quarta-feira, 25 de maio de 2016

JOSÉ MAURO, NESTE MÊS DE JUNHO FARIA 100 ANOS

UM POUCO DA VIDA DE UM DOS MAIORES RADIALISTAS BRASILEIROS.
   Nasceu em Cataguases Minas Gerais em 28 de junho de 1916 e foi estudar no Seminário de Mariana, também em Minas. Muito criativo e irrequieto, foi expulso duas vezes do  colégio. Se  a igreja perdeu um seminarista, o rádio ganhou um de suas maiores figuras.Era irmão do grande pioneiro do nosso cinema, Humberto Mauro. Veio para o Rio em 1936 e foi ser  repórter do jornal "A Noite".Formou-se em Direito, mas adorava o jornalismo.  Colaborou com as revistas "A noite ilustrada", "Carioca" e "Vamos ler". Em 1937,pegou o elevador e subiu alguns andares do prédio de A Noite e foi saber que negócio era esse de rádio...  ingressou na Rádio Nacional do Rio de Janeiro fundada no ano anterior.Pronto! Apaixonou-se pelo rádio e por lá ficou.  Inicialmente atuou como redator comercial, criando um elogiado estilo de acabamento dos anúncios comerciais. Em 1939, três anos depois, tornou-se diretor artístico da emissora, cargo que exerceu por sete anos.
José Mauro: para sorte do rádio não foi seminarista

José Mauro ensaia radioatrizes:
fazia radio com amor e talento

Começou a escrever programas antológicos.Em 1940, criou  "Carta enigmática", sucesso de audiência e que chegou a receber 9 mil cartas por dia. Nesse ano criou com Almirante os programas "Instantâneos sonoros do Brasil" e "Concurso de gaitas de boca". Em 1941, também com Almirante criou o programa "A canção antiga". Ainda nessa época, trabalhou com Haroldo Barbosa na seleção musical e preparo de números para o programa "Um milhão de melodias". Segundo depoimento seu reproduzido no livro "Rádio Nacional - O Brasil em sintonia", de Luis Carlos Saroldi e Sonia Virgínia Moreira, "Haroldo e eu formávamos uma dobradinha inseparável. Todas as noites a gente saía da Rádio, jantava no restaurante Reis, depois íamos pra Cinelândia. Cada dia num cinema. A gente ouvia tudo, discutia, depois pegava o violão, reproduzia o que tinha ouvido". Produziu ainda os programas "Cavalgada da alegria", "A canção antiga" e "Tabuleiro da baiana".

Luiz Carlos Saroldi pesquisador da carreira de José Mauro


   Escreveu também novelas radiofônicas para a Rádio Nacional, entre as quais, "Abismo", "Encontrei-me com o demônio" e "A sombra de Berenice". Por essa época, criou também o programa "Dona música".

   Em 1946, a convite de Gilberto de Andrade, transferiu-se para a Rádio Tupi assumindo a função de diretor artístico e criando programas como "Colégio musical", "Doutor Sabugosa", "O feiticeiro dó-ré´mi" e "Alice no país da música". Em 1948, assumiu a direção geral da Rádios Tupi e Tamoio, cargo que exerceu por três anos. Voltou para a Rádio Nacional  e lá seguiu dando asas à imaginação, criando os programas "Cavalgada da alegria", "Invasão do samba", juntamente com Lamartine Babo, João de Barro, Mário Lago e outros, "Epopeia do samba", com Pixinguinha; "Revista Souza Cruz", com Jararaca e Ratinho e "Tabuleiro da baiana", com Ismênia dos Santos, Zezé Fonseca e outros.
Ismênia dos Santos: 
 uma das radioatrizes que atuou com José Mauro em "No tabuleiro da Baiana"

Zezé Fonseca interpretava os belos textos do radialista



Ísis de Oliveira explicou a dinâmica dos programas montados



Na flauta Radamés e Chiquinho do Acordeão:
 retoques finais antes de entrar no ar.

