sábado, 13 de fevereiro de 2016

RADIO NACIONAL 80 ANOS! RADIOTEATRO: REALIDADE E FANTASIA DO OUVINTE


A GUERRA DOS MUNDOS: RADIOTEATRO LEVA PANICO AOS OUVINTES.

   Embora o fato não tenha acontecido no Brasil,resolvi relatá-lo  por ser, bastante comentado, e que mostra como os ouvintes frequentemente confundiam  realidade  e fantasia nos tempos do velho radioteatro.
Cartaz de divulgação do programa de rádio que iria ao ar.Mas, ao que parece, os ouvintes, mesmo assim, entraram em pânico. 

   Refiro-me ao que aconteceu na noite de domingo de 31 de outubro de 1938 nos Estados Unidos. Orson Welles, com sua voz grave e marcante anunciou pelos microfones da CBS no programa Teatro Mercúrio:
-Atenção senhoras e senhores ouvintes! Os marcianos estão invadindo  a Terra...Atenção senhoras e senhores, os marcianos estão invadindo os Estados Unidos da América... Atenção senhoras e senhores  ouvintes ...
Outubro de 1938: 
 gênio Welles em ação na Rádio CBS

   O que aconteceu foi que a dramatização se fez de forma tão real que desencadeou um verdadeiro pânico na população. Pessoas buscavam-se desesperadas, procuravam fugir das cidades. Outras passavam mal e desmaiavam. Casais trocavam juras de amor e se despediam esperando o pior. O programa transmitido de costa a costa alcançou uma repercussão que saiu de controle e praticamente parou o país!
   Ao perceber o que estava acontecendo a alta direção da Columbia Broadcasting System ordenou que o programa fosse retirado do ar e feitos os devidos esclarecimentos aos apavorados ouvintes.
Quando, finalmente,  ficou claro que se tratava de uma dramatização, as coisas se acalmaram. Mas que houve muito estrago,  houve.
   Este acontecimento fez com que regulamentos internos de emissoras de rádio,em todo o mundo, seguindo recomendações das autoridades, jamais colocassem no ar uma dramatização sem que ficasse claro para o ouvinte que o que estava sendo levado ao ar era um programa de radioteatro.
Welles autor e diretor do filme de Cadadão Kane


UM GONGO ELETRÔNICO É A SENHA PARA AUMENTAR O VOLUME DO RÁDIO.

   Na Nacional era tudo muito claro. O locutor do horário lia a seguinte frase:
E passamos a transmitir de nosso estúdio de radioteatro.
Seguia-se um gongo eletrônico e ai começava o programa.
Estúdio de radioteatro da Nacional inaugurado em 1952

   O que aconteceu nos Estados Unidos naquela noite,  foi que tudo levava a crer que era o principal noticiário da emissora dando a notícia. O público-ouvinte tinha que acreditar!
Anos mais tarde, o produtor Helio do Soveral, inovou ao romper com certas normas. 
Parenteses para falar de Helio do Soveral. Um gênio do rádio brasileiro que depois se projetaria na literatura policial. Pouco reconhecido, é chamado por alguns de o verdadeiro Ian Fleming brasileiro, ao produzir livros com histórias policiais no bom estilo Agatha Christie.

Helio do Soveral, nasceu em Portugal. 
Precursor do rádio, gênio em mexer com a imaginação dos ouvintes.


Capa da revista VIP, em matéria que o chamava de "Ian Fleming brasileiro". 


 Oportunamente voltaremos a falar de Helio do Soveral, que, por ironia, morreu atropelado por uma moto no Rio de Janeiro  em 2001 aos 82 anos de idade, depois de enorme contribuição ao rádio, ao cinema e à literatura brasileira.Pois bem, em seu Teatro de Mistério, Soveral  iniciava sempre em seco, isto é, indo direto ao assunto. Sem prefixo, sem abertura, sem nada. Simplesmente a dramatização começava.
Somente após  3 minutos  de ação é que entrava a característica musical e o locutor anunciando: 

...NO AR... O TEATRO DE MISTÉRIO!

   Mas de uma coisa a direção da rádio não abria mão: a chamada para o estúdio de radioteatro e o gongo eletrônico, marcas registradas do radioteatro da Nacional.
Eu me amarrava neste formato e sempre que escrevia as pequenas histórias para o Clube Juvenil Toddy eu usava a estratégia do Hélio do Soveral.
   Quem acompanha as telenovelas de hoje, observa como se iniciam os capítulos. Primeiro entra  uma cena forte que dura alguns minutos,após o que, surgem os créditos da abertura e finalmente os comerciais.
   Será que o querido e  saudoso Hélio do Soveral fez escola?
   Nada disso. È  que começando logo a ação do capítulo, o público se prende e não muda de canal o que poderia acontecer se o capítulo se iniciasse pelos comerciais.
   Não é para assustar o público, é para segurá-lo, pois o final de um programa serve de “gancho” para o programa seguinte. Repare só.


