terça-feira, 27 de dezembro de 2016

AS DUPLAS CAIPIRAS-HUMORÍSTICAS DO VELHO RÁDIO

O humor no rádio entre os anos 30 e  60 acontecia de diversas maneiras. Poderia ser em programas montados em que piadas ou situações hilariantes entremeavam números musicais, durante a apresentação de um tema. O humor acontecia ainda nos seriados alegres nos quais uma situação era apresentava de forma jocosa. Havia ainda os programas humoristicos com esquetes, anedotas e piadas a cargo do elenco de radioteatro, orquestra e coro. Havia ainda os musicais alegres com paródias que muito se assemelhavam aos teatros de revista exibidos no Rio de Janeiro ou em São Paulo. Outra forma eram os programas de um ator só, que imitando várias vozes interpretava vários personagens. Não vamos citar aqui a famosa dupla Lauro Borges e Castro Barbosa que faziam sozinhos a PRK- 30. Isso é outra história. Nos ocuparemos hoje de algo muito especial: as duplas caipiras-humorísticas, que constituíam um nicho muito diferente. Entravam, contavam causos, faziam graça e depois cantavam paródias ou músicas caipiras engraçadas. Eram dois atores completos, vestidos a caráter,  dançavam, tocavam instrumentos, compunham e faziam graça... e sucesso!
Vamos lá!


DUAS FAMOSAS DUPLAS DO VELHO RÁDIO

ALVARENGA E RANCHINHO
JARARACA E RATINHO

Alvarenga e Ranchinho

Jararaca e Ratinho


Vamos começar por Alvarenga e Ranchinho.
No final dos anos vinte, quando Alvarenga e Ranchinho se conheceram, se apresentavam em circos, cantando músicas sertanejas, uma novidade na época. Apresentavam-se pelo interior do estado de São Paulo. Em 1934 foram contratados pelo maestro Breno Rossi, que vendo neles um enorme potencial de trabalho, chamou a dupla para se apresentar na Rádio São Paulo. Dois anos depois vieram para o Rio de Janeiro. Sempre primaram por retratar com humorismo os acontecimentos mundiais e como estava acontecendo a guerra da Abissínia, lançaram em 1936 a música Itália e Abissínia, uma sátira ao conflito entre os dois países. Foram contratados pelo Cassino da Urca, onde se apresentaram durante dez anos. Em 1935 participaram do filme  Fazendo fita. Foi o início de uma série de participações em cerca de 30 filmes, graças a Ariovaldo Pires, o Capitão Furtado. Mas foi em 1939 que chegaram ao rádio carioca, na Rádio Mayrink Veiga a estrela da radiofonia no Rio.
Ranchinho e Alvarenga com amigos


A dupla se vestia bem, quando não estavam a caráter. 
Cabelos bem penteados usando Glostora!

 ALVARENGA & RANCHINHO DERAM  TRABALHO AO DIP, MAS ACABARAM CONQUISTANDO GETÚLIO.
Esclarecimento: DIP era o famoso Departamento de Imprensa e Propaganda dos tempos do Estado Novo.
.
Alvarenga e Ranchinho já eram, portanto, bem conhecidos, quando  a Nacional os  contratou. Passaram então a fazer um programa  só deles que ia ao ar às terças-feiras às 20 horas,tendo como patrocinador o Rhum Creosotado, aquele medicamento que anunciou nos velhos bondes durante décadas  e do qual os mais antigos, certamente,  se lembrarão:

O  belo tipo faceiro
Que o senhor tem ao seu lado.
E no  entretanto acredite:
Quase morreu de bronquite.
Salvou-o o Rhum Creosotado.



Com várias paródias sobre o bonde e o anúncio do Rhum Creosotado: 
 dupla sempre em evidência


