No
início dos anos quarenta Assis Chateaubriand o Velho Capitão
queria transformar a rádio Tupi, que ele fundara, com muita festa, em setembro de 1935, na maior emissora carioca. As pioneiras
instalações da rua Santo Cristo 148 foram transferidas para a rua Venezuela 43.
No andar térreo, instalaram-se estúdios e o palco-auditório, como se dizia na
época.
E
a rádio foi, aos poucos, montando uma programação bem ao gosto popular:
radiojornalismo, futebol, radionovela,
programas de auditório e muita música ao vivo.
O
auditório da Tupi era muito lindo !
Instalações
e acústica perfeitas. Ele só tinha um pavimento e na extremidade contrária à
porta de entrada ficava o palco. Da plateia se tinha acesso por meio dos seis
degraus de uma escada que acompanhava toda a frente do palco. Este era grande
suficiente para abrigar uma orquestra de 20 figuras, material de contrarregra e
três microfones, sendo um deles do tipo girafa
ou boom que poderia ser manobrado por
um técnico, dando-lhe mais versatilidade
e maior raio de ação.
No
fundo do palco havia uma parede. Do outro lado dessa parede ficava o estúdio de
radioteatro
Pela
esquerda, na lateral do palco, se dava a entrada dos artistas. As crianças como
eu ficavam sentadinhas na escada de modo que era possível ver os artistas a um
metro de distância e acompanhar a ação dos operadores dentro da cabine de
vidro, a entrada e saída dos artistas, enfim todo o movimento da produção.
O
auditório nessa época era muito comportado.Esse comportamento mudaria para pior
uma década depois, com a alteração nos costumes. Os auditórios se tornariam
barulhentos, com disputas entre fanáticos e briga entre as macacas de auditório. Mas essa história será contada mais
tarde.Voltemos á nossa Tupi. A direção da Tupi decidiu criar uma programação de
auditório, num horário inédito: de onze da manhã a uma e meia da tarde.
Chamava-se
Rádio Sequência G-3,(O prefixo da rádio, na época, era PRG-3, daí o título do
programa), sob o comando de Gilberto Martins e depois de Paulo Gracindo, que
pertencia ao radioteatro.
Tal
horário pegava os ouvintes almoçando em suas casas, bares e restaurantes que
ligavam o rádio a todo o volume. Até nas calçadas do centro da cidade se podia escutar o animado programa.
Ele
era um “fantástico-show da vida” da era do rádio. Tinha de tudo um pouco:
poesia, humor, informação, promoções, sorteios, pontuado por muita música e
tudo ao vivo, com o público participando do auditório.
Tio
Walter era irmão de minha mãe. Ele trabalhava nos serviços gerais da Tupi e conseguia ingressos promocionais. Meu
avô materno era um português que morava
num sobrado que existe até hoje, no largo São Francisco da Prainha número
quinze, a uma centena de metros do prédio da Tupi. Assim,nas férias, almoçávamos
mais cedo e lá íamos a pé para ver “Rádio Seqüência G-3” .
O autor do blog, quando menino, visitava seu avô, que morava neste sobrado, que tem um toldo vermelho. Era a 100 metros do prédio da rádio Tupi.
Estúdios da rádio Tupi, ocupavam os 5 andares do prédio.O auditória ficava no térreo.A rádio Tamoio ocupava o segundo andar.
Eu
vibrava com tudo o que via. Tinha a orquestra de um jovem maestro que chegara a
pouco de Recife: Severino Araújo.
Silvino Neto era assim quando entrou para Rádio Sequência G-3
Manoel de Nóbrega e a cantora Edith, já na TV. Ele.=,
no inicio da carreira, era um dos redatores da Sequência G-3
Severino Araujo: recém chegado de Recife, foi para a Tupi com sua Orquestra Tabajara.
Quem
escrevia os textos humorísticos eram Silvino Neto e Manuel de Nóbrega, dois
jovens que mais tarde se destacariam na vida radiofônica. Silvino, pai de Paulo
Silvino, seria o autor da Pensão do
Pimpinela onde ele, sozinho, interpretava uma dezena de personagens. Manuel
de Nóbrega seria destaque no rádio paulista e depois na famosa Praça da Alegria na televisão.
