sábado, 2 de julho de 2016

RÁDIO CLUBE DO BRASIL, HOJE CBN: UM POUCO DE SUA HISTÓRIA

UMA GALINHA MORTA NO ESTÚDIO DA RÁDIO CLUBE EM PLENO SÉCULO  DEZOITO!


Uma das emissoras cariocas que mais produziu peças completas de radioteatro nos anos quarenta foi a Rádio Clube do Brasil. Graças ao dinamismo de seu diretor artístico Renato Murce, que vinha da Rádio Tupi.
 Além dos programas humorísticos e dos musicais que surgiram  na  PRA-3, destaque para o radioteatro de peças integrais num só programa, que antecedeu à novela ou seja, uma história contada em capítulos.

Renato Murce disputou o Circuito da Gávea em 1935

Renato Murce foi um gênio do nosso rádio e a ele é dedicado um lugar especial entre os que contribuíram em muito para sucesso desse veículo. Ele veio dos primórdios e foi muito amigo de Roquette-Pinto. Era um jovem bonitão e desportista: lutava boxe  e disputava corrida de automóveis, nas famosas “baratinhas”que antecederam os carros de Fórmula 1.

Partida na Visconde de Albuquerque, Leblon: 
carro de Murce quebrou na descida da Gávea

Sob a direção de Murce, no decorrer de oito anos a Rádio Clube levou ao ar mais de duzentas peças. Eram traduções e adaptações de contos, romances e peças famosas.

ALGUMAS HISTÓRIAS CURIOSAS DAQUELES PRIMEIROS TEMPOS DO RADIOTEATRO.

Em seu livro Bastidores do Rádio é o próprio Renato Murce quem escreve:
“Lembro-me de um caso pitoresco ocorrido no drama Maria Antonieta. Inesperadamente algo obrigou-nos a parar a transmissão. Nosso cast  era pequeno. Nele brilhava intensamente o indiscutido talento de Olga Nobre (a quem coube o papel título), cercada  de gente de boa vontade, mas pouco experiente. Por vezes, nos valíamos de algum  auxiliar para colaborar num papel pequeno, de uma ou duas falas. Nesse dia faltava um artista para fazer o Carrasco do drama, papel de apenas uma “fala”. Pedi, então, ajuda a um nosso bom colega. Era locutor de voz muito grossa. Acedeu prazerosamente. Na parte culminante do drama ele teria  que responder a uma ordem de Robespierre (que tomava brutalmente os filhos da amargurada rainha). Ordenava ele ao nosso estreante, o Xavier de Souza: “Leve essas crianças e execute-as imediatamente!” O outro apenas deveria responder: “Pois não, senhor. Cumprirei suas ordens”! Pois inesperadamente,o ator improvisado saiu-se com esta: “Deixa comigo! Isso é uma galinha morta”!
É escusado acrescentar que o programa parou. Olga Nobre, que chorava copiosamente, teve um ataque de riso que contaminou a todos, menos a mim: fiquei furioso e encabulado. Ora, onde se viu gíria carioca num dramalhão do século XVIII?

Olga Nobre, fez cinema,rádio e teatro.


Uma radiocacetada mais ou menos  idêntica ocorreu no programa Casé, um dos maiores programas do rádio brasileiro, dirigido pelo monstro sagrado  Ademar Casé.
Casé empresariava o programa e pagava regiamente os artistas. Foi o precursor do profissionalismo no rádio.
Mas certa vez, quando da encenação de O Conde de Monte Cristo, Casé ao ler o script antes, constatou que era um desperdício pagar um cachê a um radioator só para ele dizer uma frase. Decidiu que aquele gasto era perfeitamente dispensável e que  portanto ele mesmo faria o personagem.Embora Casé fosse um gênio do rádio, na frente de um microfone ficava sempre muito nervoso.
Assim foi que em determinado momento da peça, Monte Cristo está dentro de uma caverna e pede ajuda ao personagem interpretado por Casé para carregar um corpo. Era “a deixa” para ele entrar com a sua fala.
Sem vacilar, Casé solta a seguinte frase: “Caramba! Está pesado pra chuchu”.Nos dias de hoje seria como: “está pesado paca! O elenco não conseguiu controlar o riso.

Quando as novelas começaram a conquistar o público, o teatro de peças completas foi para segundo plano, mas a “galinha morta” nos estúdio jamais foi esquecida.


Ademar Casé: 
grande empreendedor no rádio se enrolava ao microfone.



