quinta-feira, 16 de março de 2017

A MULHER E O VELHO RÁDIO

A FIGURA DA MULHER NAS RADIONOVELAS DO PASSADO.
Nos dias atuais muito se fala da participação da mulher na sociedade do  Século 21. Considerando o Brasil dos anos vividos entre as duas guerras mundiais e até as décadas que precederam a pílula anticoncepcional, vamos encontrar a mulher em seus afazeres domésticos, cuidando da casa,  dos filhos, frequentando os bancos escolares em busca apenas de uma educação básica,  adquirindo conhecimentos tão somente a serem aplicados em seu trabalho doméstico.
Feliz da mulher dos anos 50 cujo marido podia comprar eletrodomésticos...

                                           
                  Propaganda "politicamente incorreta" dos anos 50:
                       vitaminas para aguentar o trabalho doméstico  


Cozinha bonita dos anos 50: 
sonho de consumo das donas de casa.



Sem ajuda da Tecnologia, não era fácil! ...


 Mulheres aprendiam a bordar, costurar, cozinhar pratos especiais e as que pertenciam a famílias mais abastadas, aprendiam pintura e desenho, tocavam piano, violino ou acordeão. A  missão de educar os filhos coroava o nobre trabalho doméstico.

Primeira Guerra na Europa: mulheres no pesado.
                                           
Anos 40: mulheres nas fábricas.No Brasil, aos poucos, a mulher começava a trabalhar fora de casa.



Se durante a Segunda Guerra Mundial,  em alguns países, as mulheres passaram a ocupar postos de trabalho, no Brasil não houve esse fenômeno tendo em vista nossa pequena participação no conflito no que diz respeito ao envio de contingentes para o campo de batalha.
Grande parte das  mulheres ficavam em suas casas ou junto às amigas e o rádio era o grande companheiro de seu trabalho diuturno.
Como não poderia deixar de ser, as novelas retratavam com freqüência este tipo de mulher. Muitas ouvintes se identificavam com alguns personagens, e  a presença de "mulheres vitoriosas" nas tramas fazia despertar na audiência a vontade de ser como elas. Havia mulheres que fumavam, dirigiam automóveis, compravam roupas caras e queriam ser belas e desejadas. Dai os anunciantes investirem em produtos de beleza, roupas, tecidos e eletrodomésticos que se tornariam accessíveis no pós-guerra.

Ouvir rádio nos raros momentos de descanso: as radionovelas refletiam o cotidiano das donas de casa brasileiras. E a audiência feminina era imensa.


 A revolução dos costumes do final dos anos 50, o surgimento da pílula anticoncepcional e as conquistas obtidas pelos movimentos femininos foi aos poucos alterando esse panorama que a radionovela não registrou pois a emergência do novo papel feminino, coincide, justamente com o declínio daquele gênero radiofônico.
Mas nosso objetivo aqui, após estes comentários preliminares é tão somente o de mostrar alguns episódios curiosos vividos por mulheres, personagens ou intérpretes no velho radioteatro.

PROGRAMAS DESTINADOS A MULHER.
O papel de dona de casa desempenhado pela mulher dos anos 40 e 50 fica evidenciado na grande quantidade de programas radiofônicos a elas  destinados. 
Anuncio da Revista da Semana em 1942

Em  1942 a Revista da Semana anunciava um programa que ia ao ar as 13 horas pela Rádio Mayrink Veiga "destinado a mulher brasileira".Era produzido por Sagramor de Scuvero a qual ganharia enorme prestigio junto ao público ouvinte fazendo com que fosse eleita vereadora pelo então Distrito Federal. Anos depois ela lançaria outro programa de sucesso. O título dizia tudo: "O mundo não vale o seu lar".
Miguel Gustavo: criatividade de gênio

 A querida produtora casou-se com Miguel Gustavo. Gênio que produziu sambas antológicos como Baile de gafieira, Rei do Gatilho, Último dos moicanos, Café Soçaite e marchinhas como Fanzoca de rádio e a famosa Pra frente Brasil, hino da Copa de 70. Miguel Gustavo foi ainda criador de centenas de jingles famosos, que ficaram na memória do público de rádio e televisão.