E
na parte musical, destaque para Gilberto Alves, Pixinguinha, Odete Amaral,
Carlos Galhardo, Silvio Caldas, o casal Zé e Zilda,o conjunto regional de
Benedito Lacerda e um jovem de cabelos pretos que se apresentava com seu violão
cantando o mar e a Bahia: Dorival Caymmy
Chacrinha, jovem e magrinho quando começou anônimo na Sequencia G-3
Anos 40: Abelardo Chacrinha Barbosa e sua noiva
Jorge Veiga era o contrarregra do programa.
Depois realizaria seu sonho de se tornar cantor.
Orquestra Tabajara de Severino Araujo em uma de suas primeiras formações.
Paulo Gracindo era assim no Sequência G-3
Mauricio Sherman, Haroldo Barbosa, Max Nunes e Rubens Amaral, anos depois na TV Globo
Haroldo Barbosa escrevia quadros para Rádio Sequência G-3
e programas montados noturnos.Depois iria para a Nacional.
O cantor Deo: Ditador de Sucessos cantava na Sequência G-3
Wellington Botelho veio de São Paulo para a Tupi.No final de carreira revelou-se pintor de talento.
Max Nunes era ainda acadêmico de medicina quando escrevia quadros de humor para Sequência G-3
O contrarregra
do programa era Jorge Veiga que desejando ser cantor de qualquer maneira,
ficava implorando uma oportunidade a Paulo Gracindo. O que acabou conseguindo,
alcançando muito sucesso. Veiga, com sua bossa e voz fanhosa, inconfundível
seria apelidado, pelo próprio Gracindo de Caricaturista
do samba. E havia, finalmente, um rapaz magrinho, de cabelos pretos, terno
e gravata, que sem dizer uma
palavra,percorria o auditório e entregava notas de 5 e 10 cruzeiros aos acertadores
das promoções que Gracindo comandava do palco. Esse auxiliar prestimoso, que
entrava mudo e saia calado era Abelardo Barbosa, que anos mais tarde se
transformaria num fenômeno de comunicação e incorporaria o nome “Chacrinha”, porque o programa de rádio
dele que era uma zorra total, chamava-se
“O cassino do Chacrinha”.
Já
que o Presidente Dutra havia fechado os
cassinos no Brasil, em 1945, o Abelardo Barbosa resolveu criar o seu ...
Abelardo Chacrinha Barbosa inaugura o seu Cassino na Tupi. Depois foi para a Tamoio e voltaria a Tupi nos anos 60'. Consagração na TV Globo com a Discoteca do Chacrinha.
“Radio Sequencia G-3” tinha cenas humorísticas de radioteatro
escritas por, Barbosa Junior,Haroldo Barbosa,
Aloísio Silva Araújo, Silvino Neto, Manuel de Nóbrega, Max Nunes e
outros. Nóbrega escrevia diariamente o quadro “Cadeira de Barbeiro”, que tinha
a participação de Matinhos, o próprio
autor, Otávio França, Wellington Botelho e Abel Pêra, tio de Marília
Pêra . (o pai de Marília era Manuel Pêra,ator de teatro,cinema e TV)
“Cadeira de Barbeiro” viera de São Paulo,
onde tinha a participação de Manuel da Nóbrega em 1944. Depois passou a ser
apresentado no Rio, também. A ação se passava numa barbearia e rolavam aqueles
papos de salão de barbeiro que a gente conhece. Mas tudo inspirado nos costumes e sobretudo na política do dia a dia.
O contrarregra
tinha uma caixinha de fósforos que ele aproximava do microfone e raspava com um
pente, caricaturando a navalha passando no rosto do freguês-vítima que era
interpretado por Otávio França.
-“SENTA,
NÃO DEMORA”!
Exclamava o barbeiro interpretado por Aloysio, num
forte sotaque paulistano italianado. Ai rolavam
fatos engraçados com críticas à sociedade e a política mundial e
nacional.
