A FIGURA DO DIRETOR DE RADIOTEATRO
A radionovela parecia ser uma
unanimidade. A aceitação do público atraia os patrocinadores. O departamento de
radioteatro era um dos mais rentáveis da emissora. É bem verdade que o departamento
musical faturava muito, porém suas despesas eram muito altas. Já pensou manter
as orquestras, os maestros, o coral, os cantores... Por outro lado o
radioteatro, embora ocupasse mais de uma centena radioatores, técnicos e produtores era uma produção mais econômica
que ocupava uma grande faixa da programação. E choviam os anunciantes. Em
determinado momento parecia haver uma espécie de fila de espera de
anunciantes, esperando a vez para patrocinar boas novelas.
A Sidney Ross, laboratório que fabricava o Melhoral, os
produtos Phillips, creme dental e Leite de Magnésia,Astringosol, Pílulas de
Vida do Dr. Ross, o talco e o sabonete Ross, comprou pacotes de horário na Nacional. Tudo
isto fez com que os anos 50, em termos artísticos e comerciais se
transformasse no período de ouro do radioteatro da PRE-8.
Talco Ross patrocinava novelas a tarde
Havia novela a partir das 8 das
manhã, às 10 e meia, às 11 e quinze, às 12 e trinta, às 13, 14 (O drama de cada
um), 15 (Presídio de Mulheres) além de programas de radioteatro e seriados às
17, (Alma das Coisas)17 e 30, 18 e 25 (O Anjo) e 18 e 35 (Jerônimo).
Após a Hora do Brasil, às 20 horas entrava o Radioteatro
Colgate-Palmolive às 2ª.,4as. e sextas. Nos demais dias a novela das 8 era
patrocinada pela Sidney Ross.
Às terças-feiras às 22 horas era dia do Teatro
de Mistério e as sextas o Grande Teatro
De Millus, depois Orniex fabricante dos produtos Shell.
Grande Teatro De Millus:
Peça completa nas noites de sexta-feira
A partir de determinada data a Shell substituiu De Millus.
Melhoral, "que contra a dor chega primeiro" patrocinava "Jeronimo, O herói do sertão"
COMO FUNCIONAVA O DEPARTAMENTO DE
RADIOTEATRO.
Para manter tudo funcionando era preciso, além de um bom elenco, uma estrutura bem montada.
Havia uma escala ou tabela,
afixada na sala dos artistas do radioteatro no 22º. andar.
Os scripts eram entregues sob protocolo à secretária do departamento. Lúcia Helena, além de locutora tinha essa função junto a Floriano. Lúcia encaminhava os originais para a mecanografia e depois à reprografia quando os roteiros, depois de revisados, eram rodados em mimeógrafo a álcool.Finalmente eram entregues ao diretor-ensaiador daquele programa.
Cada ator tinha que chegar uma hora antes da transmissão para o
ensaio. Havia uma sala de ensaio também no 22, junto ao estúdio e ao lado a
sonofonia, local que escolhia as músicas dos capítulos.
O diretor-ensaiador chegava com
os scripts mimeografados, fresquinhos
cheirando a álcool e já marcados. Na primeira página do roteiro, à direita e
por cima de tudo, havia um carimbo escrito: personagem/intérprete,
com o nome do ator e de seu personagem.
Cada ator recebia sua cópia com as falas marcadas
com lápis vermelho.. Todos sentados e à frente, numa mesa como se fosse um
mestre-escola, o diretor ia passando as falas e orientando nas inflexões. Se o
ator não dava a inflexão correta o ensaiador fazia repetir. O ator anotava em
sua cópia as observações necessárias.
Floriano, diretor geral do
radioteatro não admitia gracinhas nem brincadeiras durante o ensaio. Aliás a
maioria dos diretores era assim: corteses, respeitosos,mas extremamente
sisudos. Floriano impunha um ambiente de trabalho, respeito e disciplina.
Relata Luís Manuel:
Chegávamos à sala de ensaios,a poucos metros do estúdio e ficávamos
batendo papo. Quando o diretor chegava ninguém falava mais. Tudo em silêncio, o
ensaio começava.
