segunda-feira, 14 de abril de 2014

O MOVIMENTO DE 31 DE MARÇO DE 1964 E A RÁDIO NACIONAL



Chegou o ano de 1964.
Quando do golpe militar de 1º. de abril, estabeleceu-se o caos na Nacional, sendo a emissora ocupada por tropas do Exército.
 Estimulado por estes acontecimentos o presidente João Goulart acabou por anunciar as Reformas de base no dia 22 de fevereiro de 1964.  No dia 13 de março houve o histórico comício da Central do Brasil, bem em frente ao ministério da Guerra. Ao discursar o presidente Goulart anunciou o congelamento dos aluguéis, diante de um mar de faixas de protestos.
Os militares  recebiam tais gestos como um acinte.
Quatro dias depois desse discurso o líder comunista Luiz Carlos Prestes pressionou Jango no sentido de que o presidente tomasse uma definição.
Era demais. O  germe do movimento militar que amadurecia latente desde a renúncia de Jânio em 24 de agosto de 1961 aflorou. Assim, em 31 de março tropas vindas de São Paulo e Minas marcharam em direção ao estado da Guanabara, uma vez que Jango encontrava-se no Rio.

Vamos voltar um pouco nos fatos para dizer, que aqueles dias conturbados do final do governo João Goulart envolveram a Nacional. E não poderia ser  de outra forma,tendo em vista ser a emissora um reduto de figuras destacadas, atuantes, de projeção nacional e formadoras de opinião. Desde que Jango tomara posse em 1961 que a emissora vinha dividida. De um lado os simpatizantes de Jango e defensores do regime. De outro aqueles que se opunham ao caos e segundo alguns “à baderna que imperava na rádio”.
Dessa forma, quando a rádio foi tomada pelos militares na tarde de 1º. de  abril passou a acontecer de tudo. Cassações, perseguições, prisões, violências e traições.

As cassações eram sumárias e os militares, pelo simples fato de “ouvi dizer, numa conversa de corredor”, interrogavam, condenavam,  prendiam,  afastavam e  demitiam. Os mais visados fugiram ou se exilaram. Outros, submetidos a interrogatórios. Alguns  foram proibidos de sequer freqüentar as instalações da emissora.Os  que caíram em desgraça, pertenciam aos mais diversos quadros. Iam,desde simples funcionários a redatores, novelistas, produtores, cantores, músicos, técnicos, locutores ou radioatores. Foi um show de arbitrariedade, um festival de injustiças, um recital de iniquidade. Em suma, uma tragédia para a emissora e para os envolvidos, que o mais cruel dos enredos de novelas ousaria apresentar.

E O GIGANTE DA PRAÇA MAUÁ 7 CAMBALEOU
AFINAL,QUE ORGANIZAÇÃO RESISTIRIA A  GOLPE SEMELHANTE?

Mas, nesses tempos conturbados,houve também muita solidariedade.  Alguns artistas que permaneceram tentaram substituir os colegas atingidos. Acumulavam funções, de modo a que seus programas não saíssem do ar. Renato Murce, por exemplo, grande amigo de Paulo Roberto, num esforço sobre humano, além de escrever seus programas, escrevia também os do médico radialista, na esperança que as coisas se aclarassem e Paulo retornasse aos quadros da emissora.
Não retornou.
Uma novela  chamada  Primavera sem flores de autoria de Cícero Acayaba que estava no ar, no ar continuou, embora sem a citação do autor, para não despertar a ira dos interventores militares. Aliás  outra novela de Acaiaba retornaria ao ar em 1966, embora o escritor estivesse demitido
Os ouvintes em todo o Brasil, como sem entender muito bem o que ocorria com a rádio, tiveram que ouvir as vozes de outros atores que substituíam os personagens nos capítulos das novelas.
E indagavam: onde está Gerdal? Por que Isis de Oliveira não aparece nas novelas? Cadê o Mário Lago? E o “Anjo” sem Rodney Gomes! Não ouço mais a Wanda Lacerda, o Mário Brasini e os Gracindo (Pai e filho)?
Aos poucos, os programas assinados  pelos cassados, demitidos e afastados foram saindo do ar, paulatinamente. De repente,  a programação da rádio transformou-se em uma programação fantasma, cheia de lacunas e programas tampão.

O Diário Oficial de 24 de julho de 1964 publicava a demissão dos funcionários dos quadros  das Empresas Incorporadas ao Patrimônio da União,sem prejuízo sanções penais a que estejam sujeitos”.

Eis, a seguir, a relação dos demitidos. 

A título de esclarecimento incluo ao lado algo sobre cada um deles, que consegui levantar.