Em
pleno governo da ditadura de Getúlio
Vargas e de Filinto Muller, chefe do temido Departamento de Imprensa e
Propaganda, o DIP as piadinhas rendiam advertências e ameaças à direção da
rádio. Depois, no governo Dutra, a repressão deu um refresco, mas a censura
continuava presente.
Ao
término de um desses programas, quando eu e minha mãe deixávamos a rádio,
correu na rua o boato, segundo o qual,
Aloysio havia saído da rádio num camburão, preso pelo DIP.
Isso
fazia aumentar mais ainda o sucesso do quadro e a audiência do programa.
Como
toda a censura é burra, o público ria das piadas de duplo sentido cujo espírito
os censores, muitas vezes, não logravam alcançar.
Abel
Pêra também interpretava um juiz em um
tribunal onde era julgado um réu. Era a “Queixa do dia”, escrita pelo jovem médico Max Nunes, que havia sido
convidado por Gilberto Martins. Havia os advogados e as testemunhas.
O
infeliz réu era gaiatamente interpretado
pelo excelente Otávio França, que gritava seu bordão:
-Mas o que foi que eu fiz ? O que foi que eu
fiz?
O quadro originava situações
engraçadas .
Era
quando Abel Pêra batendo com seu martelo na mesa, bradava:
-Silêncio ! Silêncio ! Caso contrário
mandarei evacuar o ambiente! Oh! Me! ! E o auditório vinha abaixo!
Havia
também uma dupla de maliciosas fofoqueiras: Mariquinha
e Maricota, vividas pelas atrizes Maria do Carmo e Luiza Nazaré. Por sinal,
esta última manteve-se ativa no radioteatro da Tupi por quase 40 anos.
Rádio Sequencia G-3, um show alegre e movimentado em que a Tupi batia
todos os recordes de audiência, era uma criação de Gilberto Martins, o mesmo de
“Em busca da felicidade”, novela pioneira do rádio brasileiro.
Entrava
no ar ao som de uma música alegre e gostosa, acompanhada pelo auditório,
autoria de José Mauro, cuja letra era um resumo do programa.
Que porção de atrações vem ouvir.
Vem ouvir anedota.
Assistir com prazer
Mariquinha e Maricota.
Tem gargalhada.
Tem a boa piada.
Tem também alegria.
Tem a queixa do dia.
Onze e meia acabou de bater.Bom humor
vem chegando.
Pra tomar o comando.
Que sensação vai ser.
Aqui está outra vez a Sequência G-3.
Não deixe de ouvir, se quer divertir.
Com Pêra, Matinhos e França, vai rir.
De 5 em 5 minutos ouvindo...
A voz do Paulo Gracindo...
Entrava
no palco, então, sob os aplausos em seu impecável terno branco, Gracindo
determinando:
Minha senhora, largue as panelas e venha
ouvir Rádio Sequência G-3!
José Mauro, aqui, na Tamoio dos anos 50'.
Nos anos 40 era da Tupi.Foi também um dos baluartes da Nacional.
Com
meus quatro, cinco anos de idade ficava tão maravilhado, que quando voltava para casa,
ia para trás da porta da sala de jantar e tentava
repetir o programa imitando as vozes, cantando as músicas de sucesso e fazendo
os ruídos da contrarregra.
O autor do blog com o pai: ainda pequeno,
porém grande apaixonado pelo rádio.
Eu era muito
pequeno,mas tal experiência foi tão forte, que quando completei treze anos,
peguei o
bonde Méier 99, saltei na praça Mauá e fui sozinho à Nacional fazer um
teste.
Aprovado, dois meses depois, estreei no Clube Juvenil Toddy, programa dirigido pela professora Maria de
Lourdes Alves e que ia ao ar às quintas-feiras às quatro e meia da tarde.Me mantive na rádio durante 10 anos.
Não há a menor sombra de dúvida: a visão da Rádio Sequencia G- 3 despertou em mim uma vocação tão forte, que o rádio jamais deixou de fazer parte de minha vida.
