A FIGURA DA MULHER NAS
RADIONOVELAS DO PASSADO.
Nos dias atuais muito se fala da
participação da mulher na sociedade do Século
21. Considerando o Brasil dos anos vividos entre as duas guerras mundiais e até
as décadas que precederam a pílula anticoncepcional, vamos encontrar a mulher
em seus afazeres domésticos, cuidando da casa, dos filhos, frequentando os bancos escolares em
busca apenas de uma educação básica, adquirindo conhecimentos tão somente a serem
aplicados em seu trabalho doméstico.
Feliz da mulher dos anos 50 cujo marido podia comprar eletrodomésticos...
vitaminas para aguentar o trabalho doméstico
Cozinha bonita dos anos 50:
sonho de consumo das donas de casa.
Sem ajuda da Tecnologia, não era fácil! ...
Mulheres aprendiam a bordar, costurar,
cozinhar pratos especiais e as que pertenciam a famílias mais abastadas,
aprendiam pintura e desenho, tocavam piano, violino ou acordeão. A missão de educar os filhos coroava o nobre
trabalho doméstico.
Primeira Guerra na Europa: mulheres no pesado.
Anos 40: mulheres nas fábricas.No Brasil, aos poucos, a mulher começava a trabalhar fora de casa.
Se durante a Segunda Guerra
Mundial, em alguns países, as mulheres
passaram a ocupar postos de trabalho, no Brasil não houve esse fenômeno tendo
em vista nossa pequena participação no conflito no que diz respeito ao envio de
contingentes para o campo de batalha.
Grande parte das mulheres ficavam em suas casas ou junto às
amigas e o rádio era o grande companheiro de seu trabalho diuturno.
Como não poderia deixar de ser,
as novelas retratavam com freqüência este tipo de mulher. Muitas ouvintes se identificavam com alguns personagens, e a presença de "mulheres vitoriosas" nas tramas fazia despertar na audiência a vontade de ser como elas. Havia mulheres que fumavam, dirigiam automóveis, compravam roupas caras e queriam ser belas e desejadas. Dai os anunciantes investirem em produtos de beleza, roupas, tecidos e eletrodomésticos que se tornariam accessíveis no pós-guerra.
Ouvir rádio nos raros momentos de descanso: as radionovelas refletiam o cotidiano das donas de casa brasileiras. E a audiência feminina era imensa.
A revolução dos
costumes do final dos anos 50, o surgimento da pílula anticoncepcional e as
conquistas obtidas pelos movimentos femininos foi aos poucos alterando esse
panorama que a radionovela não registrou pois a emergência do novo papel
feminino, coincide, justamente com o declínio daquele gênero radiofônico.
Mas nosso objetivo aqui, após
estes comentários preliminares é tão somente o de mostrar alguns episódios
curiosos vividos por mulheres, personagens ou intérpretes no velho radioteatro.
PROGRAMAS DESTINADOS A MULHER.
O papel de dona de casa desempenhado pela mulher dos anos 40 e 50 fica evidenciado na grande quantidade de programas radiofônicos a elas destinados.
Em 1942 a Revista da Semana anunciava um programa que ia ao ar as 13 horas pela Rádio Mayrink Veiga "destinado a mulher brasileira".Era produzido por Sagramor de Scuvero a qual ganharia enorme prestigio junto ao público ouvinte fazendo com que fosse eleita vereadora pelo então Distrito Federal. Anos depois ela lançaria outro programa de sucesso. O título dizia tudo: "O mundo não vale o seu lar".
A querida produtora casou-se com Miguel Gustavo. Gênio que produziu sambas antológicos como Baile de gafieira, Rei do Gatilho, Último dos moicanos, Café Soçaite e marchinhas como Fanzoca de rádio e a famosa Pra frente Brasil, hino da Copa de 70. Miguel Gustavo foi ainda criador de centenas de jingles famosos, que ficaram na memória do público de rádio e televisão.
Na Rádio Nacional Helena Sangirardi dominava a audiencia dos sábados a tarde apresentando programa feminino.Era o famoso Consultório Sentimental. Contava com uma especie de "secretário" que era o radioator Gerdal dos Santos.
PROGRAMAS DESTINADOS A MULHER.
O papel de dona de casa desempenhado pela mulher dos anos 40 e 50 fica evidenciado na grande quantidade de programas radiofônicos a elas destinados.
