segunda-feira, 11 de julho de 2016

FALANDO UM POUCO MAIS SOBRE O RADIOTEATRO

OUVINTES CURTEM AS RADIONOVELAS CADA VEZ MAIS.
No auge do gênero radionovela, entre os anos 40 e 60,   só a  Nacional chegou a ter 20   no ar! Tudo isso além de  17 programas de radioteatro utilizando  um elenco de 120 atores.
Acrescente-se à estrutura uma equipe de sonoplastas e de contrarregras, além da orquestra de 120 músicos e 8 maestros que produziam e gravavam passagens musicais, vinhetas, efeitos sonoros tanto para os musicais, quanto para  o radioteatro.
Segundo depoimento de Floriano Faissal no Seminário sobre Rádio da UERJ em  22 de outubro de 1984, organizado pelo autor deste blog e Marlene Blois, os programas de radioteatro eram o carro-chefe da Nacional. Tudo girava em torno das novelas e dos programas montados.
-Entre uma e outra novela, um e outro capítulo de um seriado, havia um musical ou um noticiário. O restante era radioteatro. Disse o grande Floriano.
Em 1945, a Revista Fon Fon realizou com a PRE-8 uma grande pesquisa popular para escolher “Os melhores de 45”.
Claro, só deu Rádio Nacional e só deu radioteatro.
A revista com grande alarde publicou um convite que dizia assim:

Hoje, 16 de fevereiro, das 22 horas em diante, numa gentileza dos Laboratórios Goulart a festa  dos “Melhores do Rádio” consagrados pelo público no Grande Concurso Radiofônico de Fon Fon !
Revista Fon Fon fez a pesquisa dos melhores do rádio em 1945

Floriano Faissal: expoente para o sucesso da Nacional


Entre os melhores estavam os programas  de radioteatro. E os radioatores., claro.
Estes aqui eram todos da Nacional.
-Amaral Gurgel, o melhor escritor radioteatral.
-Almirante, o melhor autor de programas.
-Radioteatro PRE-8 o melhor elenco teatral.
 -Paulo Gracindo, o melhor radioator.
-Ismênia dos Santos, a melhor radioatriz.
-Lúcia Helena, melhor locutora.
-Celso Guimarães, melhor locutor
-Barbosa Junior, o melhor humorista.
-Teatro Seriado PRE8 ,o melhor programa de novelas.
-Eucalol, o melhor patrocinador.
Almirante, melhor autor de programas

Paulo Gracindo: 
melhor radioator se dividiu entre a Nacional e a Tupi

Ismênia dos Santos: voz bonita e grande intérprete.

Lucia Helena anunciava Francisco Alves aos domingos

Galã Celso Guimarães:
 fundador e primeira voz da Nacional

Radamés Gnatalli com outros regentes:  
afirmação da música popular brasileira pelas ondas da Nacional


Conjunto de Benedito Lacerda o melhor de 1945

Linda Batista no meio das fãs,melhor de 1945

Alziro Zarur e As Aventuras de Roberto Ricardo pela Mayrink Veiga.


Ari Barroso, melhor locutor esportivo de 1945.
 Criou a gaitinha que anunciava os gols, precursora dos efeitos sonoros nas partidas de futebol.




Parte da Orquestra da Nacional em Um milhão de melodias.
Ao fundo a esquerda, percussionista Luciano Perrone, que gravou ao vibrafone o prefixo musical da Nacional Luar do Sertão em 1936, mantido até hoje.

Coca Cola chegou ao Brasil em 1941
 marcando o patrocínio de  Um milhão de melodias melhor programa de 1945

Sabonete que anunciava novela às 10 e meia da manhã na Nacional


Compositor Miguel Gustavo, sua mulher Sagramor Scuvero e a filha Ana Maria em 1954.
Sagramor escrevia o melhor programa feminino de 1945, O mundo não vale o seu lar, pela Rádio Mayrink Veiga. 