Não há a menor sombra de dúvida: a visão da Rádio Sequencia G- 3 despertou em mim uma vocação tão forte, que o rádio jamais deixou de fazer parte de minha vida.
O autor do blog, aos 13 anos, quando ingressou na Nacional.
Voltando
à “Sequencia”; foi em 1947 que Paulo Gracindo
assumiu o comando do programa. Já então ele era uma estrela que brilhava
no radioteatro do “Cacique do ar”,tanto que
assinou um contrato milionário
com a emissora, no qual ele tinha participação na bilheteria, procedimento raro, na época.
No
dia 12 de abril de 1947 a
revista “O Cruzeiro” assim noticiava na seção “Background” assinada por
Fernando Lobo, pai do cantor Edu Lobo e
produtor de grandes sucessos do rádio da época.
“Paulo Gracindo assumiu a direção de Rádio Sequencia G-3,
programa anteriormente criado por Gilberto Martins.
O auditório da Tupi ficou abarrotado na
primeira segunda-feira em que o galã apareceu comandando o grande show.
A praça em frente ao prédio recebeu uma
multidão de mais de quinze mil pessoas que não puderam entrar.
Paulo
Gracindo é bilheteria e da bilheteria ele tem 25 por cento”.
Antes
de animar a Rádio Sequência G-3 Paulo
Gracindo já comandara o programa de auditório aos domingos no final da tarde, após a transmissão do
futebol.
Os
jogos, na era pré-Maracanã, começavam às 15 horas e terminavam às 17 horas,
porque a iluminação dos estádios era precária.
O
Programa Paulo Gracindo era um típico programa de auditório com artistas,
prêmios, brincadeiras e muita música.
O
programa se aproveitava da audiência do
futebol e como tudo que Gracindo fazia , virava sucesso.
Um
número da revista Carioca do ano de 1946 estampa uma foto do artista ao
microfone da Tupi e a legenda :
Paulo Gracindo é hoje um dos grandes nomes do radioteatro brasileiro. Sua atuação nesse gênero na PRG-3 o fez popular a valer e seu programa domingueiro, ao qual empresta seu próprio nome, dá-lhe ainda projeção maior.
Paulo Gracindo, ao microfone da Tupi é o
que nos mostra a gravura à esquerda ao
alto desta página.
PERU COM FAROFA.
Todos
os domingos o Restaurante Reis, um dos
mais famosos do centro da cidade, que ficava na avenida Almirante Barroso, em frente à antiga sede do jornal O Globo no velho largo da Carioca,
mandava um imenso e delicioso peru assado com farofa que era sorteado entre os
ouvintes que compareciam ao auditório.
Anos quarenta: prédio da antiga sede do jornal O Globo. À esquerda o hotel Avenida, hoje edifício Avenida Central. O restaurante Reis ficava em frente à sede do jornal.
Num
domingo de páscoa, adivinhem quem ganhou o peru assado?
Sim! dona Áurea Salvador, minha mãe!
Recebeu
o prêmio no palco, das mãos de Gracindo.
Quando
a família ouviu pelo rádio o resultado do sorteio, foi toda para o Largo São
Francisco da Prainha número quinze.(Ver foto no início do blog)
Meu
pai fora ver um Vasco e Flamengo em São Januário.
Ao
final do jogo rumou para a casa de meu avô para nos buscar. Como não sabia de nada, teve uma grande e
agradável surpresa e ao ver a casa cheia, mandou comprar umas cervejas no
botequim da esquina.
Anos quarenta: o estádio de São Januário era assim.
Foi
uma baita farra até porque o Vasco havia vencido o jogo e toda a família era
vascaína. Afora as gozações tais como: “Áurea, que tal o peru do Paulo
Gracindo?” E coisas que tais.
Nunca
vi tanta gente em volta de um peru só.
Que bacana sua pesquisa. Estou produzindo um documentário sobre Luz del fuego e ela cita que estava participando deste programa. Gostaria de saber se voce teria ideia de onde encontrar gravações deste programa. Te seria eternamente grato.
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