Anuncio da Revista da Semana em 1942
Em 1942 a Revista da Semana anunciava um programa que ia ao ar as 13 horas pela Rádio Mayrink Veiga "destinado a mulher brasileira".Era produzido por Sagramor de Scuvero a qual ganharia enorme prestigio junto ao público ouvinte fazendo com que fosse eleita vereadora pelo então Distrito Federal. Anos depois ela lançaria outro programa de sucesso. O título dizia tudo: "O mundo não vale o seu lar".
Miguel Gustavo: criatividade de gênio
Sagramor também escreveu livros infantis.
Na Rádio Nacional Helena Sangirardi dominava a audiencia dos sábados a tarde apresentando programa feminino.Era o famoso Consultório Sentimental. Contava com uma especie de "secretário" que era o radioator Gerdal dos Santos.
Helena Sangirardi:
público feminino ligado no seu Consultório Sentimental
A culinária também era assunto de Helena Sangirardi. Sucesso de vendas.
Amaral Gurgel era o autor de Atire a primeira pedra. Gerdal apresentava o Consultório Sentimental com Helena Sangirardi
VIOLÊNCIA CONTRA MULHER?
No horário nobre das novelas das
9 da noite na Nacional houve uma novela chamada
“A
gloriosa mentira”. Tinha Ismênia dos Santos
e Celso Guimarães como o casal romântico.
Ismênia dos Santos: curra às 9 da noite.
Floriano Faissal vivia o tio que ataca a sobrinha na novela
A Gloriosa Mentira
Giuseppe Ghiaroni consagrado novelista da Nacional autor de A Gloriosa Mentira.
Destaque para Floriano Faissal
que interpretava um tio,pasme! apaixonado pela própria sobrinha (Ismênia dos Santos) .
Numa noite,no clímax da novela,
um dos capítulos termina com o tio, embriagado, querendo agarrar a moça para
beijar. A cena foi forte, pois a contra-regra arrastava cadeiras, louça se quebrava, com
ela tentando se desvencilhar,
enquanto se ouvia o personagem de Floriano gritar:
-Venha cá ! Quero beijar estes
lábios carnudos e vermelhos!
Este rosto lindo e macio !
E a moça gritava e fugia:
-Não meu tio ! Não faça isso !
Ao fundo, a sonoplastia executava
uma música agitada e dramática que se fundiu com
O sufixo da novela.
No dia seguinte à transmissão houve
reação do público. Muitos
protestos escandalizados enquanto
outros, veladamente, invejando o tio tarado, pois a voz de Ismênia dos
Santos era uma tentação de tão linda.
Eu era garoto. Me lembro que ouvi esse capitulo, me impressionei e hoje confesso
que não consigo aceitar aquela
“escorregada” de “A gloriosa mentira”. Foi uma cena forte, embora em
uma novela às 9 da noite. (Naquela época as crianças dormiam cedo,mas eu estava na escuta). Não consigo
compreender simplesmente pelo fato de que os padrões de autocensura na emissora
eram muito fortes. E o próprio Floriano, que interpretou a cena, se transformaria,
mais tarde, num zeloso guardião da ética e da moral no radioteatro que ele veio
a dirigir, como vemos em outros momentos deste nosso blog.
ALGUNS TABUS.
Leio, com alguma frequência, que
as novelas do velho rádio evitam tocar
em determinados assuntos tabus para a época. Realmente as novelas jamais
falavam de homossexualismo. Este era abordado apenas de forma jocosa nos
programas humorísticos como acontece até hoje na televisão.O mesmo acontecendo com
determinados tipos de preconceito que
estavam presentes a todo instante, ridicularizando o negro, o nordestino, o
imigrante, o gago, o surdo ou o mudo. Isto era mais evidente nos programas de
humor. Ainda não havia o que se chama hoje de “politicamente correto”.
A VIRGINDADE NO RADIOTEATRO
O adultério, a suposição de
incesto, a curra ou a tentativa de
estupro,a questão da virgindade, volta e meia rolavam. Haja vista o que acabamos de narrar. Esses
assuntos não eram tratados de forma explícita. Eram apenas “sugeridos” com
habilidade pelos novelistas. O restante ficava por conta da imaginação do
ouvinte.
Lembro-me de um episódio do
seriado “Atire a primeira pedra” em que uma jovem que tentava conquistar o amor de um
rapaz noivo de sua rival, "sugere" ao noivo que sua noiva não é mais virgem, pois
“já havia dado um mal passo”. O rapaz chama a noiva e rompe o noivado com ela.
