quarta-feira, 14 de maio de 2014

OS GRANDES PROGRAMAS MONTADOS: NOITES DE GALA DO VELHO RÁDIO

 Os programas montados, título  criado por Almirante para denominar os grandes programas que reuniam elenco de radioteatro, coro,  orquestra e cantores. Geralmente eram noturnos e patrocinados por grandes empresas.
Os produtores, os melhores do rádio, entre eles, Lourival Marques, José Mauro, Paulo Roberto, Haroldo Barbosa e outros.
Lourival Marques, por exemplo, produzia todas as 3ª.feiras às 21 e trinta um dos mais lindos programas  noturnos da Nacional: A canção da lembrança.
Era patrocinado por Phimatosan e constava de um glamoroso bate-papo entre um casal que ficava recordando músicas de filmes antigos, daí o título. O casal lembrava um filme, falava um pouco sobre ele e citava a canção que serviu de tema para o filme.
Ai vinha a música, geralmente vertida para o português com um cantor ao vivo à frente de uma grande orquestra. Lourival era dono de um invejável arquivo musical. Ele recebia da Embaixada Americana muitas fitas e discos com gravações de musicais americanos e programas de rádio da Voz da América.  Possuía também muitos livros que falavam de filmes e letras de lindas canções  em inglês.  Os arranjos eram maravilhosos, geralmente de Leo Peracchi , Ercole Vareto,Alberto Lazolli, Lírio Panicalli ou Radamés Gnatalli.  Peracchi era o autor do prefixo musical e das passagens de grande beleza.
No vibrante arranjo da abertura do programa a cargo da mini-sinfônica  da rádio, havia a participação da cantora Lenita Bruno, dona de uma linda e educada voz. Lenita era esposa de Peracchi e também cantava melodias durante o programa.
Os locutores eram Jorge Cury e Reinaldo Costa. que anunciavam :-A Canção da lembrança é um programa de Lourival Marques, para Phimatosan,  um tônico poderoso”! Era, na verdade, um dos mais lindos  programas noturnos da  Nacional, de extremo bom gosto e categoria.
RADAMÉS GNATALI, LEO PERACCHI, LIRIO PANICALLI, ALBERTO LAZOLLI : MAESTROS E ARRANJADORES A FRENTE DA ORQUESTRA DA RADIO NACIONAL
A ORQUESTRA DA RÁDIO NACIONAL, NA VERDADE UMA  MINI-SINFÔNICA, ERA FORMADA POR 40 PROFESSORES

MARILIA BATISTA, BIDU REIS E REGINA CÉLIA: AS TRÊS MARIAS. ESTRELAS DOS PROGRAMAS NOTURNOS

BIDU REIS, PAULO TAPAJÓS E ALBERTINHO FORTUNA: TRIO MELODIA, SE APRESENTAVAM COM FREQUÊNCIA NA CANÇÃO DA LEMBRANÇA


Todas as sextas feiras ás 10 da noite era a vez de Quando os maestros se encontram. Além dos maestros titulares da emissora poderiam participar também regentes convidados. Foi um dos maiores programas musicais do rádio brasileiro. Os ouvintes de gosto musical apurado não perdiam os recitais, que podiam também ser assistidos por um auditório comportado.A orquestra se apresentava completa e as vezes com o coral da emissora, sob as regência do maestro Carlos Monteiro de Souza. 
           Orquestra Sinfônica da Rádio Nacional em noite de gala

Outro programa que durante muitos anos liderou a audiência  com grande brilho e bom gosto foi o Rádio Almanaque Kolynos.


Esse programa  era uma criação do genial produtor de rádio José Mauro, irmão do grande cineasta pioneiro Humberto Mauro.
PAULO TAPAJÓS CHEGOU A SER DIRETOR MUSICAL DA NACIONAL. JOSE MAURO, PRIMEIRO PRODUTOR DO RADIO-ALMANAQUE KOLYNOS, FOI SUBSTITUÍDO POR ELE, QUANDO MIGROU PARA A TUPI.

JOSÉ MAURO,UM MITO DOS PROGRAMAS MONTADOS.A HABILIDADE DE FLORIANO  E DOS ARTISTAS ENVOLVIDOS

Vamos falar primeiro de José Mauro, um dos gênios de nosso rádio, brilhou em todas as estações de rádio por onde passou, deixando sua marca nas programações que dirigiu.
Na rádio Nacional do anos quarenta ele não deixou por menos. Entre os inúmeros programas que criou e dirigiu, cito agora o Rádio Almanaque
Nesse programa José Mauro  selecionava  um tema e o desenvolvia sob diversos aspectos, ilustrando-o com cenas de radioteatro emolduradas por  uma trilha musical,especialmente produzida, executada pela grande orquestra. Era uma trilha para cada programa. Um verdadeira obra-prima musical que pontuava as ações encaminhadas por uma narrador, tudo muito cronometricamente.

