segunda-feira, 23 de novembro de 2015

CONHECENDO NOVAS GAFES DO VELHO RÁDIO

VAMOS A MAIS RADIOCACETADAS?
Ressaltamos uma vez mais que os programas eram todos "ao vivo". Eram programas que envolviam, alguns deles, uma grande equipe de técnicos, músicos,cantores, radioatores e locutores. Havia ensaios e eram todos competentes profissionais. Mas as vezes ... um escorregão e vinha a falha. Por ser "ao vivo", algumas vezes se tentava salvar a cena. Contudo, acontecia que "a emenda saia pior que o soneto".
Algumas gafes, que eu chamo aqui de radiocacetadas, entraram para o anedotário do rádio. Eis mais algumas.


Tenho duas histórias para contar. Uma sobre a roda de madeira e outra sobre tiros dentro de um estúdio com o revólver de festim.
Quero explicar que roda de madeira era esta. Era uma roda que ao girar, friccionava um pedaço de couro duro e ressecado. Produzia um ruido que se assemelhava a uma porta rangendo. Era usada em cenas de mistério, de castelos mal assombrados e masmorras.
Vamos à gafe com a roda de madeira. Certo dia, ao saber que o presidente Eurico Dutra iria visitar a rádio, Vitor Costa, então diretor de radioteatro expediu circular a todos os funcionários para que deixassem seus setores arrumados . Essas providências que sempre se tomam quando vai visita  na casa da gente.
Manuelzinho era um  jovem imigrante português recém-chegado da terrinha ainda com suas faces coradas, era o encarregado da  faxina no estúdio. Cheguei a conhecê-lo pessoalmente quando entrei para a rádio.
Pois Manuelzinho que recebera ordens para dar uma faxina no estúdio e deixá-lo  um  brinco, não fez por menos: ao verificar que aquela roda fazia “um certo barulho”, passei-lhe um Óleo de Peroba e assim o problema ficou resolvido”.
Resultado o efeito que era muito utilizado em programas de terror como o Sombra, ficou inoperante vários dias, até que se providenciasse um novo eixo sem lubrificação.

Óleo de Peroba:
 bom para os móveis, ruim para os efeitos especiais


Nesta "casa" dentro do estúdio se produziam os efeitos sonoros para as novelas

Victor Costa: 
 o cérebro do radioteatro da Nacional


Sobre o tiro. Foi num programa que havia às terças-feiras às 22 horas: As aventuras do Sombra.
O Sombra vinha dos Estados Unidos onde se chamava  Shadow. Em São Paulo era vivido por Gabus Mendes e no Rio por Saint-Clair Lopes.
Cabia a Herrera Filho fazer a adaptação brasileira. Era um desafio mostrar um personagem invisível através do rádio. Mas a solução foi encontrada. A voz do ator era normal, mas quando o personagem virava o Sombra e ficava invisível, o ator fazia uma voz cavernosa. Era a senha que o ouvinte já  entendia.
-Quem sabe o mal que se esconde dentro dos corações humanos? O Sombra sabe!
E vinha aquela risada  sarcástica:
Ah... ah... ah... ah...!

Saint Clair era o Detetive Sombra.

Floriano: faca que deu tiros.

Numa noite contracenavam o bandido: Floriano Faissal e o detetive Sombra, Saint-Clair Lopes.
Floriano ameaça o detetive com um revólver que dispararia em seguida;
- Vou te matar com este revólver !
Mas o revólver falhou, talvez por causa do ar condicionado do estúdio.Só se ouviu, para desespero do contrarregra, um frustrante “tec, tec,tec”.
Floriano, com grande presença de espírito, para consertar a cena, exclama:
-Meu revólver  falhou, mas vou te matar com esta faca !
Mas ai, finalmente, saiu o tiro.
Foi a primeira facada a pólvora do rádio brasileiro.
A partir deste incidente, os revólveres foram abandonados.  Os “inventores” contrarregras passaram a colocar diversas espoletas numa placa de ferro. Na hora que tinha que sair o tiro dava-se uma martelada na espoleta e esta disparava. Não havia erro. Se falhava uma, rapidamente, martelava-se a espoleta da carreira do lado.
Nunca mais  houve balas perdidas no radioteatro.


O carinho que Vitor Costa tinha pelo estúdio de radioteatro  era tamanho que ele o considerava um lugar especial. Tanto assim   que havia exigência de todos os atores se apresentarem “dignamente trajados”.
Não havia desculpa, o ar condicionado era perfeito, o ambiente limpo, organizado e confortável e por isso Vitor entendia que todos deveriam se apresentar: os homens de paletó e gravata e as senhoras  elegantemente vestidas. Assim dizia o aviso afixado no quadro da sala dos atores.
Isis de Oliveira nos tempos da Nacional