A dupla fazia um humor fino, muitas vezes sarcástico e irreverente. Eram críticos dos políticos, dos costumes da época e fazendo paródias de tudo, não escapavam nem seus colegas do rádio.
Além de fazerem piadas, entoavam paródias ao som dos violões e arrancavam gargalhadas do público,  problemas com a censura  e a polícia política do Estado Novo de Getúlio.
Presos por quatro vezes, passavam a noite no xadrez e libertados na manhã seguinte depois de ouvirem longas  repreensões dos agentes.
Uma vez o Filinto Muller, homem forte de Getúlio e presidente do temido DIP, Departamento de Imprensa e Propaganda telefonou para a dupla exigindo que seus scripts fossem  submetidos previamente à censura.
Ao que Ranchinho argumentou:
-Mas doutor, além do texto, nós também temos o improviso.
E veio a resposta do poderoso:
-Pois eu também quero censurar o improviso!
Certa vez, Alzirinha Vargas, que era filha do presidente e adorava a dupla, os convidou para uma apresentação especial no Palácio do Catete. Era 19 de abril de 1939, aniversário do velho. Os dois chegaram meio desconfiados, mas logo o lado artístico falou mais alto e eles se soltaram. Cantaram sátiras, piadas, incluindo algumas contra o governo.
Getúlio com seu indefectível charuto, ria de tudo. Ao final, colocando as mãos nos ombros dos dois  disse:
“A partir der hoje, vocês podem fazer a graça que quiserem. Ninguém mais vai incomodá-los”.
Se aquela atitude de Getúlio os deixou aliviados, certamente perdeu-se um pouco do encanto:  cadê a graça de fazer piada com o Getúlio sem a maldita censura?

A dupla e seu humor sarcástico: 
prisões e problemas com a censura 


A irreverência estava presente também nas músicas que gravavam, como esta famosa composição Romance de duas caveiras. Apreciem a letra:

Eram duas caveiras que se amavam
E à meia-noite se encontravam
Pelo cemitério os dois passeavam
E juras de amor então trocavam
Sentados os dois em riba da lousa fria
A caveira apaixonada assim dizia
Que pelo caveiro de amor morria
E ele de amores por ela vivia
Ao longe uma coruja cantava alegre
De ver os dois caveiros assim felizes
E quando se beijavam em tons fúnebres
A coruja batendo as asas, pedia bis
Mas um dia chegou de pé junto
Um cadáver novo de um defunto
E a caveira pra ele se apaixonou
E o caveiro antigo abandonou
E o caveiro tomou uma bebedeira
E matou-se de um modo romanesco
Por causa dessa ingrata caveira
Que trocou ele por um defunto fresco

A dupla original se desfez em 1965 quando Diésis dos Anjos Gaia abandonou a dupla. Quem o substituiu foi Delamare de Abreu e depois Homero de Souza Campos.  Nos anos 70 continuavam em atividade pelo interior do estado de São Paulo, havendo gravado um LP ao vivo pela RCA em 1973. Quando Alvarenga morreu, pouco depois, encerrou-se a dupla e os Milionários do Riso passaram a fazer graça apenas através dos registros que deixaram e na memória daqueles que curtiram suas músicas e suas sátiras imperdíveis.


Eis outra dupla famosa do  rádio humorístico brasileiro. José Luis Rodrigues Calazans, o Jararaca e Severino Rangel  de Carvalho, o Ratinho. Os dois se conheceram em 1919 e viajavam pelo Brasil, Uruguai e Argentina. Em 1930 se separaram. Em 1937  Jararaca compõe com Vicente Paiva a marchinha que correria o mundo e que é até hoje, uma das músicas brasileiras mais conhecidas: “Mamãe eu quero”.
A dupla se  reconciliou  no final dos anos 30 e fazia muito sucesso no Cassino da Urca.
Jararaca com seu violão imitando uma cobra e Ratinho com seu  saxofone:
folego de um minuto sustentando uma nota!

O rádio só veio a conhecê-los em 1941, quando contratados pela Nacional, inauguraram o famoso horário humorístico das sextas-feiras às 8 e 35, sob o patrocínio do sabonete Eucalol.
Só para recordar: depois de Jararaca e Ratinho, o horário seria ocupado pela PRK-30 em 1946 e depois pelo  Edifício Balança mas não cai.
Em 1946 participaram do filme No trampolim da vida. Em 1950 atuariam em Loucos por música.
Ratinho era um clarinetista fantástico, com um fôlego impressionante, sustentava uma nota por mais de um minuto, sob os comentários hilários do   Jararaca. Por fim, concluía a música sob os aplausos frenéticos do auditório.
Contavam piadas e fatos engraçados, tudo recheado com música alegre e agitada.

Jararaca e Ratinho, aqui com seu clarinete: 
grandes músicos, ágeis e criativos.


Entre um número musical e outro entravam com diálogos humorísticos, como este:

JARARACA- Que calor, compadre!
RATINHO – Calor demais!
JARARACA – Imagina você esse calor na casa das minhas primas. São oito solteironas querendo casar!
RATINHO – Oito solteironas querendo casar! Com esse calor!
JARARACA – É um problema! É um tal de toma banho Judite! Se lava Maria! Acabou a água Joana! ...