Radamés Gnatalli: 
 grandes arranjos para os programas montados da Nacional


Paulo Tapajós, Joubert de Carvalho e Leo Peracchi:
o  primeiro era diretor musical da Nacional. Peracchi fazia os arranjos para as músicas de Joubert

Lamartine Babo: parceiro de José Mauro em musicais do rádio

Braguinha e José Mauro: 
garantia de grandes programas musicais



José Mauro escrevia programas para as exibições
 da orquestra de Pixinguinha

Jararaca e Ratinho:
 riso e música em "Cavalgada da alegria"

José Mauro era realmente irrequieto! Tanto assim que em 1952, a convite de Gilberto Martins, sempre ele, transferiu-se para a recém inaugurada Rádio Eldorado atuando como produtor criando programas de sucesso como "Contos musicais" e "Rádio teste musical". Em 1955, retornou às Emissoras Associadas assumindo a direção da Rádio Tamoio, a fim de dar-lhe um formato exclusivamente musical, criando o programa "Música, exclusivamente música". Foi o primeiro diretor da antiga TV Tupi. Produziu também programas para a televisão, entre os quais, "Moto música", considerado o primeiro musical da televisão em forma cinematográfica. Foi produtor do primeiro show de televisão no Rio de Janeiro, "Atrapalhados com televisão". Atuou também como produtor da Rádio e TV Record de São Paulo. Em 1956, foi escolhido pela revista "Radiolândia", em votação que reuniu toda a equipe de redatores e repórteres, o "melhor produtor musical" do ano.

Em 1972, tornou-se diretor geral dos Diários e Emissoras Associados. Lecionou sobre rádio, jingles e televisão na Associação Brasileira de Propaganda. Em 1977, recebeu em Toronto no Canadá o prêmio máximo já concedido ao Rádio brasileiro escolhido pelo fórum da revista Bilboard como o melhor diretor internacional de programação de Rádio daquele ano.

   Em 1982, gravou depoimento sobre o Rádio no Brasil com Luiz Carlos Saroldi


   UM MITO DOS PROGRAMAS MONTADOS
   Vamos falar um pouco de Rádio Almanaque Kolinos, que era um desses programas montados, ou seja, programas de alto nível e produção cara, pois contava com elenco de radioteatro,grande orquestra e coro. Tudo ao vivo! Geralmente noturnos, eram bancados por grandes patrocinadores.
Em Radio Almanaque Kolinos, José Mauro  selecionava  um tema e o desenvolvia sob diversos aspectos, ilustrando-o com cenas de radioteatro emolduradas por  uma trilha musical,especialmente produzida, executada pela grande orquestra. Era uma trilha para cada programa. Um  verdadeira obra-prima musical que pontuava as ações encaminhadas por uma narrador, tudo muito cronometricamente.
O  ensaio era duas horas antes do programa entrar no ar. O diretor musical Paulo Tapajós possuía um perfeito entrosamento com o ensaiador do programa de maneira que as falas do narrador  e a participação dos radioatores, casasse perfeitamente com o tamanho das frases musicais.

Celso Guimarães: narrador do Radio Almanaque


Programa montado: 
inauguração do novo auditório da Tupi em 1950


                                   
                                  No ar:  "Um milhão de melodias, patrocínio de Coca Cola"!
                                          Radamés Gnatalli a frente da orquestra Nacional

