quarta-feira, 23 de abril de 2014

A FAIXA DOS PROGRAMAS NO FIM DE TARDE NA RADIO TAMOIO




Estamos no final dos anos 40. Foi quando a direção das  Emissoras Associadas  decidiu dar um impulso no radioteatro da Tamoio. Pegou alguns artistas do elenco da Tupi e os transferiu para a Tamoio. Como o patrão era o mesmo, ficou tudo em casa.
A Tamoio, então, (Ex-Educadora) passou a ter seu elenco próprio de radioteatro e dos bons: Newton Da Mata, que se tornaria um grande dublador até nossos dias, Thelmo de Avelar que atuaria também na rádio Ministério da Educação, Maravilha Rodrigues, o galã Antonio Leite, Nair Amorim, Mildred dos Santos, Aliomar de Matos e muitos outros.
E foi lançada, então uma programação que fez história no radioteatro carioca.
Vamos contar como foi.
A Tamoio apresentava todas as tardes Pausa para meditação, escrito por uma jovem que havia se casado com Dias Gomes e que se chamava Janete Clair.
A jovem havia escrito apenas uma novelinha para a rádio América de São Paulo quando migrou com o marido para o Rio tentar a vida, já que na capital paulista as coisas estavam difíceis.
Dias Gomes foi para a Tupi com diversos projetos de programas debaixo do braço e Janete foi contratada pela Tamoio como locutora.
Para sorte dela o diretor da rádio era Paulo de Grammond, irmão de sua madrinha de casamento Sarita Campos. Esta era figura importante no radioteatro da Tupi e conhecia muito bem Janete dos tempos de  rádio América.
Vai daí, indicou Janete para fazer parte da equipe de Pausa para meditação, na Tamoio.
A esta altura Janete estava grávida e adorou escrever para o programa, pois assim não precisava sair de casa.
Os textos de Janete eram perfeitos. Os ouvintes escreviam cartas que eram  adaptadas e radiofonizadas por ela  com  raro talento.
Eram geralmente cartas que falavam de  amor, traição,dúvida, remorso e desespero. Havia um narrador ou uma narradora que ia contando a história na primeira pessoa, intercalando-se cenas com radioatores.
A primeira Pausa para meditação foi ao ar em  11 de novembro de 1948 numa radiofonização de Aldo Viana. Além de Janete Clair outros redatores se revezavam, por sinal, todos eles de primeira linha:  Aldo Madureira,Roberto Mendes, Alcides Viana, Antonio Leite Luiz Quirino, Clímaco Cesar, José Viana, Edelzia dos Santos e até mesmo Dias Gomes.
Em entrevista à Revista do Rádio em abril de 1959 Julio Louzada responde ao repórter qual foram os casos mais comoventes de  Pausa...
Julio Louzada apresentava na Tamoio o famoso programa Pausa para meditação.


Sem dúvida  o encontro de uma mãe com seu filho do qual se achava separada havia 42 anos. O encontro se deu no auditório da Tupi, no dia em que o filho completava 43 anos. O caso da menina que perdeu uma das pernas, esmagada entre a barca e o ancoradouro quando retornava de um passeio a Paquetá, cujo apelo encontrou todo o apoio do Sr. Albano, da Ortopedia Brasil, que além de lhe dar uma perna mecânica, ajudou por muitos anos a menina. O recente caso do menino Ciro Parmaniani, que perdeu um braço num desastre de lotação e foi amparado pelos irmãos Venâncio e Veloso donos das Casas da Banha (importante rede de supermercados da época). Enfim, inúmeros casos que mostram  a identificação do programa com o público, para minorar o sofrimento de tantos infelizes que recorrem à Pausa para meditação.