   Fui encontrar no número  484 da Revista do Rádio de 27.12.1958 uma curiosa reportagem sobre a excelente atriz  Ida Gomes  tendo como título “Por que você não morre”?
Ida Gomes foi para a Tupi ainda mocinha, com um contrato provisório fazer o papel de Lucrécia  Bórgia . A atuação de Ida Gomes despertou nos ouvintes um ódio tão grande  pela célebre envenenadora italiana que Olavo de Barros contratou-a imediatamente, pois a considerou “uma cínica perfeita”.
           Era assim nos anos 50'no rádio.

Uma das irmãs Cajazeiras, Doroteia em O Bem Amado, 1973. 
Lembram-se?


-A partir de então  dediquei-me a este tipo de papel,  declara Ida à Revista do Rádio.
Ela faria depois dezenas de outras novelas na rádio Tupi, sempre encarnando o papel de vilã.
“Maria e outras mulheres”, como Maria Olímpia;  “Uma consciência atormentada”,como Branca.
Em “Corações amargurados”, Ida  era Eva, uma espiã nazista.
-Uma vez, quando fazia  “A Ciganinha” em que eu martirizava a mocinha, terminado o capítulo uma ouvinte telefonou-me indignada e disse: ‘Por que você não morre’? E desligou  imediatamente.”
Ida Gomes conclui sorrindo:
-Como vê, sei perfeitamente que o público não morre de amores por mim, quando interpreto esses tipos, mas eu não me importo com isso. Sinto-me feliz por poder dar às personagens o realismo que elas exigem.
Na Rádio Tupi havia uma jovem atriz de voz meiga e suave que só fazia papéis de boazinha. Era Nair Amorim que me confessou em depoimento:
Meu grande sonho é era um dia fazer papel de megera numa novela. Mas jamais consegui.
Com efeito Nair foi a maior intérprete de Nossa Senhora e santas que o rádio conheceu na série Novela Religiosa da Tamoio. Falaremos disso mais adiante.

ATRIZ MORRE CARBONIZADA EM CASA: A VIDA IMITA A NOVELA.

Uma excelente radioatriz que  costumava também fazer papéis de malvada foi Zezé Fonseca, atuando com grande brilho tanto na Tupi quanto na Nacional.


                                                     Capa de Revista nos anos 40'

Infelizmente a partir de um determinado momento de sua vida Zezé começou a beber exageradamente, entrando num lamentável processo de autodestruição.
Luís Manuel me contou que nos anos 50, quando muito menino  participava de uma novela às três horas da tarde escrita por Mário Lago intitulada O amor conhece os caminhos. Na trama ele era órfão e tinha como madrasta uma  megera interpretada por Zezé Fonseca. Os ouvintes se condoíam das maldades que o pobre menino sofria da madrasta. No último capítulo, uma tragédia e a malvada recebe seu castigo ao morrer queimada em um incêndio em sua própria casa. Os atores ensaiaram o capítulo sem que Zezé chegasse. Faltavam minutos para a novela entrar no ar e aparece a atriz, cambaleando pelo corredor que dava acesso ao estúdio.Já havia uma atriz substituta pronta para assumir o papel de Zezé, mas esta, arrancando o script de suas mãos e disse categórica: deixa que eu faço!
Vejamos o relato do próprio Luís Manuel:
Ela nem havia ensaiado. Tomou o papel com todas as marcações e a novela entrou no ar. Quando olhei para a Técnica (onde ficavam os operadores atrás do vidro),vi alguns atores que se esgueiravam, só para ver o que iria sair dali.Pois Zezé deu um show de interpretação,sem vacilo, sem erro. Na cena final eu contracenava com a madrasta e após umas peripécias há um incêndio na casa e a megera morre queimada, para gáudio dos ouvintes.Ai vem a ironia da vida. Dia seguinte, não é que há um incêndio no apartamento de Zezé e ela morre carbonizada?
Luis Manuel, que na época era garoto, me contou essa história.
Hoje ele dubla filmes

Zezé Fonseca só era má nas novelas. Na vida real era uma grande pessoa e boa colega. A par disso Zezé foi também cantora, havendo gravado discos de música popular brasileira. Sua passagem pelo canto a fez aproximar-se de Orlando Silva. Os dois se apaixonaram e segundo os jornais e revistas  da época, “Orlando Silva e Zezé Fonseca vivem uma tórrida paixão”!
A legenda não é clara, por isso ai vai: da esquerda para direita, Rubens Amaral  e os casais Zezé Fonseca & Orlando Silva, Iara Sales & Heber de Boscoli e a cantora Linda Batista.
Zezé Fonseca: 
uma megera no imaginário dos ouvintes.Na vida real um doce.



 Extremamente culta, Zezé possuía muitos  livros,  colecionava jornais e revistas. Atribui-se o incêndio em seu apartamento ao material que ela arquivava e alimentou o fogo não dando chance  à grande artista.

Outra versão na época se liga ao seu vício pela bebida.Talvez tenha adormecido com o cigarro aceso.
   Neste dramático episódio, não houve fantasia na cabeça do ouvinte.
   Foi a trágica realidade.

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