O profissionalismo dos músicos da orquestra era de alto nível. Todos professores,  liam suas partituras de “primeira”. O mesmo acontecia com os atores.
A radioatriz Ísis de Oliveira conta:  nestes programas havia um ensaio no andar 22 com o diretor que geralmente era Floriano Faissal. Em seguida o elenco descia para o grande estúdio do 21 onde já estava a orquestra reunida e então era feita uma leitura com a orquestra.Acontece que nem sempre esse ensaio com a orquestra era possível se fazer. Nós atores, ficamos então atentos ao Floriano, o qual, entrosado com o maestro dava os sinais para nossas entradas, pausas ou velocidade de leitura.
Havia muito profissionalismo, tanto por parte da orquestra quanto do elenco e assim tudo saia perfeito!
Havia, portanto, a figura do maestro à frente da orquestra que dava  sinais ao ensaiador, para a entrada dos atores no momento de suas falas.
Floriano, horas antes, fazia ele, um ensaio com o maestro e marcava os tempos das músicas em seu script. Dessa maneira ele tinha condições de ir dando os sinais para os atores, que deveriam ler as falas no tempo certo da música. Era uma enorme responsabilidade que exigia do diretor ter bom ouvido, sensibilidade e segurança no momento de dar os sinais. Floriano aprendera essa técnica com Vitor Costa.
Muitas vezes, ainda menino, participei de histórias infantis para os famosos Festivais GE, nas noites de terça-feira. O maestro Leo Peracchi escrevia umas trilhas lindas que eram executadas pela sinfônica da rádio. Vitor Costa tinha um código. Mão no meu ombro. Quando apertava era para eu falar. Quando soltava eu parava, dando uma pausa, para a orquestra poder subir. E era assim. Dava tudo certo! Conta Abelardo Santos.
Abelardo Santos e Marion Duarte no dia do lançamento de A Era do Radioteatro com o autor do blog


Abelardo Santos atuava nos grandes programas montados da Nacional

Enquanto isso no controle de som, havia um  segundo maestro, que, com a partitura e o roteiro à sua frente dava ordens,  ao operador de um microfone  que se deslocava sobre uma base acima  das cabeças dos músicos. Esse microfone era chamado de girafa ou “boom”. Era uma base com rodas, onde se prendia uma haste com o outra haste em ângulo de 45 graus  de onde pendia um microfone.
A fim de captar melhor o som  dos instrumentos da orquestra, o operador do boom, sob as ordens do segundo maestro que lhe chegavam pelos             headphones, deslocava o girafa segundos antes para junto desse ou daquele instrumento ou grupo de instrumentos musicais.
Toda essa importante manobra  se processava para suprir uma deficiência das mesas de som da época.
Essas mesas só podiam receber 4 microfones.  Os técnicos descobriram que, ligando os microfones em série, se poderia obter um resultado tal, como se tivéssemos oito microfones.
O passeio do boom pelo estúdio, se aproximando dos instrumentos na hora certa, funcionava como se tivéssemos em mãos diversos microfones, evitando-se, assim, que um instrumento abafasse o outro o que produziria  um “som chapado” que os maestros odiavam..
A manobra do boom  está muito bem descrita no  excelente livro de Luis Carlos Saroldi e Sonia Virginia Moreira denominado Nas ondas da rádio Nacional onde os autores dão um título muito espirituoso ao  relato de Paulo Tapajós: “Uma girafa passeia pelo estúdio”.
Rádio Almanaque, Festivais GE, A canção da lembrança e outros programas do gênero eram gravados conforme iam ao ar, em discos de acetato de 16  polegadas. Terminado o programa toda a equipe se reunia num estúdio ocioso ou na discoteca e ouvia o programa. Era  um laboratório, uma auto-avaliação do que havia ido ao ar e se analisava técnica e artisticamente a produção, corrigindo falhas,  buscando um  aprimoramento.
Por isso a Nacional se  transformou, no decorrer dos anos, em um verdadeiro modelo, uma referência no rádio de sua época.
Uma escola de rádio.
E José Mauro era um dos mestres dessa escola.


Houve um período em que José Mauro foi para a Tupi. E levou junto seu talento, para escrever Instantes Sinfônicos, também um programa montado transmitido do auditório  com grande orquestra, coro e elenco de radioteatro do qual fazia parte a jovem adolescente contratada da Tupi, Aliomar de Matos. É  ela que nos conta:
O programa ia ao ar à noite, no horário nobre.Fazíamos o ensaio e descíamos para o palco-auditório,vestindo as melhores roupas, como se fôssemos para uma festa. Lá estava a orquestra, o coro e todo o elenco. Na plateia do lindo e confortável auditório, pessoas bem vestidas e comportadas. Eu adorava participar desse programa. Tudo maravilhoso!




