sexta-feira, 31 de outubro de 2014

ALMIRANTE, O HOMEM QUE CRIOU O RÁDIO ESPETÁCULO.

   Ao visitar hoje a história do rádio, chega-se a uma conclusão: três nomes foram o sustentáculo desse veículo:
Roquete Pinto, que trouxe o rádio para o Brasil,Ademar Casé, que profissionalizou o rádio e Almirante (Henrique Foréis Domingues), que transformou o rádio em espetáculo.Falaremos disso um pouco mais adiante.
   Vamos falar um pouco daquele que foi o maior e mais criativo produtor de rádio.
Escreveu programas importantes: “Curiosidades Musicais”o primeiro programa montado do rádio brasileiro, que estreou na rádio Nacional no dia 2 de abril de 1938.                                                                                                             “Caixa de Perguntas, foi outra ousadia de Almirante. Estreou também na Nacional no dia  5 de agosto de 1938. È considerado o primeiro programa de auditório do rádio.        E era patrocinado por um produto chamado BY-SO-DO”.  Não me perguntem para quê.  
                       A maior patente do rádio brasileiro apresenta um dos seus programas

Mas a grande criação da “maior patente do rádio brasileiro” como era chamado Almirante foi  o “Incrível, Fantástico, Extraordinário".
Almirante usava todos os recursos do rádio da época para produzir seus programas.
Tinha uma boa voz, narrava seus textos com muita emoção e autenticidade.                    O “Incrível” como se chamava comumente na época era um dos meus preferidos.

Lançado na Tupi em 1947  com grande divulgação na época, o programa radiofonizava cartas de ouvintes que narravam fatos sobrenaturais.E Almirante  fazia questão de que essas cartas contivessem referências de testemunhas de pessoas que haviam também testemunhado o acontecido. Se não era fornecido no ar o endereço completo das testemunhas, por motivos óbvios, eram  dados detalhes que faziam crer que o fenômeno tinha realmente acontecido com aquelas pessoas.
Almirante abria o programa com uma pergunta desafiadora:
Você não acredita no sobrenatural? Então ouça !
E três vozes  exclamavam, intercaladas por acordes da orquestra:

Incrível ! (ACORDE)
Fantástico!(ACORDE)
Extraordinário! (ACORDE FINAL)

O  “Incrível” era o que se dizia na época um "programa montado"pois contava com elenco de radioteatro,efeitos sonoros e grande orquestra e coro.
Almirante conduzia o Incrível e a narrativa  podia ser feita  na primeira ou na  terceira pessoa, com a entrada das dramatizações pontuadas por efeitos sonoros e  uma trilha musical executada pela orquestra acompanhando a ação.
O patrocínio era de “Guaraína, um remédio que não ataca o coração”.
A contrarregra poderia ser de Barros Barreto ou de  Orlando Drumond. Os arranjos e a orquestra eram da responsabilidade de Aldo Taranto e Morfeu,  dois dos mais famosos maestros da Tupi naqueles anos 40.
Ia tudo ao vivo, às terças-feiras às 21 e trinta. O programa era feito do palco-auditório  que seria destruído pelo incêndio de  1949.
Não havia público. Um vigia trancava a porta de acesso à platéia, fechavam-se as cortinas prateadas e o palco se convertia num imenso estúdio que abrigava locutores, atores e orquestra. Algum material de contra-regra era levado para lá, conforme exigência do script. Muito usadas eram as correntes que se arrastavam  sobre  uma taboa, uma porta que rangia, um tanque com água, vidraças que eram quebradas, coisas assim.
Relata-me a radioatriz Aliomar de Matos, (que quando do lançamento do Incrível tinha apenas 16 anos), que depois o programa passou a contar com a presença do público, que bem comportado, não se manifestava, assistindo em silêncio à performance dos atores no palco-estúdio.
Estes eram os mesmos que faziam as novelas ou os programas humorísticos durante o dia. Cito apenas alguns deles: Paulo Porto,Paulo Gracindo,Castro Gonzaga, Abel Pera, Amélia Simone, Germano, Ida Gomes, Restier Junior, Edelzia dos Santos, Leda Maria, Luiza Nazareth, Paulo Raimundo, Hamilton Ferreira, Duarte de Moraes, Thelmo de Avelar, Antonio Leite, Luiza Nazareth, Nair Amorim, Aliomar de Matos, Wellington Botelho e tantos outros de  grande talento.
Abel Pera fazia parte do elenco de radioteatro da Tupi no tempo de Almirante

Paulo Gracindo era assim nos anos 40 na Tupi.

Os estúdios das rádios Tupi e Tamoio, na Zona Portuária do Rio. A foto é atual, mas as emissoras estavam lá desde os anos 40. O prédio da av.Venezuela 43 sofreu incêndio em 1949, mas foi recuperado um ano depois.

