Os programas
humorísticos do rádio eram todos apresentados ao vivo. Embora alguns fossem
transmitidos de um estúdio a maioria o era
de um auditório com a presença de público, que vibrava, ria e aplaudia.
Os atores não faziam teatro e sim radioteatro. Quem, hoje em dia, imaginar que
os intérpretes transformavam o palco-auditório
em um palco de teatro, se engana.
Os radioatores atuavam para o país todo,
pensando mais no ouvinte de casa.
Havia, certamente, este ou aquele gesto, mas o objetivo principal era o uso da
voz e fazer dela o instrumento de interpretação, tirando o máximo partido do
texto.
Havia atores,
como Nanci Wanderley que ignoravam, solenemente, o público que lotava o
auditório. Ela chegava a cobrir o rosto com o script enquanto lia seu papel.
Mas, mesmo assim, os presentes riam e riam, pois sua voz, que ecoava pelo
ambiente e sua interpretação transportavam toda a graça.
O máximo que o
ator fazia eram caras e bocas e,
quando possível, alguns trejeitos.
Até porque, o
radioator corria o sério risco de, ao tentar gesticular ou se movimentar,,
fugir do raio de ação do microfone, ou pior, perder-se no texto.
A única exceção
estava por conta de um programa que ia ao ar às sextas-feiras às 22 horas.
Chamava-se Marlene, meu bem,
interpretado por dois radioatores que também faziam teatro: a dublê de cantora
e atriz Marlene e Luiz Delfino com a
participação de Nelma Costa. Nelma fazia novelas e também teatro. Por isso era
escalada para o programa. O script não era lido e sim decorado. Era rádio feito
para o auditório, uma vez que os atores atuavam sem papel nas mãos. O auditório
vibrava e o público em casa também, em sintonia com as reações do auditório.
Nos programas
humorísticos transmitidos do auditório não havia claque, nem risos gravados,
como a televisão faz hoje com frequência. Era tudo muito espontâneo. Se a piada
era boa, o público do auditório gostava e ria e o ouvinte em casa se contagiava
e ria também.
Havia, porém, um
fato curioso. Em alguns programas realizados em estúdio fechado, era comum que
os outros artistas presentes, inclusive
os músicos da orquestra , rissem pois estavam autorizados a isso.Mas não
era uma claque. Era tudo espontâneo e era
divertido !
Na verdade o
público se identificava com as situações criadas, porque eram todas elas
extraídas do dia-a-dia do público ouvinte..
Hoje, lançando
um olhar sobre o que rolava no humor do rádio daquele tempo, podemos constatar
que eram todos uma espécie de crônica do cotidiano da vida brasileira como
uma espécie de crítica da sociedade e dos costumes.
As questões da
fome, da miséria ou da pobreza Da
humilhação, da arrogância ou da soberba. Da malícia, da conquista, da sedução
ou do sexo. Da desonestidade ou da corrupção, tudo estava nos programas de humor.
E isto não foi
apanágio do velho rádio. Veio de muito longe, quando o homem aprendeu a rir do
insólito, do grotesco, do ridículo ou do burlesco.
Auditório da Tupi: maestro Cipó á frente da Orquestra com radioatores
e Paulo Gracindo, de branco, e Ary Barrozo.
Eis uma das mais
famosas duplas do rádio humorístico brasileiro. os dois se conheceram em 1919 e
viajavam pelo Brasil, Uruguai e Argentina. Em 1930 se separaram. È em 1937 que
Jararaca compõe com Vicente Paiva a marchinha que correria o mundo e que é até
hoje, uma das músicas brasileiras mais conhecidas: “Mamãe eu quero”.
A dupla se reconciliou
no final dos anos 30 e fazia muito sucesso no Cassino da Urca.
O rádio só veio
a conhecê-los em 1941, quando contratados pela Nacional, inauguraram o famoso
horário humorístico das sextas-feiras às 8 e 35, sob o patrocínio do sabonete
Eucalol.
Só para
recordar: depois de Jararaca e Ratinho, o horário seria ocupado pela PRK-30 em
1946 e depois pelo Edifício Balança mas
não cai.
Ratinho era um
clarinetista fantástico, com um fôlego impressionante, sustentava uma nota por
mais de um minuto, sob os comentários hilários do Jararaca. Por fim, concluía a música sob os
aplausos frenéticos do auditório.
