Ressaltamos uma vez mais que os programas eram todos "ao vivo". Eram programas que envolviam, alguns deles, uma grande equipe de técnicos, músicos,cantores, radioatores e locutores. Havia ensaios e eram todos competentes profissionais. Mas as vezes ... um escorregão e vinha a falha. Por ser "ao vivo", algumas vezes se tentava salvar a cena. Contudo, acontecia que "a emenda saia pior que o soneto".
Algumas gafes, que eu chamo aqui de radiocacetadas, entraram para o anedotário do rádio. Eis mais algumas.
Tenho duas histórias para contar.
Uma sobre a roda de madeira e outra sobre tiros dentro de um estúdio com o
revólver de festim.
Quero explicar que roda de madeira era esta. Era uma roda que ao girar, friccionava um pedaço de couro duro e ressecado. Produzia um ruido que se assemelhava a uma porta rangendo. Era usada em cenas de mistério, de castelos mal assombrados e masmorras.
Vamos à gafe com a roda de madeira. Certo dia, ao saber que o presidente Eurico Dutra iria visitar a
rádio, Vitor Costa, então diretor de radioteatro expediu circular a todos os
funcionários para que deixassem seus setores arrumados . Essas providências que
sempre se tomam quando vai visita na
casa da gente.
Manuelzinho era um jovem imigrante português recém-chegado da
terrinha ainda com suas faces coradas, era o encarregado da faxina no estúdio. Cheguei a conhecê-lo
pessoalmente quando entrei para a rádio.
Pois Manuelzinho que recebera
ordens para dar uma faxina no estúdio e deixá-lo um
brinco, não fez por menos: ao verificar que aquela roda fazia “um certo
barulho”, passei-lhe um Óleo de Peroba
e assim o problema ficou resolvido”.
Resultado o efeito que era muito
utilizado em programas de terror como o Sombra,
ficou inoperante vários dias, até que se providenciasse um novo eixo sem
lubrificação.
Óleo de Peroba:
bom para os móveis, ruim para os efeitos especiais
Nesta "casa" dentro do estúdio se produziam os efeitos sonoros para as novelas
Victor Costa:
o cérebro do radioteatro da Nacional
Sobre o tiro. Foi num programa
que havia às terças-feiras às 22 horas: As
aventuras do Sombra.
O Sombra vinha dos Estados Unidos onde se chamava Shadow.
Em São Paulo
era vivido por Gabus Mendes e no Rio por Saint-Clair Lopes.
Cabia a Herrera Filho fazer a
adaptação brasileira. Era um desafio mostrar um personagem invisível através do
rádio. Mas a solução foi encontrada. A voz do ator era normal, mas quando o
personagem virava o Sombra e ficava invisível, o ator fazia uma voz cavernosa.
Era a senha que o ouvinte já entendia.
-Quem sabe o mal que se esconde
dentro dos corações humanos? O Sombra sabe!
E vinha aquela risada sarcástica:
Ah... ah... ah... ah...!
Saint Clair era o Detetive Sombra.
Floriano: faca que deu tiros.
Numa noite contracenavam o
bandido: Floriano Faissal e o detetive Sombra, Saint-Clair Lopes.
Floriano ameaça o detetive com um
revólver que dispararia em seguida;
- Vou te matar com este revólver
!
Mas o revólver falhou, talvez por
causa do ar condicionado do estúdio.Só se ouviu, para desespero do
contrarregra, um frustrante “tec, tec,tec”.
Floriano, com grande presença de
espírito, para consertar a cena, exclama:
-Meu revólver falhou, mas vou te matar com esta faca !
Mas ai, finalmente, saiu o tiro.
Foi a primeira facada a pólvora
do rádio brasileiro.
A partir deste incidente, os
revólveres foram abandonados. Os
“inventores” contrarregras passaram a colocar diversas espoletas numa placa de
ferro. Na hora que tinha que sair o tiro dava-se uma martelada na espoleta e
esta disparava. Não havia erro. Se falhava uma, rapidamente, martelava-se a
espoleta da carreira do lado.
Nunca mais houve balas perdidas no radioteatro.
O carinho que Vitor Costa tinha
pelo estúdio de radioteatro era tamanho
que ele o considerava um lugar especial. Tanto assim que havia exigência de todos os atores se
apresentarem “dignamente trajados”.
Não havia desculpa, o ar
condicionado era perfeito, o ambiente limpo, organizado e confortável e por
isso Vitor entendia que todos deveriam se apresentar: os homens de paletó e gravata e
as senhoras elegantemente vestidas.
Assim dizia o aviso afixado no quadro da sala dos atores.
Isis de Oliveira nos tempos da Nacional
Isis de Oliveira me relatou que
possuía uma coleção de taillers, que
até hoje estão em moda, que na época
também se costumava chamar de costumes.
Eu tinha uma variedade. Uns para o verão e outros para o inverno. Era
uma solução para eu me trajar com elegância e praticidade.Eu só mudava a blusa.
De dia era uma blusa mais leve e à noite, nos programas montados, usava uma
mais fina.Declarou-me a maior estrela das radionovelas da Nacional.
Mesmo depois que Vitor Costa deixou a emissora a exigência
continuou mantida.
Certa feita, Floriano estava fora
do estúdio, de gravata, mas sem o
paletó. Nisso é abordado no corredor e chamado às pressas para entrar no ar no
lugar de um ator que se sentira mal. Ele tinha que dizer apenas uma frase no
final do capítulo.