QUATRO AZES E UM CORINGA


O REGIONAL DE DANTE SANTORO

O  ensaio era duas horas antes do programa entrar no ar. O diretor musical Paulo Tapajós possuía um perfeito entrosamento com o ensaiador do programa de maneira que as falas do narrador  e a participação dos radioatores, casasse perfeitamente com o tamanho das frases musicais.
O profissionalismo dos músicos da orquestra era de alto nível. Todos professores,  liam suas partituras de “primeira”. O mesmo acontecia com os atores.
A radioatriz Isis de Oliveira conta:  nestes programas havia um ensaio no andar 22 com o diretor que geralmente era Floriano Faissal. Em seguida o elenco descia para o grande estúdio do 21 onde já estava a orquestra reunida e então era feita uma leitura com a orquestra.Acontece que nem sempre esse ensaio com a orquestra era possível se fazer. Nós atores, ficamos então atentos ao Floriano, o qual, entrosado com o maestro dava os sinais para nossas entradas, pausas ou velocidade de leitura.
Havia muito profissionalismo, tanto por parte da orquestra quanto do elenco e assim tudo saia perfeito!
ISIS DE OLIVEIRA AO CENTRO, LADEADA Á ESQUERDA POR MARION, LOLITA FRANÇA, PAULO GRACINDO, ISMÊNIA DOS SANTOS E NEUZA MARIA.

Havia, portanto, a figura do maestro à frente da orquestra que dava  sinais ao ensaiador, para a entrada dos atores no momento de suas falas.
Floriano, horas antes, fazia ele, um ensaio com o maestro e marcava os tempos das músicas em seu script. Dessa maneira ele tinha condições de ir dando os sinais para os atores, que deveriam ler as falas no tempo certo da música. Era uma enorme responsabilidade que exigia do diretor ter bom ouvido, sensibilidade e segurança no momento de dar os sinais. Floriano aprendera essa técnica com Vitor Costa.
Muitas vezes, ainda menino, participei de histórias infantis para os famosos Festivais GE, nas noites de terça-feira. O maestro Leo Peracchi escrevia umas trilhas lindas que eram executadas pela sinfônica da rádio. Vitor Costa tinha um código. Mão no meu ombro. Quando apertava era para eu falar. Quando soltava eu parava, dando uma pausa, para a orquestra poder subir. E era assim. Dava tudo certo! Conta Abelardo Santos.
ABELARDO SANTOS ERA MENINO E PARTICIPAVA DOS MUSICAIS NOTURNOS DA NACIONAL. AQUI AO LADO DE MARION DUARTE NO LANÇAMENTO DO LIVRO A ERA DO RADIOTEATRO COM O AUTOR DO BLOG.

 Enquanto isso no controle de som, havia um  segundo maestro, que, com a partitura e o roteiro à sua frente dava ordens,  ao operador de um microfone  que se deslocava sobre uma base acima  das cabeças dos músicos. Esse microfone era chamado de girafa ou “boom”. Era uma base com rodas, onde se prendia uma haste com o outra haste em ângulo de 45 graus  de onde pendia um microfone.
A fim de captar melhor o som  dos instrumentos da orquestra, o operador do boom, sob as ordens do segundo maestro que lhe chegavam pelos  headphones, deslocava o girafa segundos antes para junto desse ou daquele instrumento ou grupo de instrumentos musicais.
Toda essa importante manobra  se processava para suprir uma deficiência das mesas de som da época.
Essas mesas só podiam receber 4 microfones.  Os técnicos descobriram que, ligando os microfones em série, se poderia obter um resultado tal, como se tivéssemos oito microfones.
O passeio do boom pelo estúdio, se aproximando dos instrumentos na hora certa, funcionava como se tivéssemos em mãos diversos microfones, evitando-se, assim, que um instrumento abafasse o outro o que produziria  um “som chapado” que os maestros odiavam..
A manobra do boom  está muito bem descrita no  excelente livro de Luis Carlos Saroldi e Sonia Virginia Moreira denominado Nas ondas da rádio Nacional onde os autores dão um título muito espirituoso ao  relato de Paulo Tapajós: “Uma girafa passeia pelo estúdio”.
Rádio Almanaque, Festivais GE, A canção da lembrança, Quando os maestros se encontram, Um milhão de melodias, Curiosidades musicais, Gente que brilha,  e outros programas do gênero eram gravados conforme iam ao ar, em discos de acetato de 16  polegadas. Terminado o programa toda a equipe se reunia num estúdio ocioso ou na discoteca e ouvia o programa. Era  um laboratório, uma auto-avaliação do que havia ido ao ar e se analisava técnica e artisticamente a produção, corrigindo falhas,  buscando um  aprimoramento.
Por isso a Nacional se  transformou, no decorrer dos anos, em um verdadeiro modelo, uma referência no rádio de sua época.
Uma escola de rádio.
E José Mauro era um dos mestres dessa escola.