Isis de Oliveira me relatou que possuía uma coleção de taillers, que até hoje estão em moda,  que na época também se costumava chamar de costumes.
Eu tinha uma variedade. Uns para o verão e outros para o inverno. Era uma solução para eu me trajar com elegância e praticidade.Eu só mudava a blusa. De dia era uma blusa mais leve e à noite, nos programas montados, usava uma mais fina.Declarou-me a maior estrela das radionovelas da Nacional.
Mesmo depois que  Vitor Costa deixou a emissora a  exigência  continuou mantida.
Certa feita, Floriano estava fora do estúdio, de gravata,  mas sem o paletó. Nisso é abordado no corredor e chamado às pressas para entrar no ar no lugar de um ator que se sentira mal. Ele tinha que dizer apenas uma frase no final do capítulo.
Foi assim: um médico se aproxima do marido e diz:
-Senhor, sua  mulher vai ter que fazer uma delicada cirurgia.
Ao  marido bastava dizer:
-Ai!   Não doutor!
Na hora da fala, eis que  entra na técnica o Moacyr Areas, superintendente da emissora.
Floriano,  que estava sem paletó ficou  transtornado. Nervoso. Logo ele que tinha que dar o exemplo!
O ensaiador colocou o dedo no script  indicando a Floriano a frase que deveria dizer.
E a cena foi para o ar assim:
-Senhor, sua mulher vai ter que fazer uma delicada cirurgia.
-Ai não, doutor !
A sorte é que era a cena final da novela, pois o elenco todo teve uma crise incontrolável de riso.
Aliás, o riso dentro de um estúdio é uma praga. Certa vez no Clube Juvenil Toddy eu passei por esse dissabor.
Nosso programa tinha muitos ouvintes em  São Paulo, onde havia uma grande colônia japonesa. Na transmissão Rádio Repórter Juvenil, eu tinha que dizer o nome de uma jovem ouvinte e sócia do Clube Juvenil Toddy: Maria Helena Xírico.
Mas na hora saiu Maria Helena Chilique.
Renato Matos e Francisco José que liam o noticiário comigo, tiveram uma crise incontrolável de riso na qual também embarquei. .Mas conseguimos concluir o noticiário e o operador entrou com uma passagem musical. Mas quem contornou o problema foi a professora Maria de Lourdes Alves, produtora do programa, que calmamente assumiu a situação e pediu desculpas à ouvinte.
Programa  terminado fomos chamados a um canto e veio aquela bronca tanto do ensaiador , Cahué Filho, quanto da  professora Maria de Lourdes.
Quase não dormi naquela noite, tamanha a vergonha.
Professora Maria de Lourdes Alves e os jovens no estúdio da Nacional.Roberto Salvador, blazer branco e Renato o penúltimo à direita, protagonizaram a radiocacetada.

 A Oração da Ave Maria de Julio Louzada,foi um fenômeno no rádio. Por todo o Brasil houve centenas de imitadores. Logo, logo, praticamente todas as emissoras de radio do Brasil tinha a sua Oração da Ave Maria.
Julio Louzada: criador da Oração da Ave Maria.

 De segunda a sexta-feira, pontualmente às 6 da tarde, na hora do Ângelus Louzada  abria o programa e falava coisas bonitas, elevadas e enaltecedoras, com uma Ave Maria orquestrada em fundo.Eram feitas também intenções e pedidos, com os ouvintes mandando cartas  com intercessões a alguns santos . 
Louzada tinha uma forte e bela voz.  Seu improviso era perfeito. Um homem simples e culto. Passava sinceridade, daí, possivelmente a explicação para seu enorme sucesso.
 “Nesta hora em que todos nós nos reunimos, eu deste microfone amigo e você do recesso sacrossanto do seu lar” ...    
...empregados, comerciantes, funcionários, reclusos e você no seu leito de dor, vamos todos rezar, a oração da Ave Maria”!
 E ele rezava, já agora tendo ao fundo a Ave Maria de Gounot cantada pelo lendário Enrico Caruso. Como disse, a quase totalidade das emissoras de rádio do país tinha a sua oração da Ave Maria. Uma delas era a rádio Farroupilha de Porto Alegre. E isto me lembra...

...MAIS RADIOCACETADAS

Vamos a elas. Na Farroupilha, cabia a um padre apresentar o programa. Ele chegava religiosamente, sem trocadilhos, à radio  minutos antes de entrar no ar e fazia o programa nos mesmos moldes do Louzada. As músicas de fundo eram as mesmas.
Não havia o que ensaiar pois tudo era sempre igual, todos os dias. Um dia o operador do programa faltou e foi substituído por outro. Sem problemas, era só colocar a música em fundo enquanto o padre falava.

Quando este começa a rezar a Ave Maria, operador coloca o fundo musical muito alto. O padre não gosta  e faz sinal com a mão para o operador baixar a música. Este, entende que era para se ajoelhar e então se ajoelha por trás da parede de vidro e deixa a música rolando alta, para desespero do padre.
Só aparecia o topete do  operador...

O curioso é que, ao sinal do padre, meia-dúzia de pessoas que eventualmente assistiam ao programa do estúdio, também se ajoelharam e baixaram suas cabeças contritamente
Ainda sobre a Oração da Ave Maria : o programa era patrocinado por um remédio para o fígado, chamado Hepatina Nossa Senhora da Penha.Antes da transmissão o locutor que tinha seus salários atrasados, foi até a sala do diretor e reclamou da falta de pagamento. O diretor  respondeu mal ao locutor e este saiu revoltado, não só pelo atraso do salário,mas também pela forma grosseira com que fora tratado. Vai direto para o estúdio com a raiva contida. Ao  anunciar o do programa o locutor deveria dizer:

E agora, senhores ouvintes a Rádio Tamoio tem o prazer de apresentar a Oração da Ave Maria, na palavra de Júlio Louzada.
Este programa tem o patrocínio da Hepatina Nossa Senhora da Penha.
Eu disse: Hepatina Nossa Senhora da Penha.

Mas o que saiu na hora foi isto:


E agora, senhores ouvintes a rádio Tamoio tem o prazer de apresentar a Oração da Ave Maria, na palavra de Júlio Louzada.
Este programa tem o patrocínio da Hepatina Nossa Senhora da Penha.
Eu disse Hepatina ??? Nossa Senhora da Penha!!!


Microfone RCA muito usado no rádio dos anos 50.



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