-Radamés Gnattalli,(Nacional) o melhor músico.
-Conjunto Benedito Lacerda (rádio Tupi), o melhor regional.
-Linda Batista (rádio Tupi), a melhor cantora.
-Alziro Zarur, (Aventuras de Roberto Ricardo, Mayrink Veiga) melhor policial.
-Ari Barroso (rádio Tupi) o melhor locutor esportivo.
-Universidade do Ar (rádio MEC), o melhor programa instrutivo.
-O pensamento do Presidente Vargas (Nacional) o melhor programa patriótico.
-Comentários (Nacional), o melhor programa radiojornalístico.
-Um milhão de melodia (Nacional), o melhor programa musical.
-Programa Luís Vassalo (Nacional) o melhor programa de variedades.
 Esportes pela sua PRA-9 (Mayrink Veiga), o melhor programa de esportes.
-Teatro pelos ares (Mayrink Veiga), o melhor programa de peças completas.
-Boletim de Guerra (Nacional), o melhor programa de notícias sobre a Guerra.
-Cine-Radiojornal (Globo), o melhor programa de cinema.
-O mundo não vale o seu lar (Mayrink Veiga), melhor programa  de educação moral.

Quando a Sidney Ross no final dos anos 40 e início dos 50, elegeu a Nacional para ser a  anunciante preferencial de seus produtos, sabia o que estava fazendo. Tecnologicamente a emissora estava muito mais bem preparada para veicular  novelas e programas de radioteatro de qualidade.
E a audiência respondia com níveis significativos.
A maioria da preferência do público pela emissora da  praça Mauá era esmagadora.
Por muitos anos ela liderou as pesquisas de audiência.
Mas um fato  significativo foi revelado pelas pesquisas da segunda metade dos anos 50.
O então florescente IBOPE dos anos cinquenta, dava em julho de 1956, para a Nacional 14,4% . A segunda colocada, a Tupi registrava 3,2% com a Mayrink Veiga em seus calcanhares com 3,0%. A Mauá vinha em quarto lugar com apenas 2,0%.
As rádios Jornal do  Brasil,Tamoio, Globo,Guanabara,Continental, Eldorado, Mundial e Metropolitana estavam todas mais ou menos no mesmo nível na casa de 1,8 ou 1,9%.
A Rádio Ministério da Educação liderava  as que tinham menos de um por cento.  Ou sejam: Copacabana, Relógio Federal, Roquette-Pinto e Vera Cruz.
Era o fantasma da televisão que já começava a rondar o rádio de onda-média, ou AM como se diz hoje. Tanto assim que a mesma pesquisa indicava 63,2% de aparelhos desligados!

A Sidney Ross era um dos maiores, se não o maior anunciante  de novelas e programas de radioteatro a partir do final da década de 40.
A programação diária era tão intensa e com tamanha variedade de horários, incluindo sábados e domingos, que os anunciantes contratavam locutores exclusivos. Este fato não só aliviava a escala dos locutores, como marcava mais os produtos com as vozes exclusivas que  anunciavam do Talco Ross, às Pílulas de Vida do Doutor Ross. De Astringosol a Glostora. De Melhoral ao Leite de Magnésia de Philips.
Patrocinador de 3 novelas diárias na Nacional


Glostora anunciava a dupla de humoristas Alvarenga e Ranchinho


Patrocinadora de Tancredo e Trancado, 
domingos 19:30 na Nacional

Alguns desses  excelentes locutores foram William Mendonça, José de Assis e Waldemar Galvão. William Mendonça se tornaria mais tarde a voz oficial da Rádio Jornal do Brasil FM. José de Assis, destacado funcionário do Consulado Americano, pois era fluente no inglês. Waldemar Galvão dedicou-se à publicidade.

AMARAL GURGEL, NASCEU PARA ESCREVER NOVELAS.

 Quem poderia imaginar que um humilde menino filho de uma doméstica e de um funcionário público de São Paulo, se transformaria num dos maiores novelistas que o rádio brasileiro conheceu a partir dos anos 40?  Estudioso autodidata  possuía uma capacidade extraordinária para escrever e criar personagens extraídos do que via nas ruas ou nos locais que frequentava.Também se inspirava em noticias de jornal  ou em  fatos que chegavam a seus ouvidos atentos.
Muito jovem, em 1940,  teatros paulistanos já exibiam cartazes de duas peças escritas por ele.Foi por essa época que com o surgimento da radionovela, recebeu convite para escrever para a Rádio Nacional. Era o que faltava para se projetar no Brasil  inteiro. Amaral diria mais tarde  nas  palestras e cursos que ministrava,  que possuía uma técnica para escrever novelas e peças: criava um personagem-chave e fazia surgir conflitos. “Sem conflito não há história”.
Enquanto escrevia e mandava seus textos para a emissora, queria saber se a história estava agradando, mesmo antes da audiência se manifestar. Sabia através da reação de sua secretária. Se ela perguntasse se ele estava trazendo mais capítulos a serem datilografados, era porque a novela  estava agradando. Mas se por acaso ele indagasse dela o que estava sendo datilografado e ela respondesse displicentemente: ah! É um capitulo de novela! Era porque a história não estava agradando a ela. Certamente não cativaria os ouvintes.
Declarou certa vez que não sabe ao certo quantas novelas escreveu, “só sei que tenho meia tonelada de scripts em meu arquivo”.


