A GUERRA DOS MUNDOS: RADIOTEATRO LEVA PANICO
AOS OUVINTES.
Embora o fato não tenha
acontecido no Brasil,resolvi relatá-lo
por ser, bastante comentado, e que mostra como os ouvintes
frequentemente confundiam realidade e fantasia nos tempos do velho radioteatro.
Cartaz de divulgação do programa de rádio que iria ao ar.Mas, ao que parece, os ouvintes, mesmo assim, entraram em pânico.
Refiro-me ao que aconteceu na
noite de domingo de 31 de outubro de 1938 nos Estados Unidos. Orson
Welles, com sua voz grave e marcante anunciou pelos microfones da CBS no
programa Teatro Mercúrio:
-Atenção senhoras e senhores
ouvintes! Os marcianos estão invadindo a
Terra...Atenção senhoras e senhores, os marcianos estão invadindo os Estados
Unidos da América... Atenção senhoras e senhores ouvintes ...
Outubro de 1938:
gênio Welles em ação na Rádio CBS
O que aconteceu foi que a
dramatização se fez de forma tão real que desencadeou um verdadeiro pânico na
população. Pessoas buscavam-se desesperadas, procuravam fugir das cidades.
Outras passavam mal e desmaiavam. Casais trocavam juras de amor e se despediam
esperando o pior. O programa transmitido de costa a costa alcançou uma
repercussão que saiu de controle e praticamente parou o país!
Ao perceber o que estava
acontecendo a alta direção da Columbia Broadcasting System ordenou que o programa
fosse retirado do ar e feitos os devidos esclarecimentos aos apavorados
ouvintes.
Quando, finalmente, ficou claro que se tratava de uma
dramatização, as coisas se acalmaram. Mas que houve muito estrago, houve.
Este acontecimento fez com que
regulamentos internos de emissoras de rádio,em todo o mundo, seguindo
recomendações das autoridades, jamais colocassem no ar uma dramatização sem que
ficasse claro para o ouvinte que o que estava sendo levado ao ar era um programa de radioteatro.
Welles autor e diretor do filme de Cadadão Kane
UM GONGO ELETRÔNICO É A SENHA
PARA AUMENTAR O VOLUME DO RÁDIO.
Na Nacional era tudo muito claro.
O locutor do horário lia a seguinte frase:
E passamos a transmitir de nosso estúdio de radioteatro.
Seguia-se um gongo eletrônico e
ai começava o programa.
Estúdio de radioteatro da Nacional inaugurado em 1952
O que aconteceu nos Estados
Unidos naquela noite, foi que tudo
levava a crer que era o principal noticiário da emissora dando a notícia. O
público-ouvinte tinha que acreditar!
Anos mais tarde, o produtor Helio
do Soveral, inovou ao romper com certas normas.
Helio do Soveral, nasceu em Portugal.
Precursor do rádio, gênio em mexer com a imaginação dos ouvintes.
Capa da revista VIP, em matéria que o chamava de "Ian Fleming brasileiro".
Somente após 3 minutos
de ação é que entrava a característica musical e o locutor anunciando:
...NO AR... O TEATRO DE MISTÉRIO!
Mas de uma coisa a direção da
rádio não abria mão: a chamada para o estúdio de radioteatro e o gongo
eletrônico, marcas registradas do radioteatro da Nacional.
Eu me amarrava neste formato e
sempre que escrevia as pequenas histórias para o Clube Juvenil Toddy eu usava a
estratégia do Hélio do Soveral.
Quem acompanha as telenovelas de
hoje, observa como se iniciam os capítulos. Primeiro entra uma cena forte que dura alguns minutos,após o
que, surgem os créditos da abertura e finalmente os comerciais.
Será que o querido e saudoso Hélio do Soveral fez escola?
Nada disso. È que começando logo a ação do capítulo, o
público se prende e não muda de canal o que poderia acontecer se o capítulo se
iniciasse pelos comerciais.
Não é para assustar o público, é
para segurá-lo, pois o final de um programa serve de “gancho” para o programa
seguinte. Repare só.
Fui encontrar no número 484 da
Revista do Rádio de 27.12.1958 uma curiosa reportagem sobre a excelente
atriz Ida Gomes tendo como título “Por que você não morre”?
Ida Gomes foi para a Tupi ainda
mocinha, com um contrato provisório fazer o papel de Lucrécia Bórgia . A atuação de Ida Gomes despertou nos
ouvintes um ódio tão grande pela célebre
envenenadora italiana que Olavo de Barros contratou-a imediatamente, pois a
considerou “uma cínica perfeita”.
Era assim nos anos 50'no rádio.