Wellington Botelho atuou no rádio paulista antes de vir para o radioteatro da Tupi.

O locutor, do Incrível na maioria das vezes, era o excelente Osvaldo Luís,
Eu costumava ficar acordado, escondido de meus pais, é claro, junto ao grande rádio da sala de jantar da fazenda dos Arcos, volume no mínimo, ouvido colado no alto-falante.
Morria de medo com as horripilantes  histórias, mas o prazer de ouvi-las superava o pavor. Numa noite ouvi uma dessas histórias, numa casa na zona rural, os moradores foram acordados com os cães em alvoroço. Ao chegar à janela que dava para o quintal da casa, viram um estranho animal  de patas muito curtas que se arrastava com dificuldade pelo terreiro. A noite não era muito escura e dava para ver os cachorros tentando se aproximar, mas sendo rechaçados por aquela criatura bizarra.
-Quando as luzes do quintal foram acesas, narra Almirante,os moradores da casa viram uma coisa medonha, o rosto da criatura era de Francisco Osório, um agiota, muito mal visto na região, que duas semanas antes fora barbaramente assassinado por um de seus credores.
-Foi quando, aquela criatura, soltando um  som, misto de grunhido e voz humana  disse algo que deixou todos petrificados,   segue Almirante.
-Que Deus me perdoe... que Deus me ajude ... Rezem por mim ! Rezem por mim!.

E a orquestra atacou com um acorde dramático  e patético.
Bem, não preciso dizer que morri de medo e voltei pé ante pé para minha cama ao término do programa.
Mal havia pego no sono e eis que os cachorros que guardavam a fazenda começaram a latir sem parar.
Meu pai  e meu  avô se levantaram e foram até a janela que dava para o terreiro onde os cães se encontravam.
Pulei da cama e fui junto. Eu guardava ainda na memória a história que  havia  rolado no programa de rádio.
Eu tinha nessa época uns nove anos de idade e meu pai me deixou olhar pela veneziana da janela ao lado.
Os animais latiam furiosamente e tentavam atacar um outro  do porte deles . Parecia um outro cão  que se espremia  conta a parede da casa. De quando em vez ele investia valentemente contra os cachorros de tal maneira que estes, embora fossem três não ousavam se aproximar.
Eu estava petrificado com aquela cena, pois era inevitável que eu não estabelecesse uma analogia com o que ouvira no rádio uma hora antes.
Finalmente o animal conseguiu escapar em meio a matilha. Foi então que meu pai e meu avô viram  que se tratava de um cachorro do mato, ou lobo-guará, que naquela época ainda encontrava habitat nas matas da região. Suas longas pernas e focinho comprido não deixavam margem a  dúvidas. Saiu em louca disparada, deixou os pastores para trás.
Excitadíssimo, voltei para a cama, custei a pegar no sono, mas nunca deixei de ficar com o ouvido colado na Tupi, às terças-feiras às 21 e trinta.
-Você não acredita no sobrenatural?
Então ouça !
E eu não deixava de ouvir.

Almirante foi um radialista extraordinário.
Segundo Luiz Carlos Saroldi ele compõe com Edgard Roquette-Pinto e Ademar Casé, o tripé perfeito, no qual se apoiou o rádio no Brasil.
O primeiro por sua visão empreendedora ao fundar a primeira emissora de rádio e Casé por ter criado as raízes do rádio comercial, possibilitando a profissionalização dos artistas ao deixar de vender aparelhos de rádio para vender anúncios para o rádio.
Pois Almirante pensava em rádio 24 horas por dia.

 Sérgio Cabral, em seu excelente livro No tempo de Almirante,  nos conta:

O incêndio da rádio Tupi destruiu, entre outras coisas  um saxofone de Pixinguinha e uma invenção  de Almirante que já havia sido introduzida na Nacional e que estava em pleno funcionamento na Tupi: era o “Procurol” um dispositivo que permitia a todo funcionário atender o telefone, em qualquer dependência da emissora.
Almirante espalhou pela casa uns quadros que projetavam números correspondentes a cada  funcionário. A telefonista  atendia o telefone e imediatamente disparava o número chamado e todos os quadros se acendiam com aquele número.

Era isso mesmo! Evidentemente que somente os funcionários mais graduados ou da diretoria é que estavam incluídos nesse esquema. Ao ver seu código no painel, bastava ir ao telefone mais  próximo e atender.
Este sistema também, mais tarde foi implantado na Nacional.
Quando cheguei á Nacional em setembro de 1952 o sistema funcionava perfeitamente e era uma solução para aqueles tempos em que não havia celular.
Em outras oportunidades, neste blog, falaremos mais de Almirante.

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