Com Floriano havia algo mais. Quando ele entrava na sala,astros,atores
famosos, fossem lá o que fossem cumprimentavam Floriano com reverência. O
homem, realmente era um mito.
Mesmo que você tivesse uma falinha na primeira página, não podia se
ausentar. Tinha que ficar até o final do ensaio. A não ser que Floriano
autorizasse a saída
Amaral Gurgel, brilhou também no cinema
Castro Viana, Rodolfo Mayer, Roberto Faissal, Olga Nobre, Floriano e Castro Gonzaga:
radioatores nos anos 50.
Edmo do Valle, pioneiro nos efeitos sonoros:
foi também diretor-ensaiador
Terminado o ensaio todos se
retiravam e ficavam pelos corredores da rádio falando sozinhos, relendo suas
falas.
Havia duplas de atores que reensaiavam suas
participações no bar da rádio que ficava no terraço do 22 ou conseguiam um
canto para fazê-lo. Todos tinham perfeita noção de seu talento e de sua
responsabilidade. Naquela época a Nacional era a maior emissora do país e o que
se fizesse de certo ou de errado tinha uma repercussão enorme, com milhões de
ouvintes na escuta e a crítica mordaz de olho, ou melhor, de ouvido.
Neuza Tavares, emocionava como menina má ou jovem inocente.
Milton Rangel era o Jeronimo.
No Clube Juvenil Toddy, onde atuei com outros jovens, tive oportunidade de conhecer vários
diretores:todos famosos na época: Cahué Filho, Eurico Silva, Restier Junior, Édmo
do Valle. Carrancudos, mal nos
cumprimentavam. O ensaio era para valer. Nós jovens éramos tratados como
profissionais, e não como crianças mimadas.Ao final do programa nem uma palavra de incentivo, nem um
elogio. Mas se um de nós errasse o texto, podíamos perceber, com o rabo dos
olhos, os gestos de indignação desses diretores.
A radioatriz Juraciara Diácovo,
muito menina comparecia sempre levada pelo pai ou pela mãe. Eis um trecho do
depoimento que ela me prestou recentemente.
Eu estudava no colégio Pedro I no subúrbio do Rio de Janeiro. Terminava
minha aula e corria para a Nacional, pois tinha ensaio a uma da tarde. Ia para
a rádio de uniforme. Trabalhei muito tempo no seriado O drama de cada um, que
entrava no ar às 14 horas, produzido por Castro Viana e Amaral Gurgel. (...)
Por ser muito jovem, sentia que todos procuravam me proteger, mas se eu
precisasse levar uma bronca eu levava como qualquer gente grande. Eles me
consideravam uma profissional. E justamente por causa disso eu era muito
cobrada.Sabia que não podia falhar em nada!
No desempenho de meu trabalho eu
sentia que me preservavam, Por exemplo, se no meio de um grupo os adultos
quisessem conversar sobre determinados assuntos, eles mandavam eu sair de
perto. Eu tinha muito respeito por todos. Alguns eram verdadeiros mestres para
mim. Aprendi a tratar todos de senhor.. Terminada minha participação, se não
tivesse mais nada para fazer na rádio voltava para casa
Juraciara brilhou no radioteatro desde 11 anos de idade.Mais tarde emprestou sua voz a personagens do cinema.
Para os bons profissionais a
rotina do trabalho era rígida, exigindo pontualidade.Cada um sabia muito bem o que
tinha que fazer. Os capítulos de novela
duravam todos eles, vinte e três minutos. A exceção do Grande Teatro e do Teatro de Mistério que duravam 50 minutos.
Assim, o ensaio era rápido.
Dali o sonoplasta já partia para escolher as passagens e os efeitos
sonoros. O contrarregra ia para o estúdio com seu “script” preparar os ruídos.
Muitas vezes tinha que fazê-lo com estremo cuidado pois havia uma outra novela
ocupando o estúdio.
Cinco minutos antes de o capítulo entrar no ar, impreterivelmente,
todos deveriam estar dentro do estúdio.
Nele havia um livrão de 20 por 30 centímetros. Ao final da função o diretor fazia um relatório das ocorrências principais de forma sucinta,
usando uma caneta tinteiro Parker 51
que ficava sobre uma mesa de
pés-palito no meio do estúdio estilo anos 50.