Antes de ir para a Mayrink Veiga, Casé brilhou na Rádio Clube

O Programa Casé foi o grande salto, 
mas não na Rádio Clube


NOVOS TEMPOS PARA A  RADIO CLUBE DO BRASIL.

Embora a aguerrida  Rádio Clube não fosse uma campeã de audiência, afinal tinha à sua frente os  gigantes Rádio Nacional e Tupi e ainda a Mayrink Veiga, pioneira em programas musicais dos anos 30 e 40  e audiência cativa nos humorísticos noturnos dos anos 50, a PRA-3 não fazia feio. Concorrendo com ela, havia ainda a Tamoio e a fiel audiência da MEC. Mas a brava emissora da Av. Rio Branco 181, Centro do Rio de Janeiro, não fazia feio. Possuía bons estúdios e até um pequeno auditório que recebia recitais de Odette Amaral e Silvio Caldas. Havia o programa de Arnaldo Amaral, “Pescando Estrelas” e a Oração da Ave Maria na palavra de Geraldo de Aquino, que os espíritas ouviam em peso, ameaçando a Ave Maria da   Tamoio na palavra de Julio Louzada.
Em meados dos anos 50 a Rádio Clube do Brasil passou a fazer parte das Organizações Victor Costa, mudando a denominação para Rádio Mundial. Seu patrono era homem de radioteatro, então, como não poderia deixar de ser, o gênero foi incrementado, graças a entrada de expressivos anunciantes. Excelentes atores vieram de outras emissoras. Nélio Pinheiro e Walter Foster, astros em São Paulo, se transferiram para o Rio. William Faissal também aderiu e na Mundial escrevia textos e fazia sonoplastia. Um jovem casal vinha do nordeste para vencer no Rio: Ilka Maria e Valdir Fiori. Mais tarde foram para a Nacional onde Valdir se destacou como humorista.
O "Caboclinho querido": atracão na Rádio Clube


Nélio Pinheiro: linda voz na Rádio Clube


Odette Amaral, esposa de Ciro Monteiro:
atração entre 1947 e 1951. Depois foi para a Tupi


Walter Foster: 
do rádio paulista para a Rádio Clube e depois Tupi

 A Rádio Mundial  passaria depois  para as mãos  Alziro Zarur, que a transformou na “Emissora da Boa Vontade”.
Entre 1956 e 1966 a Emissora da Boa Vontade radiofonizou com Zarur toda a Bíblia, que era levada ao ar de hora em hora. Uma jornada que extrapolou os limites do rádio e se transformou no Partido da Boa Vontade, não com objetivos político-partidários mas sim para levar a mensagem de Jesus Cristo. Ele iniciava sempre seus programas com a expressão, Jesus está chamando!


Zarur era assim quando adquiriu a Mundial

Hoje a frequência 860-AM pertence à CBN- A Rádio que toca noticia.



                                                                                                    
A NOVELA É UMA NOVELA.

O  formato  das novelas era frequentemente  motivo de gozação por parte da imprensa especializada. René Bittencourt em sua seção Feira de Amostras num exemplar da Revista do Rádio  de 1956 escreve:


ELÁSTICO – Espelhinho encantado, há no mundo alguma coisa que espiche mais que eu?
ESPELHINHO- Há sim meu nego! No rádio, as novelas esticam tanto os capítulos que chegam a esticar os nervos dos ouvintes !


ESPELHINHO – Se há ? Há sim, globinho! No rádio há  tantas coisas “maiores” que faz pena!

É  ainda René Bittencourt na mesma seção “Feira de Amostras na Revista do Rádio de 25 de setembro de 1954 quem escreve:

Aqui jaz Mané Coutinho.
 Vivo escrevia novelas.                                                                                                     Coitado...  morreu  sozinho.
Não teve choro nem velas.

No Jornal das Moças de 11 de dezembro de 1952, a famosa atriz da Nacional, Suzi Kirby, que além de humorista era fluente em inglês e colaborava na tradução de textos para a emissora, conhecida por sua irreverência, ao responder a uma pergunta do entrevistador sobre se já havia trabalho em novelas, disparou:

- Deus me livre. Eu faço até comício contra as novelas!

Suzi Kirb, aqui ao lado da grande atriz Henriette Morinau.
Suzi era casada com o ator Delorges Caminha. 
Informação do pesquisador Osmar Frazão.


E finalmente outra citação para mostrar a implicância da imprensa para com as radionovelas: Revista do Rádio de 1950 publicava  a seguinte notícia com texto de Borelli Filho.