Uma das irmãs Cajazeiras, Doroteia em O Bem Amado, 1973.
Lembram-se?
-A partir de então dediquei-me a este tipo de papel, declara Ida à Revista do Rádio.
Ela faria depois dezenas de
outras novelas na rádio Tupi, sempre encarnando o papel de vilã.
“Maria e outras mulheres”, como
Maria Olímpia; “Uma consciência
atormentada”,como Branca.
Em “Corações amargurados”,
Ida era Eva, uma espiã nazista.
-Uma vez, quando fazia “A Ciganinha” em que eu martirizava a
mocinha, terminado o capítulo uma ouvinte telefonou-me indignada e disse: ‘Por
que você não morre’? E desligou
imediatamente.”
Ida Gomes conclui sorrindo:
-Como vê, sei perfeitamente que o
público não morre de amores por mim, quando interpreto esses tipos, mas eu não
me importo com isso. Sinto-me feliz por poder dar às personagens o realismo que
elas exigem.
Na Rádio Tupi havia uma jovem
atriz de voz meiga e suave que só fazia papéis de boazinha. Era Nair Amorim que
me confessou em depoimento:
Meu grande sonho é era um dia fazer papel de megera numa novela. Mas
jamais consegui.
Com efeito Nair foi a maior
intérprete de Nossa Senhora e santas que o rádio conheceu na série Novela Religiosa da Tamoio. Falaremos disso mais adiante.
ATRIZ MORRE CARBONIZADA EM CASA:
A VIDA IMITA A NOVELA.
Uma excelente radioatriz que costumava também fazer papéis de malvada foi
Zezé Fonseca, atuando com grande brilho tanto na Tupi quanto na Nacional.
Capa de Revista nos anos 40'
Infelizmente a partir de um
determinado momento de sua vida Zezé começou a beber exageradamente, entrando
num lamentável processo de autodestruição.
Luís Manuel me contou que nos
anos 50, quando muito menino participava
de uma novela às três horas da tarde escrita por Mário Lago intitulada O amor conhece os caminhos. Na trama ele
era órfão e tinha como madrasta uma
megera interpretada por Zezé Fonseca. Os ouvintes se condoíam das
maldades que o pobre menino sofria da madrasta. No último capítulo, uma
tragédia e a malvada recebe seu castigo ao morrer queimada em um incêndio em
sua própria casa. Os atores ensaiaram o capítulo sem que Zezé chegasse.
Faltavam minutos para a novela entrar no ar e aparece a atriz, cambaleando pelo
corredor que dava acesso ao estúdio.Já havia uma atriz substituta pronta para
assumir o papel de Zezé, mas esta, arrancando o script de suas mãos e disse categórica: deixa que eu faço!
Vejamos o relato do próprio Luís
Manuel:
Ela nem havia ensaiado. Tomou o papel com todas as marcações e a novela
entrou no ar. Quando olhei para a Técnica (onde ficavam os operadores atrás do
vidro),vi alguns atores que se esgueiravam, só para ver o que iria sair
dali.Pois Zezé deu um show de interpretação,sem vacilo, sem erro. Na cena final
eu contracenava com a madrasta e após umas peripécias há um incêndio na casa e
a megera morre queimada, para gáudio dos ouvintes.Ai vem a ironia da vida. Dia
seguinte, não é que há um incêndio no apartamento de Zezé e ela morre
carbonizada?
Luis Manuel, que na época era garoto, me contou essa história.
Hoje ele dubla filmes
Zezé Fonseca só era má nas
novelas. Na vida real era uma grande pessoa e boa colega. A par disso Zezé foi
também cantora, havendo gravado discos de música popular brasileira. Sua
passagem pelo canto a fez aproximar-se de Orlando Silva. Os dois se apaixonaram
e segundo os jornais e revistas da época,
“Orlando Silva e Zezé Fonseca vivem uma tórrida paixão”!
A legenda não é clara, por isso ai vai: da esquerda para direita, Rubens Amaral e os casais Zezé Fonseca & Orlando Silva, Iara Sales & Heber de Boscoli e a cantora Linda Batista.
Zezé Fonseca:
uma megera no imaginário dos ouvintes.Na vida real um doce.
Extremamente culta, Zezé possuía muitos livros, colecionava jornais e revistas. Atribui-se o incêndio em seu apartamento ao
material que ela arquivava e alimentou o fogo não dando chance à grande artista.
Outra versão na época se liga ao seu vício pela bebida.Talvez
tenha adormecido com o cigarro aceso.
Neste dramático episódio, não houve fantasia na cabeça do ouvinte.
Foi a trágica realidade.
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