Sagramor também escreveu livros infantis. 

Na Rádio Nacional Helena Sangirardi dominava a audiencia dos sábados a tarde apresentando programa feminino.Era o famoso Consultório Sentimental. Contava com uma especie de "secretário" que era o radioator Gerdal dos Santos.
Helena Sangirardi: 
público feminino ligado no seu Consultório Sentimental
                                              
A culinária também era assunto de Helena Sangirardi. Sucesso de vendas.

Amaral Gurgel  era o autor de Atire a primeira pedra. Gerdal apresentava o Consultório Sentimental com Helena Sangirardi




VIOLÊNCIA CONTRA MULHER?
No horário nobre das novelas das 9 da noite na Nacional houve uma novela chamada
 “A gloriosa mentira”. Tinha Ismênia dos Santos  e Celso Guimarães como o casal romântico.
Ismênia dos Santos: curra às 9 da noite.


Floriano Faissal vivia o tio que  ataca a sobrinha na novela
 A Gloriosa Mentira

Giuseppe Ghiaroni  consagrado novelista da Nacional autor de A Gloriosa Mentira.


Destaque para Floriano Faissal que interpretava um tio,pasme! apaixonado pela própria  sobrinha (Ismênia dos Santos) .

Numa noite,no clímax da novela, um dos capítulos termina com o tio, embriagado, querendo agarrar a moça para beijar. A cena foi forte, pois a contra-regra arrastava cadeiras,  louça se quebrava,  com  ela tentando se  desvencilhar, enquanto se ouvia o personagem de Floriano gritar:

-Venha cá ! Quero beijar estes lábios carnudos e vermelhos!
Este rosto lindo e macio !

E a moça gritava e fugia:
-Não meu tio ! Não faça isso !
Ao fundo, a sonoplastia executava uma música agitada e dramática que se fundiu com
O sufixo da novela.                                                                                                                     No dia seguinte à transmissão houve  reação  do público. Muitos protestos escandalizados enquanto  outros, veladamente, invejando o tio tarado, pois a voz de Ismênia dos Santos era uma tentação de tão linda.
Eu era garoto. Me lembro que  ouvi esse capitulo, me impressionei e hoje confesso que  não consigo aceitar aquela “escorregada” de “A gloriosa mentira”. Foi uma cena forte, embora em uma novela às 9 da noite. (Naquela época as crianças dormiam cedo,mas eu estava na escuta). Não consigo compreender simplesmente pelo fato de que os padrões de autocensura na emissora eram muito fortes. E o próprio Floriano, que interpretou a cena, se transformaria, mais tarde, num zeloso guardião da ética e da moral no radioteatro que ele veio a dirigir, como vemos em outros momentos deste nosso blog.

ALGUNS TABUS.
Leio, com alguma frequência, que as novelas do velho rádio  evitam tocar em determinados assuntos tabus para a época. Realmente as novelas jamais falavam de homossexualismo. Este era abordado apenas de forma jocosa nos programas humorísticos como acontece até hoje na  televisão.O mesmo acontecendo com determinados tipos de preconceito  que estavam presentes a todo instante, ridicularizando o negro, o nordestino, o imigrante, o gago, o surdo ou o mudo. Isto era mais evidente nos programas de humor. Ainda não havia o que se chama hoje de “politicamente correto”.

A VIRGINDADE NO RADIOTEATRO
O adultério, a suposição de incesto, a  curra ou a tentativa de estupro,a questão da  virgindade, volta e meia rolavam. Haja vista o que acabamos de narrar. Esses assuntos não eram tratados de forma explícita. Eram apenas “sugeridos” com habilidade pelos novelistas. O restante ficava por conta da imaginação do ouvinte.
Lembro-me de um episódio do seriado “Atire a primeira pedra” em que uma jovem que tentava conquistar  o amor de um rapaz noivo de sua rival, "sugere" ao noivo que sua noiva não é mais virgem, pois “já havia dado um mal passo”. O rapaz chama a noiva e rompe o noivado com ela. Esta desesperada, comete suicídio! Dramalhão!