 Amaral Gurgel já escreveu mais de oitenta novelas em toda a sua vida. Isto lhe rendeu dinheiro suficiente para realizar um grande sonho: comprar uma farmácia.
Ele acaba de adquirir a farmácia Brasiliense.
Seus amigos estão fazendo blague sobre o assunto dizendo: Amaral escrevia drogas.
Agora vende drogas.

Brincadeira maldosa. Na verdade Amaral Gurgel foi um dos maiores novelistas brasileiros e se em 1950, quando foi publicada a nota ele já escrevera 80 novelas, viria escrever  cerca de 137 até o final de sua carreira,  além de trinta peças completas, todas com enorme sucesso.
Amaral Gurgel também fez cinema.


Joel e Gaúcho "fingem"  não suportar a novela, 
segundo dizia o samba que gravaram.


A dupla de cantores Joel e Gaúcho também satirizando as novelas  lançou no carnaval de 1950 um samba que dizia mais ou menos:

Uma coisa emocionante
A novela quilométrica.
Mais tortura pros ouvidos
O coitado (o ouvinte) já não pode variar... 

Malgrado essas críticas, sempre em tom de brincadeira, as novelas seguiam conquista enorme prestígio entre o público ouvinte.
A Revista do Rádio em abril de 1948 publicava a carta da leitora  Dorita de Souza, do Rio de Janeiro, que dizia:

Sou das que ouvem novelas. Gosto de ouvi-las. Não disponho de muito tempo é bem verdade, mas às dezoito e às vinte horas, ninguém me pega:  sou toda seriada.
-Mau gosto inqualificável, ... Inconcebível atraso mental ... dizem as mocinhas “letradas” que conheço. Mas não quero   saber  disso, colada ao receptor não perco a menor parte dos seus apaixonantes episódios.
Às vezes, quando, num giro sobre o dial, apanho um capítulo qualquer tenho que ver de que se trata. Ouço-o até o fim. È um divertimento como outro que se adote e que a mim diverte e distrai realmente.
-“Gênero    subliterário, as novelas são como os folhetins dos jornais antigos. O episódio mais palpitante fica sempre cortado ao meio”...argumentam os opositores. E que me importa se esse é o meu gênero, bem como o da maioria das pessoas que conheço? O gosto pelo melodrama faz parte da natureza do homem e isso explica o sucesso permanente da novela e a predileção dos ouvintes por esse gênero de radioteatro.
“Penumbra”, “Mulher sem rumo”, “O drama de uma consciência” atrairão sempre mais do que qualquer outro programa. O próprio nome nos fala de horror, tragédia, aventura, paixão e a gente sente, por antecedência, um arrepio na espinha. A novela é uma aventura vivida dentro da nossa própria casa e à maioria dos mortais, o mistério fascina, a aventura arrebata. E eu  estou nessa maioria. Sou pela novela! Pode ser perda de tempo, falta de gosto... o que quiserem, mas eu gosto dela.
Revista do Rádio: 
fofocas contra e a favor da radionovela. Na capa Marlene e Cesar de Alencar

Waldemar Ciglione:
veterano no rádio paulistano,escrevia para a Revista do Rádio.

Waldemar Ciglioni foi um radioator famoso no rádio paulista, desfrutando de enorme prestígio entre  os ouvintes. Um exemplar da Revista do Rádio  do ano de 1953 publicou uma crônica assinada por ele, enaltecendo as novelas, mas se preocupando com a quantidade delas, o que poderia acarretar uma queda na qualidade.
Escreveu  Ciglioni:

Enquanto houver bons radioatores e competentes novelistas,a novela não perecerá. O que está havendo presentemente é a super-procura da novela por parte dos anunciantes e consequentemente, a super-produção: a quantidade em detrimento da qualidade. É um círculo que a princípio parece vicioso, mas que com o correr do tempo no normalizará. O radioouvinte  prefere as novelas, principalmente as mulheres, A emissora vende a novela por ser o programa de maior índice de ouvintes. O anunciante compra a novela porque este tipo de programa atinge o maior número de ouvintes, fregueses  potenciais.No princípio os ouvintes aceitavam todo e qualquer tipo novela. Hoje são mais exigentes, porque devido à quantidade de novelas eles sentem a necessidade de  selecionar as melhores. Estas melhores serão as mais ouvidas e merecerão a preferência dos  anunciantes.(...)
Enquanto houver um coração de mulher para vibrar, amar, odiar, sofrer, rir e chorar: enquanto  o amor, como ontem,como hoje e como amanhã mover o mundo, enquanto existir uma alma sonhadora e romântica, eu creio que a novela não perecerá!

Waldemar Ciglione sabia das coisas.


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