Era muito interessante,  pegando o ouvinte pela emoção. O programa que começava sob os acordes de Orpheu no inferno de Offenbach era dinâmico e durava apenas 25 minutos: 22 de ação e 3 minutos com os conselhos de Julio Louzada.
A fala final do narrador,  terminava sempre com o chavão: “Que devo fazer? Me aconselha Julio Louzada”! E vinha o conselho sempre com muita classe e veemência por parte do apresentador.
È oportuno destacar que após completar dez anos no ar, o programa ganhou também um cunho mais assistencialista, conforme se pode verificar pelos exemplos citados por Louzada.
Graças ao estrondoso sucesso de Pausa... a revista O Cruzeiro, que também pertencia a Chateaubriand. passou a publicar as histórias sob a forma de fotonovela. Semanalmente, cobrindo duas páginas, uma  história era selecionada. Pesquisando alguns números, encontrei: O Cruzeiro 5 de fevereiro de 1949, Pausa para meditação apresenta A tragédia de Maria Regina.Em 12 do mesmo mês foi a vez  da carta da ouvinte Maria José, moradora no Rio Grande do Sul ter sua história, O noivo cego publicada em fotos. A beleza é minha desgraça,  saiu no número de 19 de fevereiro.
As fotos eram do consagrado José Medeiros e os textos adaptados por ninguém menos do que David Nasser. O programa, que ia ao ar às 5 da tarde, passou a ser reprisado  às nove da noite. E um fato curioso: a revista convocava os leitores a escreveram para a redação, dando conselhos e orientações  ao missivista. Assim, uma história publicada na segunda-feira, ai ao ar na segunda seguinte, com o peso dos conselhos enviados. O conselho, como de praxe era dado por Júlio Louzada. Eis ai um interessante trabalho de multimídia no final dos anos 40, utilizando rádio, revista e correio!
O programa era tão popular que a frase que o chavão que encerrava o programa virou  tema e refrão de uma marchinha carnavalesca de enorme sucesso que terminava  ...”estou desesperada! Me aconselha seu Júlio Louzada”.
O programa era “uma coqueluche,”  como se dizia na época  e graças ao sucesso
 de outro carro-chefe da Tamoio, a Oração da Ave Maria, conduziu Louzada à Câmara de Vereadores em várias legislaturas.
Somente no ano de 1953, segundo boletim da Rede das Emissoras Associadas, à qual pertencia a Tamoio, Júlio Louzada recebeu quase 50 mil cartas.
A popularidade do programa era tamanha que, além de inspirar marchinhas de carnaval, também se expressava através de piadas. Como esta, publicada na Revista do Rádio de 1958, na seção Feira de Amostras,  assinada por René Bittencourt:

Aquelas duas radialistas, que parece que não se dão, e não se dão mesmo, encontram-se novamente:
- Alô, querida!
-Alô, Bem!
-Imagine, querida, mandaram uma carta anônima ao meu marido, contando tim tim por tim tim., uma aventura amorosa que eu tive. Um namoro sem importância.
-Chi! Olha, Bem, eu não quero ser Julio Louzada, não,  mas acho que você devia contar toda a verdade ao seu marido. Vá por mim, hein!
-Ah, querida, como é que pode? Eu nem sei de que aventura se trata!....

RÁDIO TAMOIO, A EMISSORA DA FAMÍLIA BRASILEIRA, COME A TUPI E FUSTIGA A AUDIENCIA DA PODEROSA NACIONAL.

Com a providência  de realçar o radioteatro da Tamoio o resultado foi que o sucesso daquela faixa de horário foi tão grande que a Tamoio bateu a audiência da Tupi e fustigou a da Nacional,
fazendo o gigante da praça Mauá  manter-se em estado de alerta.. Era uma faixa de horário que começava às 5 da tarde com  Pausa Para Meditação,  seguida de A Oração da Ave Maria às seis, a Novela Religiosa às 6 e quinze, a Hora da saudade e finalmente a audiência era mantida até as 19 horas quando entrava no ar o Capitão Atlas. A revista Radiolândia da primeira quinzena de abril de 1954 ,publicou o seguinte:“A Rádio Tamoio quase não mantém programas com cantores exclusivos. A maior parte é de programas montados e de novelas. Sendo que a Tamoio caminha rapidamente para se transformar no paraíso das radionovelas. Todas as instalações foram remodeladas e  novos estúdios criados. Tudo refrigerado para os atores não ficarem cozidos, como vinha acontecendo até então. Apesar disso tudo, não são os atores os campeões de correspondência na Tamoio e sim Júlio Louzada com sua “Pausa para meditação” ,Recebendo perto de 4 mil cartas por mês é muito justo que existam pessoas esperando para ser atendidas há mais de anos. O Teatro das duas e meia,agora Teatro Odol, recebeu nada menos do que  35.671 cartas.
Dentro de cada um de nos há uma vontade imensa de saber o que o futuro nos reserva prova é a grande popularidade do programa do Professor Ramayano, a “Revelação do seu destino”.Apesar da exigência de duas bulas  de certo remédio que patrocina o programa 22.922 cartas chegaram ao programa em 1953. Até hoje não foram atendidos nem um terço dos pedidos dos consulentes. Mesmo assim eles continuam escrevendo e esperando. A criançada também colabora para colocar o seu programa preferido em destaque na tabela de correspondência. Temos  “As aventuras do capitão Atlas” com 19.372 cartas com  perguntas ingênuas como esta: “O mocinho tal vai ficar ferido”? O Índio quebrou a perna? Parênteses: o Índio era o amigo fiel do capitão Atlas. Mas voltando à Radiolândia:

