergunta do entrevistador
sobre se já havia trabalho em novelas, disparou:
- Deus me livre. Eu faço até comício contra as novelas!
Suzi Kirb, aqui ao lado da grande atriz Henriette Morinau.
Suzi era casada com o ator Delorges Caminha.
Informação do pesquisador Osmar Frazão.
E finalmente outra citação para mostrar a implicância da imprensa para com as radionovelas: Revista do Rádio de 1950
publicava a seguinte notícia com texto
de Borelli Filho.
Amaral
Gurgel já escreveu mais de oitenta novelas em toda a sua vida. Isto lhe rendeu
dinheiro suficiente para realizar um grande sonho: comprar uma farmácia.
Ele acaba de adquirir a farmácia Brasiliense.
Seus amigos estão fazendo blague sobre o assunto dizendo: Amaral
escrevia drogas.
Agora vende drogas.
Brincadeira maldosa. Na verdade
Amaral Gurgel foi um dos maiores novelistas brasileiros e se em 1950, quando
foi publicada a nota ele já escrevera 80 novelas, viria escrever cerca de 137 até o final de sua
carreira, além de trinta peças
completas, todas com enorme sucesso.
Amaral Gurgel também fez cinema.
Joel e Gaúcho "fingem" não suportar a novela,
segundo dizia o samba que gravaram.
A dupla de cantores Joel e Gaúcho
também satirizando as novelas lançou no
carnaval de 1950 um samba que dizia mais ou menos:
Uma coisa emocionante
A novela quilométrica.
Mais tortura pros ouvidos
O coitado (o ouvinte) já não pode variar...
Malgrado essas críticas, sempre
em tom de brincadeira, as novelas seguiam conquista enorme prestígio entre o
público ouvinte.
A Revista do Rádio em abril de
1948 publicava a carta da leitora Dorita de Souza, do Rio de Janeiro, que
dizia:
Sou das que ouvem novelas. Gosto de ouvi-las. Não disponho de muito
tempo é bem verdade, mas às dezoito e às vinte horas, ninguém me pega: sou toda seriada.
-Mau gosto inqualificável, ... Inconcebível atraso mental ... dizem as
mocinhas “letradas” que conheço. Mas não quero
saber disso, colada ao receptor
não perco a menor parte dos seus apaixonantes episódios.
Às vezes, quando, num giro sobre o dial, apanho um capítulo qualquer
tenho que ver de que se trata. Ouço-o até o fim. È um divertimento como outro
que se adote e que a mim diverte e distrai realmente.
-“Gênero subliterário, as
novelas são como os folhetins dos jornais antigos. O episódio mais palpitante
fica sempre cortado ao meio”...argumentam os opositores. E que me importa se
esse é o meu gênero, bem como o da maioria das pessoas que conheço? O gosto
pelo melodrama faz parte da natureza do homem e isso explica o sucesso
permanente da novela e a predileção dos ouvintes por esse gênero de
radioteatro.
“Penumbra”, “Mulher sem rumo”, “O drama de uma consciência” atrairão
sempre mais do que qualquer outro programa. O próprio nome nos fala de horror,
tragédia, aventura, paixão e a gente sente, por antecedência, um arrepio na
espinha. A novela é uma aventura vivida dentro da nossa própria casa e à
maioria dos mortais, o mistério fascina, a aventura arrebata. E eu estou nessa maioria. Sou pela novela! Pode
ser perda de tempo, falta de gosto... o que quiserem, mas eu gosto dela.
Revista do Rádio:
fofocas contra e a favor da radionovela. Na capa Marlene e Cesar de Alencar
Waldemar Ciglione:
veterano no rádio paulistano,escrevia para a Revista do Rádio.
Waldemar Ciglioni foi um
radioator famoso no rádio paulista, desfrutando de enorme prestígio entre os ouvintes. Um exemplar da Revista do
Rádio do ano de 1953 publicou uma crônica
assinada por ele, enaltecendo as novelas, mas se preocupando com a quantidade
delas, o que poderia acarretar uma queda na qualidade.
Escreveu Ciglioni:
Enquanto houver bons radioatores e competentes novelistas,a novela não
perecerá. O que está havendo presentemente é a super-procura da novela por
parte dos anunciantes e consequentemente, a super-produção: a quantidade em
detrimento da qualidade. É um círculo que a princípio parece vicioso, mas que
com o correr do tempo no normalizará. O radioouvinte prefere as novelas, principalmente as mulheres,
A emissora vende a novela por ser o programa de maior índice de ouvintes. O
anunciante compra a novela porque este tipo de programa atinge o maior número
de ouvintes, fregueses potenciais.No
princípio os ouvintes aceitavam todo e qualquer tipo novela. Hoje são mais
exigentes, porque devido à quantidade de novelas eles sentem a necessidade
de selecionar as melhores. Estas
melhores serão as mais ouvidas e merecerão a preferência dos anunciantes.(...)
Enquanto houver um coração de mulher para vibrar, amar, odiar, sofrer,
rir e chorar: enquanto o amor, como
ontem,como hoje e como amanhã mover o mundo, enquanto existir uma alma
sonhadora e romântica, eu creio que a novela não perecerá!
Waldemar Ciglione sabia das coisas.
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