Contavam piadas
e fatos engraçados, tudo recheado com música alegre e agitada.
A partir de
1955, Jararaca também se consagraria como o famoso Mestre Filó, criação de
Paulo Roberto para o programa Lira de Xopotó que homenageava as bandas de
música de todo o Brasil e que ia ao ar todos os sábados às 20 e trinta e cinco.
Ronaldo Conde Aguiar
em seu interessante Almanaque da Rádio
Nacional ao referir-se à famosa dupla acrescenta:
Em 1964, Jararaca, que pertencia ao Partido
Comunista Brasileiro foi demitido da
emissora, denunciado pelo apresentador Cesar de Alencar . A punição não atingiu
Ratinho, que fez, na época, um comentário melancólico: O que será do Ratinho,
sem o Jararaca? Me
digam.
Ratinho morreu em Duque de Caxias em 8 de setembro de
1972. Jararaca faleceu em 11 de outubro de 1977, no Rio .Ambos morreram pobres.
Jararaca, músico, compositor e humorista e seu famoso violão Jararaca
BARCA DA CANTAREIRA:
TRANSPORTANDO HUMOR E MÚSICA.
No dia 12 de
setembro a programação noturna da Nacional lançou um novo humorístico para
comemorar o seu décimo nono aniversário.
O título era Barca da Cantareira. A
ação se passava durante uma viagem imaginária entre Rio e Niterói. Tudo acontecia no decorrer da
viagem: piadas, esquetes e quadros humorísticos entremeados por números musicais alegres e movimentados. A estrutura era muito
parecida com a do Balança, mas não cai, ou seja um narrador que
conduzia a apresentação dos quadros. A única diferença para o Balança era a existência dos números
musicais.
O programa
inaugural reuniu o que havia de melhor em termos artísticos. O locutor era
Aurélio de Andrade, um dos fundadores da emissora. O narrador era Milton Rangel,
o mesmo que fazia o Jerônimo e mais os radioatores do primeiro time de
humoristas: Brandão Filho (lembram-se do Primo pobre)? Além de Nilza Magrassi (
secretária de Seu Criado Obrigado),
Ema D’Ávila e Walter D’Ávila,Consuelo Leandro, Altivo Diniz e outros. Os
números musicais da noite ficaram a cargo dos cantores: Jorge Veiga, cantando o
sucesso de Miguel Gustavo Café Soçaite, Black-out interpretando Minha senhora,
espirituoso samba de Klecius Caldas e Armando Cavalcanti e finalmente Ademilde
Fonseca que interpretou o chorinho Saliente de Altamiro Carrilho e Armando
Nunes.
A orquestra da
Nacional era regida pelo maestro Hércole Vareto e o programa, patrocinado pelo
famoso Guaraná Antártica, era produzido por Mário Meira Guimarães.Perante um
auditório lotado o programa foi muito bem recebido,mercê de sua produção
esmerada, mas não fez história, pois não permaneceu muito tempo no ar.
Black Out: sucesso nos carnavais com Pedreiro Valdemar, Maria Candelária, Minha Senhora e outros,se apresentou na estreia de Barca da Cantareira.
Silvino
Neto, criou o Teatro Pulgueiro e depois
inaugurou uma pensão:a Pensão do Pimpinela ou Hotel do Pimpinela. O grande
humorista sacou o seguinte: se o rádio é som eu posso fazer imitar diversas
vozes que o ouvinte não vai perceber que é uma pessoa só. E ele estava certo.
Quem começou a fazer isto foi Nhô Totico
em São Paulo. Coube a Silvino Neto idealizar no Rio, uma pensão, depois um hotel
em que tudo acontecia. Silvino fazia um radioteatro no qual ele era o único
ator. Trocava de vozes com tanta habilidade e rapidez que o ouvinte pensava
realmente que eram vários atores. A pensão era freqüentada por vários
personagens nascidos de sua cabeça.
Doutor Januário, seu Acácio, Anestesio,
Waldemar e o Pimpinela. Ele imitava
também políticos, como Adhemar de Barros
e os presidentes da República Getúlio Vargas e Eurico Gaspar Dutra. Mais
tarde outros talentosos radialistas seguiram as pegadas de Silvino, entre eles
José de Vasconcelos e Chico Anísio.
Silvino Neto,
atraído pela política consagrou-se como um dos
mais votados da capital da República para a Câmara de Vereadores.