Amaral Gurgel era o autor de Atire a Primeira Pedra e
Gerdal dos Santos que apresentava famoso programa destinado a donas de casa aos sábados a tarde.

 A virgindade era, pois,  um tabu. Vale lembrar o enredo de
 O Direito de Nascer, cujo lançamento acorreu há 66 anos passados, (Vide outra postagem neste meu blog) todo calcado em fortes preconceitos dos anos 50.

É PROIBIDO AMANTE!
Embora,  palavra amante não fosse citada,   o adultério, a traição, os triângulos amorosos era uma constante. Cá pra nós, caso contrário as histórias seriam uma enorme chatice.
Se as relações sexuais eram apenas sugeridas nos filmes, não seria o rádio que as explicitaria. Assim, gritos e sussurros para sugerir atos sexuais  eram muito discretos ou praticamente ausentes. O máximo que acontecia era um beijo mais demorado com os atores  inspirando e em seguida prendendo a respiração por dois segundos e expirando juntos. Esse era o beijo “cinematográfico” através do rádio.
Meu amigo Sérgio Rubens que trabalhou comigo no Clube Juvenil Toddy me conta que ele soube na ocasião que a atriz  Lygia Sarmento foi advertida pela direção da rádio por ter se excedido em sussurros durante a  cena de um caloroso beijo de amor.
A grande atriz Lygia Sarmento: beijo polêmico no velho rádio.


Lygia era uma excelente atriz que começou em teatro aos 16 anos na década de vinte. Trabalhou na Companhia Jaime Costa, quando viajou pelo Brasil inteiro. Entrou para o cinema em 1931 com “Alvorada da Serra”. Depois fez  “O jovem tataravô” e  “Segredo das asas”. Era, portanto, uma estrela, quando entrou para  o radioteatro da Nacional nos anos 40. Era uma figura encantadora na vida real, mas nas novelas era muito escalada para fazer o gênero megera. Morreu  em  2007,  aos 94 anos por ironia, um dia após  a morte de Ghiaroni que morreu aos 89 anos.

Do  Anuário do Rádio, publicado em 1956, consta a seguinte declaração de Floriano Faissal o mesmo que 10 anos havia protagonizado a cena do “ataque” à sobrinha.
As novelas da Rádio Nacional se caracterizam sempre pela boa qualidade. Não admitimos a irradiação de textos negativos, destrutivos e em conseqüência indignos. Há assim, muita vigilância em torno das novelas programadas. Quer um pequeno detalhe? Ei-lo: não se permite na Rádio Nacional que o vocábulo “amante” apareça no texto de uma novela.
E na mesma publicação, há este depoimento de Sérgio Vasconcelos, outro diretor da emissora:
Na Rádio Nacional procuramos educar o público também através das novelas, incutindo no ouvinte bons  sentimentos, maneiras corretas de agir em sociedade. Quero apenas demonstrar que é assim que a Rádio Nacional educa, levando o ouvinte a repelir o mal e aplaudir o bem.
Minha aluna da Faculdade Moacyr Bastos, Cátia dos Santos Machado, em novembro de 2004 escreveu uma interessante monografia  sob o título: “A Rádio Nacional fazendo a alegria dos cariocas no final da década de 1940”.
No tocante à moralidade das novelas da época, extraio mais este  trecho.

“Na realidade a Nacional constituía-se assim, em um importante instrumento de influência na opinião  pública. A respeito, Miriam Goldfeder afirma que a emissora  fazia parte de um mecanismo de controle social, ‘destinado a manter as expectativas sociais dentro dos limites compatíveis com o sistema como um todo’. A mesma autora pondera: ‘ O que a Rádio Nacional propagava, em última instância, não era a excelência de um modelo político, mas a legitimidade de um tipo de sociedade e de um quadro de valores éticos’”. 
Grande foi, portanto, a importância da radionovela dos anos 40 e 50 como que preparando a sociedade brasileira para a era industrial que emergiria em meados dos anos 50 no governo JK quando o pais, deixou de ser rural para se mais urbano.



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