Quando José Mauro foi para a Tupi o Rádio Almanaque conheceu outros produtores. Em certo período Haroldo Barbosa alternava com Paulo Roberto a redação do programa. Lourival Marques o escreveu  nos anos cinquenta.
Paulo Roberto se revezava com José Mauro em Radio Almanaque




A produção do programas montados era trabalhosa, porque exigia muita pesquisa e criatividade para quem produzia e fôlego e talento para quem realizava. Mas tudo isso era o que não faltava  àqueles radialistas.

JOSÉ MAURO E CORAGEM DE MUDAR A CARA DO RÁDIO NO FINAL DOS ANOS 50.

José Mauro, em 1955 quando  sentiu que o rádio precisava fazer alguma coisa para se adaptar aos novos tempos e  à forte concorrência da televisão, foi dirigir a Rádio Tamoio, como dissemos e lá, junto com a equipe dos “bacharéis da música”  criou uma programação revolucionária  cujo lema era : “Tamoio, música, exclusivamente música”!
Eu trabalhava na rádio nessa época, fazendo parte da equipe de esportes de Oduvaldo Cozzi, produzindo um programa diário às cinco e meia da tarde, chamado A juventude e o esporte. A Tamoio, até então era uma emissora que só se dedicava ao esporte.
Quando a nova programação estreou em 1957,t odos nos bandeamos para a Rádio Tupi.
Porém, infelizmente não pude acompanhar o grupo. Tive que largar  o  rádio para prestar o serviço militar,servindo 11 meses no forte de Copacabana de onde testemunhei a revolução que José Mauro fez na Tamoio. Todo o estúdio de radioteatro foi reformado.Adeus material de contrarregra e efeitos. A técnica recebeu modernos toca-discos que só executavam long-plays.                                                        Linhas telefônicas foram ampliadas para receber as ligações dos ouvintes votando em Músicas na passarela e as prateleiras da discoteca foram reformuladas para guardar só discos de 33  e 45 RPM.
Rapidamente a emissora pulou do   magros 2%  do IBOPE para índices significativos. O faturamento aumentou com um baixíssimo custo de produção.
José Mauro ao marcar  mais um tento, anuncia  a chegada de uma nova era : o rádio musical, que  viria a se consolidar anos depois com o advento do  FM e do rádio digital.
A era dos grandes programas montados chegava ao seu final. A novidade da televisão atraia patrocinadores, possibilitando que as televisões pudessem formar e remunerar seus elencos. Orquestras, os conjuntos musicais,  grandes cantores, atores, técnicos... movimento migratório em direção à tevê. Os estúdios de rádio sofrem reformas e diminuem de tamanho. O caminho agora é música,  radiojornalismo e  rádio de serviço público.
Coube a José Mauro dar a saída a caminho de  uma  nova era no rádio.


4 comentários:

  1. Belo artigo homenageando o grande radialista José Mauro! Obrigada por compartilhar esses conhecimentos.

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  2. Sempre tive José Mauro como um pioneiro de muito sucesso nas rádios da então capital do Brasil, com uma genialidade nascida só da cabeça dele pois tudo o que produzia era original, nada copiado das rádios dos países mais desenvolvidos.
    Assim, nenhuma surpresa que tenha sido chamado para fazer sucesso no início da televisão no Brasil, época em que, não havendo ainda gravação em TV, tudo era feito ao vivo e em preto e branco. E êle fez pioneira e magníficammente, sempre com a preocupação de inovação e boa qualidade. Dava duro, mas contente com a consagração que o público lhe deu. Simplesmente um gênio.

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Espetacular! Lembro-me muito bem do tio Zé Mauro em suas palavras sábias nas nossas conversas em sua casa em Volta Grande.

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