Maria Muniz, veterana em programas femininos e sempre atuando na Tamoio, recebe perto de 100 cartas por dia. Só o seu programa Marcha Nupcial com menos de 4 meses de vida já  acusa 12 mil e poucas cartas. Léa Silva vem seguindo de perto Maria Muniz, com 1228 cartas.


A Novela Religiosa, que contava a vida dos santos, era  de autoria de Anselmo Domingos, o mesmo diretor  da famosa Revista do Rádio.
Mas  a série contou  ainda com a autoria de Maria Muniz.
Anselmo Domingos  também adaptava os capítulos de rádio e os publicava na sua revista.
Uma das novelas de maior sucesso foi a que ele escreveu sobre a vida de Santa Terezinha. Durante semanas a Revista do Rádio publicou os capítulos com enorme sucesso, isso em 1958,mas a  série já existia desde o início dos anos cinqüenta. 
A  Revista do Rádio se limitava a publicar os capítulos quase que na íntegra, suprimindo-se, tão somente, as rubricas com as indicações para a técnica, a contra-regra ou sonofonia.
O mesmo não acontecia com as adaptações que eram feitas por Oduvaldo Viana. Elas ganhavam uma forma literária, perfeitamente adaptadas  à mídia impressa.
A Novela Religiosa era um sucesso de audiência. A jovem radioatriz Nair Amorim, que entrou para a Tupi-Tamoio em 1950, possuía uma voz muito doce e por isso mesmo era sempre escalada para fazer os papéis das santinhas e de Nossa Senhora.Ela mesmo nos conta:
Eu vivia sempre as santinhas e conquistei grande admiração do público ouvinte por causa disso. Certa vez  recebi uma emocionada carta de um ouvinte na qual ele me atribuía uma graça que havia recebido. Expliquei-lhe que  eu era apenas uma atriz  e que ele deveria creditar o milagre à santa que ele devotava. Ele argumentou que eu era um instrumento da santinha e como tal  era também responsável. Fatos como esse se repetiram com vários ouvintes. Por conta disso, em determinada ocasião, a direção das Emissoras Associadas me proibiu de posar para fotos trajando maiô ou vestidos provocantes. Era para não afetar minha imagem muito ligada às minhas personagens santas.
Outro fato curioso em relação a esta faixa de horário é contado por Aliomar de Matos.
Foi muito engraçado, eu, a Mildred dos Santos, a Alba Regina e a Janeth Clair ficamos as quatro grávidas ao mesmo tempo.Foi quando o Dias Gomes comentou durante um ensaio: com essas barrigas vocês quatro não vão poder ocupar os microfones ao mesmo tempo!
A Rádio Tamoio,realmente, produzia um radioteatro da melhor qualidade. Havia no segundo andar da av. Venezuela modernos estúdios, um pequeno auditório e salas para administração e produção. O estúdio possuía, uma  cabine de som de cerca de 12 metros quadrados, uma mesa de quatro canais e dois pick-ups (toca-discos).
O estúdio, propriamente dito,  com cerca de 25 metros quadrados, possuía 3 microfones e material de contra-regra. Era o essencial, já que a programação de radioteatro se limitava àqueles horários citados. Desse estúdio é que o jovem Abelardo Barbosa- “que está com tudo e não está prosa”- animava sozinho o seu Cassino do Chacrinha.
No início de 1949, pouco antes do fatídico incêndio que relatamos no início deste livro a Tamoio lançava no ar, logo após a Oração da Ave Maria,a novela religiosa Maria, mãe dos pecadores, cabendo a Sonia Barreto viver o papel título.
Ainda em março de 49 o novelista Luiz Quirino escreveu As mil e uma noites. Ia ao ar diariamente às 19 e 45.
             Ida Gomes:  brilho no radioteatro da Tupi e
          depois na Tamoio, antes de ir para a televisão.