Heitor dos Prazeres – maestro e músico
Dalisio Machado
Edmo do Valle- contra regra pioneiro.Ajudou a montar o estúdio de radioteatro
Elias Haddad
Gerdal Renner dos Santos- radioator de destaque
Iracema Ferreira Maia- a cantora Nora Nei.
Jorge Neves Bastos. O cantor Jorge Goulart
Jose Luiz Rodrigues Calazans
Jose Marques Gomes- Paulo Roberto,médico e  um dos grandes produtores
Mario Lago- novelista,compositor, radioator e narrador de novelas
Penha Marion Pereira (Marion)- cantora
Rodney Gomes- radioator (As aventuras do Anjo)
Severino do Brasil Manique Junior
Antonio Ivan Gonzaga de Faria
Adelaide Andrade Teixeira
Epaminondas Xavier Gracindo- Gracindo Junior, radioator, filho de Paulo Gracindo
Fernando Barros da Silva
Francisco de Assis Pires
Jose Palmeira Guimarães
Jairo Argileu de Carmo e Silva- um dos mais importantes locutores.
Jose Geraldo da Luz - radioator
Jolio Anastacio Garreta Prates- Narrador de novelas e apresentador
Jorge Viana da Silva
Mario Farias Brasini- Co-produtor  do Balança mas não cai e outros. Também radioator.
Newton Marin da Mata- radioator
Oduvaldo Vianna- novelista de destaque
Ovidio Chaves
Paulo Grazioli
Sergio Moura Bicca
Wanda Lacerda-  importante radioatriz. Casada com Mário Brasini
Alfredo de Freitas Dias Gomes- Novelista
Antonio Teixeira Filho
Jose Gomes Talarico- jornalista
João de Souza Lima
João Fagundes de Menezes
Hemilcio Jose Froes- radioator era o diretor geral da Nacional
Gracindo Junior, o jovem cassado e demitido em 64

                                O veterano Gracindo Junior inaugura o novo auditório da Nacional
                                                          ao lado de Lucinha Lins e Marlene

Jorge Goulart demitido em 64, 45 anos depois pouco antes de morrer vitimado por câncer de laringe que lhe tiraria a bela voz

Nora Nei, mulher de Jorge Goulart: cassação ao retornar de turnê pela União Soviética.

Mário Lago, Floriano Faissal, Mafra Filho e Ismênia dos Santos.
Lago, havia sido preso várias vezes antes de 64. Era filiado ao Partido Comunista.

Rodney Gomes, cassado em 64.
 Anistiado foi trabalhar no radioteatro da Rádio MEC onde se aposentou.

Roberto Salvador, autor do blog, Gerdal dos Santos e o sonoplasta Geraldo José.
Gerdal, demitido em 64, anistiado, retornou á Nacional onde permanece até hoje.
Roberto e Eládio Nunes no programa de Gerdal dos Santos.
Gerdal e Daisy Lúcide são os mais antigos artistas da Nacional, testemunhas da catástrofe de 1964.


Não resta dúvida que alguns demitidos eram simpatizantes de esquerda e participavam de atividades sindicais. Mas  outros serviam aos ideais da emissora, que, afinal de contas pertenciam ao Patrimônio da União.


Depondo perante os militares, Paulo Roberto, ao responder à indagação sobre onde estava no dia 31 de março,  afirmou enfático:

Eu estava trabalhando na emissora, servindo ao governo que me paga. O senhor não estava em seu quartel?

Foi afastado  e depois  demitido.
Paulo Roberto ao ler sua crônica Bom dia compadre, na manhã de 1o. de abril, defendendo o presidente Goulart, provocou a ira dos militares.

Os colegas  não  envolvidos sabiam das injustiças que estavam sendo cometidas e buscaram, dentro de suas possibilidades, segurar as pontas dos companheiros. Tinham esperanças que, ao baixar a poeira muita coisa fosse esclarecida.
A poeira não baixou e as iniquidades seguiram.
Com muito esforço a programação foi mantida nos anos que se seguiram e a rádio sustentou  no  ar alguns de  seus tradicionais programas.
Por exemplo: Seu criado, obrigado, de Lourival Marques, Jornal em banca, de Helio do Soveral, A cidade se diverte, de Haroldo Barbosa, Alegria da rua de Jazon Alves e até o clássico Edifício Balança, mas não cai, já então escrito por Emanuel Rodrigues e Meira Guimarães. Tais programas ficaram no ar até 1969 quando assumiu a direção Paulo Cesar Ferreira, que fez alterações na programação e para melhor.

Foi uma fase muito difícil, de muito desdobramento, e de nenhum apoio por parte do novo governo. Dela, os veteranos não gostam nem de se lembrar. A radioatriz Daisy Lùcidi revelou em depoimento  que “houve um período em que nem papel havia para escrever os programas. Foi muito triste”.
Daisy Lúcide em recente encontro com Roberto Salvador, autor do blog. Daisy viveu os dias difíceis da Nacional pós-derrocada de 64.

Mário Monjardim declarou que as cassações “ foram um duro golpe para a emissora.

A Nacional começou a cair ali. Era duro ver nossos companheiros cassados, perseguidos e punidos. Até hoje sinto uma tristeza imensa ao recordar aquele período”, declarou Monjardim em depoimento feito a este autor.

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