Qualquer atraso de artista ou
indisciplina “ia para o relatório”.
E havia punições que iam de multas a
suspensões.
Mas havia também elogios, quando
um ator substituía outro numa emergência. Tudo ficava registrado.
Floriano, diariamente, lia todos
os relatórios e tomava as providências administrativas.
Ele era durão na hora certa, mas
muito carinhoso quando precisava.Andava
sempre trajando seu elegante terno branco, de cara amarrada, mas bastava conhecê-lo
para ver que era um sujeito muito humano.
Por isso mesmo era estimado pelos
colegas.
Tive uma experiência pessoal com Floriano que evidencia isto.
Em meados de 1954 eu fui escalado
para fazer o papel de um garoto no Grande
Teatro De Millus. O programa era ao vivo e ia ao ar às sextas-feiras às 10
e cinco da noite e terminava às 11 horas.
A peça completa, escrita por Dias
Gomes, era uma adaptação de “O morro dos
ventos Uivantes” de Emille Bronté.
Dias Gomes era assim quando foi para a Nacional.
Floriano ainda jovem: uma vida dedicada ao rádio
Lucia Helena, famosa locutora da Nacional, era secretária de Floriano
Álvaro Aguiar era o detetive Anjo, diariamente às 18 e 25.
Éramos eu e outro menino que não
me lembro mais o nome, mas que não seguiu carreira no rádio.
Chegamos às vinte e trinta e fizemos o ensaio com todo o
elenco sob a direção do Floriano.
Eu fazia o papel de Hindley e o
meu jovem colega o de Hatcliff, os dois personagens principais, claro, ambos
como crianças.
Às 22 e cinco, após a última
edição do Repórter Esso, o operador do controle central, acionou uma chave e
tirou a conexão do estúdio de jornalismo no 20º. Andar. Em seguida, abriu outra chave transferindo a transmissão
para o estúdio de radioteatro no andar 22. Ato contínuo, o segundo operador, apertando um botão, fez
soar o tradicional congo eletrônico da
Nacional, que anunciava as transmissões diretamente do estúdio de radioteatro.
O sonoplasta colocou então no ar o disco com o prefixo do Grande Teatro, que
era o tema de abertura do filme O Egípcio”.
No estúdio, tenso, segurando trêmulo meu “script”, eu imaginava
o Brasil todo ligado na programação e no
tamanho de minha responsabilidade, ali, junto àquele elenco de cobras.
Fui um dos primeiros a entrar,
pois as cenas diziam respeito à infância
dos dois personagens do romance.
Graças a Deus nos saímos bem e
cumprimos nossa tarefa.A história
prosseguiu e atores adultos assumiram nossos papéis.
Sentei-me, então,nas confortáveis
poltronas do estúdio, para assistir ao
desenrolar da trama, me deliciando com a atuação do elenco.
Foi quando Floriano, ao constatar
nossa presença no estúdio, cortou nosso barato e aproveitando um intervalo
comercial, ordenou, por gestos, que nos retirássemos do estúdio e chamando um funcionário da rádio, determinou que este
nos acompanhasse até o transporte na praça Mauá e fôssemos para nossas casas.
O funcionário só nos deixou,
quando estávamos dentro do lotação.
Os dois jovens radioatores,
claro, ficaram muito chateados, porém anos mais tarde compreendi sua preocupação
em nos proteger .
O carrancudo, durão e
disciplinador Floriano era, sobretudo,
um grande ser humano.Fora, com
aquele gesto, um autêntico paizão.
Outra sobre Floriano e seu
elenco:
Na famosa coluna Feira de
Amostras de René Bittencourt publicada na Revista do Rádio de 23 de agosto de
1958 pude recolher a seguinte nota.
“Francisco Carlos (famoso cantor na época) andou faltando
a programas alegando doenças.
Floriano Faissal trancou-se numa
sala com o Dr. José Marques Gomes (famoso produtor Paulo Roberto), recomendando a este que fizesse um
exame rigoroso no cantor.
Depois de meia hora de exame, o Chico agarrou o braço do Paulo
...
- Afinal, Paulo Roberto, que eu
tenho?