RISOS DO AUDITÓRIO
JARARACA – Mas compadre me diz uma coisa, você que sabe tudo: Qual a diferença que há entre uma mão e uma vaca?
RATINHO – Diferença entre uma mão e uma vaca? Sei não!
JARARACA – É que com uma mão você tira leite de uma vaca. E com uma vaca não se tira leite do mamão.

RISOS DO AUDITÓRIO



78 rotações da dupla nos anos quarenta.


Long-Play produzido por Almirante: registro importante e histórico


Este era o humor das duplas da época. Simples, direto, carregado de malícia, extraindo fatos do cotidiano urbano e levando para o imenso pais rural que era aquele  Brasil, carente de lazer e que encontrava no rádio seu grande companheiro.


A partir de 1955, Jararaca também se consagraria como o famoso Mestre Filó, criação de Paulo Roberto para o programa Lira de Xopotó que homenageava as bandas de música de todo o Brasil e que ia ao ar todos os sábados às 20 e trinta e cinco.
A dupla atuou  ainda em programas de televisão . Jararaca  em Chico City na Rede Globo. Era o cangaceiro  Sucuri.
Uma curiosidade: fato embora pouco divulgado, a música O boto é uma parceria do maestro Tom Jobim com Jararaca. É que Jobim utilizou o refrão de autoria de Jararaca “Inda ontem vim de lá do Pilá” gravado em 1979 por Ellis Regina. Esse refrão consta da composição No Pilá, gravada  lá em 1936 por Augusto Calheiros e Zé do Bambo.

Augusto Calheiros gravou No Pilá em 1936.
 Tom Jobim aproveitou o refrão. Fez outra composição e parceria com Jararaca...

...Que Ellis gravou nos anos 70.



Ronaldo Conde Aguiar em seu interessante Almanaque da Rádio Nacional ao referir-se à  famosa dupla acrescenta:

Em 1964, Jararaca, que pertencia ao Partido Comunista  Brasileiro foi demitido da emissora, denunciado pelo apresentador Cesar de Alencar . A punição não atingiu Ratinho, que fez, na época, um comentário melancólico: " O que será do Ratinho, sem  o Jararaca?  Me digam".

Mas a dupla superou a demissão de Jararaca e seguiu se apresentando. Apesar das constantes brigas eram muito amigos. Tanto assim que foram morar em Duque de Caxias município do Estado do Rio de Janeiro, em casas geminadas. Mandaram abrir uma porta pela qual se podia ir de uma casa para a outra.
Ratinho morreu  lá em 8 de setembro de 1972. Jararaca faleceu em 11 de outubro de 1977, no Rio.


Jararaca jovem nos tempos do Cassino da Urca.

Os cinco  anos em  que Jararaca viveu sem a figura de Ratinho foram difíceis para ele. Afinal eram  mais de 5 décadas levando alegria e diversão para o público. Jararaca se abateu e era difícil para ele fazer graça. Mas mesmo assim seguiu em frente.
A mais famosa dupla do rádio brasileiro, morreu pobre, terminando seus dias na casa da Duque de Caxias. Jararaca, como dissemos, era também compositor e várias de suas músicas foram sucesso. 
Carmem Miranda canta Mamãe eu quero: estouro nos Estados Unidos





Bing Crosby cantava Mamãe eu quero no estilo americano:
gringos amavam a marchinha vertida para o inglês.



Mas apesar de Mamãe eu quero, haver sido gravada por Carmem Miranda e Bing Crosby  nos Estados Unidos e constar de diversos musicais de Hollywood, sendo considerada uma das músicas brasileiras mais conhecidas no mundo inteiro, páreo duro com Garota de Ipanema, parece que os direitos autorais não chegaram ao bolso de Jararaca, parceiro de Vicente Paiva nessa composição.
Vamos recordar a letra?

Mamãe eu quero, mamãe eu quero,
Mamãe eu quero mamar!
Dá a chupeta! Dá a chupeta!
Dá a chupeta pro bebê não chorar!

Dorme filhinho do meu coração!
Pega a mamadeira e entra no meu cordão.
Eu tenho uma irmã que se chama Ana:
De piscar o olho já ficou sem a pestana.

Eu olho as pequenas, mas daquele jeito
E tenho muita pena não ser criança de peito!...
Eu tenho uma irmã que é fenomenal:
Ela é da bossa e o marido é um boçal!



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Grande abraço!





2 comentários:

  1. Infelizmente o humor atualmente é impróprio para menores de 90 anos. A maioria é sem-graça

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  2. Gostei, nasci 1953, então não curti muito esses artistas, mas lembro de ter visto algumas vezes na tv apresentações de Alvarenga e ranchinho.

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