Patrocinava "Atire a primeira pedra"escrito por Amaral Gurgel
Patrocinador da novela das 21 horas, Nacional,
escrita, ora  por Amaral Gurgel,ora por Oduvaldo Viana

Amaral Gurgel e Gerdal dos Santos:
 estúdio de radioteatro da Nacional em 1953


Amaral Gurgel e sua incursão pelo cinema brasileiro

 O gênero novela e a linguagem de radioteatro se firmavam e surgiam cada vez mais escritores jovens que tinham como mestres os mais veteranos. Sempre preocupado com a qualidade, certa vez Amaral Gurgel, mestre dos mestres,  escreveu para os jovens novelistas que quisessem se aprimorar, texto que  agora reproduzo para vocês.
Alguns lembretes para quem pretende fazer rádio:
E dizia Amaral:
   Procure ser sempre  brasileiro, escrevendo  sobre nossa terra e nossa gente. Não será deturpando um teatro grego, com peças em moldes americanas, francesas ou inglesas que iremos criar uma linguagem radiofônica nacional. Há excelentes autores brasileiros em que se possa inspirar. Ao selecionar músicas prefira também os autores nacionais populares ou eruditos mesmo que seja  para uma simples passagem musical.
   Sempre que houver possibilidade   procure ser local. Busque exemplos dentro do ambiente do ouvinte. Retire das coisas que os cercam os elementos do seu trabalho radiofônico.
   Utilize o ouvinte. Faça-o participar de seu trabalho. Ele deve ficar inserido no trabalho, pois assim seu entusiasmo será maior e o proveito também.
   Ao fazer seus “scripts” não se esqueça de que tendo alguma coisa a dizer, diga-a  logo. È um erro   guardar uma situação para mais tarde. Arrisca-se a perder tempo e a perder o interesse do ouvinte. Esse interesse   deve começar no primeiro minuto e é necessário realimenta-lo constantemente.
   Respeite os autores que adaptar quando escrever para rádio. Não cometa o crime de contar em suas próprias palavras o que foi narrado por um mestre. Conte uma história sua, ou diga que  inspirou-se em tal romance.
   Seja natural ao escrever ou representar. A frase bonita é nota falsa. O que vale é a verdade e a vida, em palavras simples e frases comuns e diretas. A ordem inversa não é o melhor caminho.
   Não seja grosseiro nem indelicado. Há uma enorme responsabilidade para quem produz, escreve ou dirige programas de rádio. Mesmo quando não se imagina pode-se correr o risco de ferir a audiência nas coisas mais inocentes. Por isso seja bem crítico ou peça a opinião de companheiros.
   Respeite o trabalho em  equipe. Em rádio, quem quiser fazer tudo sozinho vai se atrapalhar todo nos próximos dois minutos. Reúna a equipe com frequência para avaliar o trabalho. Exija a participação de todos, desde  a simples escolha do título do programa, ao seu formato e conteúdo.
   Seja original em seus trabalhos. Dentro dos modelos e padrões estabelecidos sempre existe lugar para a criatividade. Se isso lhe parece fácil, parabéns e se conseguir, você pode se considerar um mestre.
   Em rádio não há golpes de sorte e nem se faz nada ao acaso. Tudo deve ser planejado e com objetivos bem fundamentados dentro  dos recursos que se tem a mão.

Sábias palavras de Amaral Gurgel. Nos anos setenta coordenei um curso para produtores de radio educativo  na Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro.
Fui então buscar o mestre em sua casa. Ele morava numa bela casa na rua Amaral no bairro do Grajaú, Zona Norte do Rio de Janeiro. Já estava bem velhinho, mas a cabeça sempre jovem. Ministrou um curso brilhante e me senti honrado em resgatar aquele radialista para contar para os mais jovens de sua técnica e experiência.

Pouco depois ele morreu, deixando uma grande saudade e muitas lições.

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