Quando José Mauro foi para a Tupi o Rádio Almanaque conheceu outros produtores. Em certo período Haroldo Barbosa alternava com Paulo Roberto a redação do programa. Lourival Marques o escreveu  nos anos cinquenta.
Um milhão de melodias foi um dos maiores musicais do rádio brasileiro.  Só musica popular brasileira de primeira qualidade e que recebia arranjos elaborados da equipe de maestros da emissora.
Dirigido por Paulo Tapajós, marcou o lançamento de Coca-Cola no Brasil no incio dos anos 40 em plena Segunda Guerra Mundial.
ORLANDO SILVA E MARI LIA BARBOSA,ATRAÇÕES DE UM MILHÃO DE MELODIAS


ESTRELAS DOS ANOS 50: ENTRE OUTROS, SEVERINO FILHO,BADECO (COM VIOLÃO) BOB NELSON,CELESTE AIDA, OSCARITO, DALVA DE OLIVEIRA, RUY REI, EMILINHA BORBA, COLÉ, PEDRO CELESTINO. AGACHASDOS:  JOSÉ PONTES E TRIGEMEOS VOCALISTAS.


A produção do programas montados era trabalhosa, porque exigia muita pesquisa e criatividade para quem produzia e fôlego e talento para quem realizava. Mas tudo isso era o que não faltava  àqueles radialistas.

8 comentários:

  1. Oi, você teria alguma dica pra eu conseguir informações sobre Ercole Vareto, por favor? Não consigo achar nada na rede. Desde já, muito obrigado!

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  2. Felipe, pesquisei mas não encontrei nada significante sobre o maestro Vareto. Apurei que fez parte do grupo de arranjadores e regentes da Nacional. Contudo ele não era o top de linha como o eram Radamés, Leo Peracchi, Lyrio Panicali ou Alceu Bocchino. Vareto regia mais a orquestra nos programas diurnos como Seu Criado Obrigado, Musicais matinais etc. Também produzia vinhetas de 30 segundos que ilustravam os diversos programas montados da noite. Além disso regia a orquestra em alguns musicais diurnos transmitidos do auditório.

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    1. Muito obrigado!
      Aproveito para mais uma pergunta, por favor: você saberia indicar também alguns arquivos onde podem estar as partituras de alguns desses arranjos feitos à época por esses mestres? Oriento pesquisas aqui na Ufsc, estamos precisando dessa informação, ou pelo menos de vestígios para começar uma busca. Em janeiro vou ao Rio, poderia aproveitar a viagem.
      Mais uma vez, desde já, muito obrigado!

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    2. Felipe, tudo está disponível no Museu da Imagem e do Som do Rio já digitalizado. Há programas inclusive com Vareto como maestro. Sei um de cabeça porque irei usá-lo em um video que estou produzindo - Horário dos Cartazes de 21 de maio de 1957 com Emilinha e Ivon Curi

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  3. Obrigado Sergio Lima Nascimento pela preciosa informação ao nosso pesquisador Felipe. Continue prestigiando nosso blog sobre a História do Rádio!

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  4. Oi Sérgio, desculpe a demora absurda na resposta! Vi agora sua indicação, que me deixou muito contente! Procurei no site do MIS, mas não consegui encontrar algo por nome (Vareto, Emilinha etc) ou pelas palavras (cartazes etc) -- muito provavelmente estou fazendo algo errado. Se não for muito abuso, você teria mais alguma dica, por favor?

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  5. O conjunto Trigemeos Vocalistas costumava apresentar-se no programa Paulo Gracindo e, invariavelmente, iniciava suas apresentações com uma musica bem curta, sem letra inteligível, só com onomatopeias.
    Existe alguma gravação disso ?

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  6. J. Gilberto não conheço a gravação comercial a que você alude. Talvez no arquivo do Museu da Imagem e do Som no acervo da Nacional. Eles se apresentavam também no Nada Além de Dois minutos de Paulo Roberto. Comigo não tenho nada deles, embora os apreciasse muito pela alegria e histrionismo com que se apresentavam. Se você é do Rio e puder consultar os arquivos do MIS pode ser que consiga. Boa sorte! e obrigado por seu contato.

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