-Preguiça! (disse o médico com
toda a franqueza). Só preguiça.
-Tá bem, Paulo, tá bem. Agora, me
dá um nome científico desse troço, que eu quero impressionar o Floriano, morou?
O cantor Francisco Carlos
O médico e radialista Paulo Roberto
Paulo Roberto
DIRETORES DE RADIOTEATRO DE
OUTRAS EMISSORAS
Nas outras emissoras havia também
um diretor de radioteatro que agia igualmente com rigor. Olavo de Barros na
Tupi ou Raimundo Lopes na Mayrink.
Certa vez Paulo Gracindo assumiu
a direção do radioteatro da Tupi a pedido de todos os atores. Quando tomou
posse no cargo, começou a dar duro no
pessoal exigindo pontualidade.
Resultado, alguns começaram a
chamá-lo de “mascarado”. Aborrecido, Gracindo entregou o cargo a Hamilton
Ferreira e voltou a ser somente ator.
Gracindo: profissionalismo e talento.
Hamilton Ferreira, radioator da Tupi, também fez cinema.
Hamilton controlou o elenco com mão de ferro e ninguém
mais reclamou.
Gracindo relatou isto em um Especial da Rádio
JB, dirigido por Luis Carlos Saroldi.
A rádio Ministério da Educação
teve um diretor chamado Edmundo Lyz. Era um bom diretor, extremamente severo e
muito cioso do que o programa que ele dirigia tinha que ser. Exigia o máximo
dos atores nos ensaios. Para ele, ensaio não era uma simples leitura do texto.
Ele exigia interpretação e mandava os atores repetirem até sair como ele
queria. Quando o programa entrava no ar, Edmundo ia para o controle e ficava ao
lado do operador, dirigindo. Se na hora a cena não saia como ele queria ele
jogava o script em cima da bancada e ia
embora! Sim, ia embora !
Excessos a parte, imaginem:
programas ao vivo, capítulos um após o outro,como seria
possível sem uma disciplina
férrea? Atores são temperamentais e
muitos de difícil trato. Isto serve para rádio, teatro ou cinema.
Quando fiz um curso no México,
tive um diretor que costumava dizer
:
“o diretor deve ter na mão um chicote e na outra uma rosa”.
Mas havia também muito
companheirismo e extrema noção de responsabilidade.
Certa vez numa novela, Gracindo e
Daisy Lúcidi contracenavam.
Gracindo reparou que o ator que
deveria entrar em seguida não se encontrava no estúdio, apesar de ter estado
presente ao ensaio.
Aproveitando uma passagem musical
de 10 segundos, Gracindo e Daisy se puseram de acordo e Daisy, com enorme profissionalismo transformou, na
hora, todas as falas do ator em uma carta dele, que ela leu tranquilamente ao
microfone.
Mas o furão foi
punido.
Daisy Lúcide: presença de espírito na novela da tarde.
De outra feita, Paulo
Gracindo,sempre ele, também percebeu que o ator
com o qual deveria
contracenar no minuto seguinte não
estava no estúdio.
Não teve dúvidas: transformou o
diálogo num monólogo. Algo assim:
Está
mudo porque não tem o que dizer.
Mas EU vou dizer o que você gostaria de falar!
E salvou a cena mais um vez .
Ao narrar estes fatos, fica muito
claro, que além da importância do profissionalismo de cada um, era preciso
existir muito amor àquilo que cada um fazia.
Nos anos 80, reencontrei
Floriano, décadas depois de
ter vivido estes tempos. Perguntei a ele, como explicava todo aquele
sucesso do radioteatro da Nacional. Ele, já então muito velhinho, me fitou e
respondeu simplesmente:
Amor! Muito amor!
Floriano Faissal: "amor! Muito amor"!
Olá meu nobre, tudo bem com obter algumas imagens dos
ResponderExcluiratores(as) do "teatro de mistério" em especial "Jorjão,suze" entre outros.
Se você vive no Rio dirija-se à sede da Rádio Nacional do Rio de Janeiro,EBC- Avenida Gomes Freire 474- Centro-Rio de Janeiro. Pode ser que eles cedam as fotos desejadas. Abraços e boa sorte.
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