Esta desesperada, comete suicídio! Dramalhão!
Amaral Gurgel era o autor de Atire a Primeira Pedra e
Gerdal dos Santos que apresentava famoso programa destinado a donas de casa aos sábados a tarde.
A virgindade era, pois, um tabu. Vale lembrar o
enredo de
O Direito de Nascer, cujo lançamento acorreu há 66 anos passados, (Vide outra postagem neste meu blog) todo calcado em fortes preconceitos dos
anos 50.
É PROIBIDO AMANTE!
Embora, palavra amante
não fosse citada, o adultério, a
traição, os triângulos amorosos era uma constante. Cá pra nós, caso contrário
as histórias seriam uma enorme chatice.
Se as relações sexuais eram
apenas sugeridas nos filmes, não seria o rádio que as explicitaria. Assim,
gritos e sussurros para sugerir atos sexuais
eram muito discretos ou praticamente ausentes. O máximo que acontecia
era um beijo mais demorado com os atores
inspirando e em seguida prendendo a respiração por dois segundos e
expirando juntos. Esse era o beijo “cinematográfico” através do rádio.
Meu amigo Sérgio Rubens que
trabalhou comigo no Clube Juvenil Toddy
me conta que ele soube na ocasião que a atriz
Lygia Sarmento foi advertida pela direção da rádio por ter se excedido
em sussurros durante a cena de um
caloroso beijo de amor.
A grande atriz Lygia Sarmento: beijo polêmico no velho rádio.
Lygia era uma excelente atriz que
começou em teatro aos 16 anos na década de vinte. Trabalhou na Companhia Jaime
Costa, quando viajou pelo Brasil inteiro. Entrou para o cinema em 1931 com
“Alvorada da Serra”. Depois fez “O jovem
tataravô” e “Segredo das asas”. Era,
portanto, uma estrela, quando entrou para
o radioteatro da Nacional nos anos 40. Era uma figura encantadora na
vida real, mas nas novelas era muito escalada para fazer o gênero megera.
Morreu em 2007, aos 94 anos por ironia, um dia após a morte de Ghiaroni que morreu aos 89 anos.
Do Anuário do Rádio, publicado
em 1956, consta a seguinte declaração de Floriano Faissal o mesmo que 10 anos
havia protagonizado a cena do “ataque” à sobrinha.
As novelas da Rádio Nacional se caracterizam sempre pela boa qualidade.
Não admitimos a irradiação de textos negativos, destrutivos e em conseqüência
indignos. Há assim, muita vigilância em torno das novelas programadas. Quer um
pequeno detalhe? Ei-lo: não se permite na Rádio Nacional que o vocábulo
“amante” apareça no texto de uma novela.
E na mesma publicação, há este
depoimento de Sérgio Vasconcelos, outro diretor da emissora:
Na Rádio Nacional procuramos educar o público também através das
novelas, incutindo no ouvinte bons
sentimentos, maneiras corretas de agir em sociedade. Quero
apenas demonstrar que é assim que a Rádio Nacional educa, levando o ouvinte a
repelir o mal e aplaudir o bem.
Minha aluna da Faculdade Moacyr
Bastos, Cátia dos Santos Machado, em novembro de 2004 escreveu uma interessante
monografia sob o título: “A Rádio
Nacional fazendo a alegria dos cariocas no final da década de 1940”.
No tocante à moralidade das
novelas da época, extraio mais este trecho.
“Na realidade a Nacional
constituía-se assim, em um importante instrumento de influência na opinião pública. A respeito, Miriam Goldfeder afirma
que a emissora fazia parte de um
mecanismo de controle social, ‘destinado a manter as expectativas sociais
dentro dos limites compatíveis com o sistema como um todo’. A mesma autora
pondera: ‘ O que a Rádio Nacional propagava, em última instância, não era a
excelência de um modelo político, mas a legitimidade de um tipo de sociedade e
de um quadro de valores éticos’”.
Grande foi, portanto, a importância da radionovela dos anos 40 e 50 como que preparando a sociedade brasileira para a era industrial que emergiria em meados dos anos 50 no governo JK quando o pais, deixou de ser rural para se mais urbano.
Gostou do assunto de hoje? Quero tua participação!
Abraço!
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