Possivelmente
sua carreira poderia ter tomado em novo rumo se ele não tivesse ouvido o
Oduvaldo Cozzi. È que ao apresentar-se a Cozzi, que era diretor artístico da
Nacional, ele, que queria ser cantor, foi dissuadido pelo grande
radialista a tentar a carreira de
humorista para não ter que concorrer com os monstros sagrados da época: Francisco
Alves, Carlos Galhardo, Silvio Caldas ou Orlando Silva.
Foi assim que o
rádio perdeu um cantor, mas ganhou um dos maiores humoristas de todos os
tempos.
Com talento para a música compôs “Adeus, cinco letras que choram” sucesso de Francisco Alves.
Silvino Neto, grande nome do rádio, pai de Paulo Silvino.
Uma pensão que
também obteve sucesso no rádio foi a Pensão do Salomão, de Jorge Murad.
Conforme podemos
observar, os programas humorísticos não
fugiam muito de um formato básico. Ora eram programas com piadas soltas
e personagens fixos, ora eram histórias completas que aconteciam em 25 minutos.
O segredo não estava propriamente no formato, mas na criatividade e riqueza do
texto e na capacidade interpretativa do elenco.
Uma barca
carregada de humor, escrita por Mário Meira Guimarães. Era a Barca da Cantareira
que enquanto ia ao ar pela Nacional fazia todo mundo rir.
Em um programa
escrito por Nestor de Holanda chamado Boite Tonelux os freqüentadores viviam peripécias que
divertiam os ouvintes.
Não importando
se a ação acontecia numa casa, numa rua, num edifício, num hotel ou numa barca.
O essencial era eleger como tema, um
local que juntasse piadas dentro de um contexto familiar e urbano.
Era ai que a
cidade se divertia.
ALVARENGA &
RANCHINHO DERAM TRABALHO AO DIP, MAS
ACABARAM CONQUISTANDO GETÚLIO.
No final dos
anos vinte, quando Alvarenga e Ranchinho se conheceram, se apresentavam em
circos, cantando músicas sertanejas, uma novidade na época.
Ao chegarem ao
Rio já eram conhecidos, até que a Nacional os
contratou. Passaram então a fazer um programa só deles que ia ao ar às terças-feiras às 20
horas,tendo como patrocinador o Rhum Creosotado, aquele medicamento que
anunciou nos velhos bondes durante décadas
e do qual os mais antigos, certamente,
se lembrarão:
O belo tipo
faceiro
Que o senhor tem ao seu lado.
E no entretanto
acredite:
Quase morreu de bronquite.
Salvou-o o Rhum Creosotado.
A dupla fazia um
humor fino, muitas vezes sarcástico e irreverente. Eram críticos dos políticos,
dos costumes da época e fazendo paródias de tudo, não escapavam nem seus
colegas do rádio.
Além de fazerem
piadas, entoavam paródias ao som dos violões e arrancavam gargalhadas do
público e problemas com a censura e a
polícia política do Estado Novo de Getúlio.
Presos por
quatro vezes, passavam a noite no xadrez e libertados na manhã seguinte depois
de ouvirem longas repreensões dos
agentes.
Uma vez o
Filinto Muller, homem forte de Getúlio e presidente do temido DIP, Departamento
de Imprensa e Propaganda telefonou para a dupla exigindo que seus scripts
fossem submetidos previamente à censura.
Ao que Ranchinho
argumentou:
-Mas doutor,
além do texto, nós também temos o improviso.
E veio a
resposta do poderoso:
-Pois eu também
quero censurar o improviso!
Certa vez,
Alzirinha Vargas, que era filha do presidente e adorava a dupla, os convidou
para uma apresentação especial no Palácio do Catete. Era 19 de abril de 1939,
aniversário do velho. Os dois chegaram meio desconfiados, mas logo o lado
artístico falou mais alto e eles se soltaram. Cantaram sátiras, piadas,
incluindo algumas contra o governo.
Getúlio com seu
indefectível charuto, ria de tudo. Ao final, colocando as mãos nos ombros dos
dois disse:
“A partir der
hoje, vocês podem fazer a graça que quiserem. Ninguém mais vai incomodá-los”.
Se aquela
atitude de Getúlio os deixou aliviados, certamente perdeu-se um pouco do
encanto: cadê a graça de fazer piada com
o Getúlio sem a maldita censura?
Nenhum comentário:
Postar um comentário