Foi assim: um médico se aproxima
do marido e diz:
-Senhor, sua mulher vai ter que fazer uma delicada
cirurgia.
Ao marido bastava dizer:
-Ai! Não doutor!
Na hora da fala, eis que entra na técnica o Moacyr Areas,
superintendente da emissora.
Floriano, que estava sem paletó ficou transtornado. Nervoso. Logo ele que tinha que
dar o exemplo!
O ensaiador colocou o dedo no
script indicando a Floriano a frase que
deveria dizer.
E a cena foi para o ar assim:
-Senhor, sua mulher vai ter que
fazer uma delicada cirurgia.
-Ai não, doutor !
A sorte é que era a cena final da
novela, pois o elenco todo teve uma crise incontrolável de riso.
Aliás, o riso dentro de um
estúdio é uma praga. Certa vez no Clube
Juvenil Toddy eu passei por esse dissabor.
Nosso programa tinha muitos
ouvintes em São Paulo , onde havia uma
grande colônia japonesa. Na transmissão Rádio
Repórter Juvenil, eu tinha que dizer o nome de uma jovem ouvinte e sócia do
Clube Juvenil Toddy: Maria Helena
Xírico.
Mas na hora saiu Maria Helena
Chilique.
Renato Matos e Francisco José que
liam o noticiário comigo, tiveram uma crise incontrolável de riso na qual
também embarquei. .Mas conseguimos concluir o noticiário e o operador entrou
com uma passagem musical. Mas quem contornou o problema foi a professora Maria
de Lourdes Alves, produtora do programa, que calmamente assumiu a situação e
pediu desculpas à ouvinte.
Programa terminado fomos chamados a um canto e veio
aquela bronca tanto do ensaiador , Cahué Filho, quanto da professora Maria de Lourdes.
Quase não dormi naquela noite,
tamanha a vergonha.
Professora Maria de Lourdes Alves e os jovens no estúdio da Nacional.Roberto Salvador, blazer branco e Renato o penúltimo à direita, protagonizaram a radiocacetada.
A Oração da Ave Maria de Julio Louzada,foi um fenômeno no rádio.
Por todo o Brasil houve centenas de imitadores. Logo, logo, praticamente todas
as emissoras de radio do Brasil tinha a sua Oração
da Ave Maria.
Julio Louzada: criador da Oração da Ave Maria.
Louzada tinha uma forte e bela
voz. Seu improviso era perfeito. Um
homem simples e culto. Passava sinceridade, daí, possivelmente a explicação
para seu enorme sucesso.
...empregados, comerciantes, funcionários, reclusos e você no seu leito
de dor, vamos todos rezar, a oração da Ave Maria”!
E ele rezava, já agora tendo ao
fundo a Ave Maria de Gounot cantada
pelo lendário Enrico Caruso. Como disse, a quase totalidade das emissoras de
rádio do país tinha a sua oração da Ave Maria. Uma delas era a rádio
Farroupilha de Porto Alegre. E isto me lembra...
...MAIS RADIOCACETADAS
Vamos a elas. Na Farroupilha,
cabia a um padre apresentar o programa. Ele chegava religiosamente, sem trocadilhos,
à radio minutos antes de entrar no ar e
fazia o programa nos mesmos moldes do Louzada. As músicas de fundo eram as
mesmas.
Não havia o que ensaiar pois tudo
era sempre igual, todos os dias. Um dia o operador do programa faltou e foi
substituído por outro. Sem problemas, era só colocar a música em fundo enquanto
o padre falava.
Quando este começa a rezar a Ave
Maria, operador coloca o fundo musical muito alto. O padre não gosta e faz sinal com a mão para o operador baixar
a música. Este, entende que era para se ajoelhar e então se ajoelha por trás da
parede de vidro e deixa a música rolando alta, para desespero do padre.
Só aparecia o topete do operador...
O curioso é que, ao sinal do
padre, meia-dúzia de pessoas que eventualmente assistiam ao programa do
estúdio, também se ajoelharam e baixaram suas cabeças contritamente
Ainda sobre a Oração da Ave Maria : o programa era
patrocinado por um remédio para o fígado, chamado Hepatina Nossa Senhora da Penha.Antes da transmissão o locutor que
tinha seus salários atrasados, foi até a sala do diretor e reclamou da falta de
pagamento. O diretor respondeu mal ao
locutor e este saiu revoltado, não só pelo atraso do salário,mas também pela
forma grosseira com que fora tratado. Vai direto para o estúdio com a raiva
contida. Ao anunciar o do programa o
locutor deveria dizer:
E agora, senhores ouvintes a Rádio Tamoio tem o prazer de apresentar a
Oração da Ave Maria, na palavra de Júlio Louzada.
Este programa tem o patrocínio da Hepatina Nossa Senhora da Penha.
Eu disse: Hepatina Nossa Senhora da Penha.
Mas o que saiu na hora foi isto:
E agora, senhores ouvintes a rádio Tamoio tem o prazer de apresentar a
Oração da Ave Maria, na palavra de Júlio Louzada.
Este programa tem o patrocínio da Hepatina Nossa Senhora da Penha.
Eu disse Hepatina ??? Nossa Senhora da Penha!!!
Microfone RCA muito usado no rádio dos anos 50.
Nenhum comentário:
Postar um comentário