A Oração da Ave Maria de Julio Louzada,foi um fenômeno no rádio. Por todo o Brasil houve centenas de imitadores. Logo, logo, praticamente todas as emissoras de radio do Brasil tinha a sua Oração da Ave Maria.

De segunda a sexta-feira, pontualmente às 6 da tarde, na hora do Ângelus Louzada  abria o programa e falava coisas bonitas, elevadas e enaltecedoras, com uma Ave Maria orquestrada em fundo.Eram feitas também intenções e pedidos, com os ouvintes mandando cartas  com intercessões a alguns santos . 
Louzada tinha uma forte e bela voz.  Seu improviso era perfeito. Um homem simples e culto. Passava sinceridade, daí, possivelmente a explicação para seu enorme sucesso.

“Nesta hora em que todos nós nos reunimos, eu deste microfone amigo e você do recesso sacrossanto do seu lar” ...    
...empregados, comerciantes, funcionários, reclusos e você no seu leito de dor, vamos todos rezar, a oração da Ave Maria”!

Louzada e família em sua casa no bairro do Rocha, subúrbio do Rio de Janeiro.

Seu prestígio era tão grande que elegeu-se  várias vezes para Câmara de Vereadores do então Distrito Federal.

Estas fotos são de uma reportagem da Revista do Rádio.


E ele rezava, já agora tendo ao fundo a Ave Maria de Gounot cantada pelo lendário Enrico Caruso.
Julio Louzada tornou-se um dos mais famosos nomes do rádio por mais de duas décadas.                                     Como disse, a quase totalidade das emissoras de rádio do país tinha a sua oração da Ave Maria. Uma delas era a rádio Farroupilha de Porto Alegre. E isto me lembra...

...MAIS RADIOCACETADAS

Vamos a elas. Na Farroupilha, cabia a um padre apresentar o programa. Ele chegava religiosamente, sem trocadilhos, à radio  minutos antes de entrar no ar e fazia o programa nos mesmos moldes do Louzada. As músicas de fundo eram as mesmas.
Não havia o que ensaiar pois tudo era sempre igual, todos os dias. Um dia o operador do programa faltou e foi substituído por outro. Sem problemas, era só colocar a música em fundo enquanto o padre falava.

Quando este começa a rezar a Ave Maria, operador coloca o fundo musical muito alto. O padre não gosta  e faz sinal com a mão para o operador baixar a música. Este, entende que era para se ajoelhar e então se ajoelha por trás da parede de vidro e deixa a música rolando alta, para desespero do padre.
Só aparecia o topete do  operador...

O curioso é que, ao sinal do padre, meia-dúzia de pessoas que eventualmente assistiam ao programa do estúdio, também se ajoelharam e baixaram suas cabeças contritamente
Ainda sobre a Oração da Ave Maria : o programa era patrocinado por um remédio para o fígado, chamado Hepatina Nossa Senhora da Penha.Antes da transmissão o locutor que tinha seus salários atrasados, foi até a sala do diretor e reclamou da falta de pagamento. O diretor  respondeu mal ao locutor e este saiu revoltado, não só pelo atraso do salário,mas também pela forma grosseira com que fora tratado. Vai direto para o estúdio com a raiva contida. Ao  anunciar o do programa o locutor deveria dizer:

E agora, senhores ouvintes a Rádio Tamoio tem o prazer de apresentar a Oração da Ave Maria, na palavra de Júlio Louzada.
Este programa tem o patrocínio da Hepatina Nossa Senhora da Penha.
Eu disse: Hepatina Nossa Senhora da Penha.

Mas o que saiu na hora foi isto:


E agora, senhores ouvintes a rádio Tamoio tem o prazer de apresentar a Oração da Ave Maria, na palavra de Júlio Louzada.
Este programa tem o patrocínio da Hepatina Nossa Senhora da Penha.
Eu disse Hepatina ??? Nossa Senhora da Penha!!!


O locutor ficou sem pagamento e sem emprego e a rádio sem o locutor.

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