A
formação de recursos humanos para o rádio
se processou de diversas formas,conforme
veremos a seguir.
Tudo
começou com mestre Edgar Roquette-Pinto que aproveitava nas programações da
Rádio Sociedade do Rio de Janeiro
intelectuais de suas relações que eram atraídos pela novidade do veículo.
Edgar Roquette-Pinto: elegância, visão futurista e competência.
A
pioneira Rádio Sociedade do Rio de
Janeiro mais parecia uma extensão da Academia de Ciências, à qual pertencia
mestre Roquette. Os acadêmicos, a convite, do introdutor do rádio no Brasil,
faziam de tudo. Eles escreviam programas e iam para o microfone apresentá-los.
O
próprio Roquette-Pinto acordava todas as manhãs, bem cedo, lia os matutinos a
procura de algo que fosse de interesse para os ouvintes. Ele usava o expediente de passar um círculo com seu lápis
de cor em volta da notícia. Quando havia selecionado todo o material, era a
hora de ir para o microfone apresentar o Jornal
da Manhã que entrava no ar, pontualmente,
às 7 horas. Mas ele não se limitava a ler a notícia, fazia também comentários,
alguns jocosos, outros líricos. Certa
vez, ao ler o anúncio de uma noiva que estava vendendo todo o seu enxoval,
comentou, lançando mão de imagens poéticas: “o que teria acontecido na vida
dessa moça, que estava agora vendendo todo o seu enxoval, inclusive o próprio
vestido”?
No
noticiário internacional, falava sobre o país focalizado e contribuía para que os ouvintes formassem uma opinião, mantendo-os atualizados
com o dia a dia do mundo.
Roquette-Pinto
era realmente um mestre, preocupado com a cultura de nosso povo e o fazia de
forma inteligente e criativa.
Depois
do Jornal da manhã entravam “outras
atrações”. Alguns acadêmicos levavam seus discos botavam-nos para tocar e
faziam comentários sobre as músicas e os intérpretes. Havia os que recitavam
poesias ou se apresentavam ao piano.
A
Revista da Fundação Roquette-Pinto editada em 1983, em homenagem aos 60 anos da
Rádio MEC publicou o seguinte, a respeito do mestre:
Para que não se pense que a rádio era um
instrumento de sua vaidade, é bom dizer
que Roquette era extremamente
eficiente ao piano e que sua voz de barítono era elogiada pelos entendidos.Ele
próprio era um homem rigoroso: quando,
certa vez, o escritor Afrânio Peixoto
insistiu em cantar na rádio, Roquette não fez por menos: “Mas com essa voz,
Afrânio??? Peixoto caiu em si e
contentou-se em recitar poemas de cordel,no que foi acompanhado ao piano por
Roquette.
Mestre Roquette-Pinto amava o rádio e via nele um veículo a serviço da educação
Aparelho de rádio dos anos trinta.
Quando,
pouco depois, começaram a surgir outras emissoras, os elencos eram formados por
curiosos, amadores, também atraídos pela novidade. O profissionalismo no rádio
teve um grande pioneiro: Ademar Casé. Ele trouxe os anúncios, os reclames,
para o rádio. Os patrocinadores pagavam às rádios e estas passaram a pagar aos
participantes. Surgia assim, o rádio profissional, em que locutores, redatores,
cantores, técnicos e músicos trabalhavam e recebiam cachê. Mas, se tinham
direitos, possuíam também obrigações. O famoso Programa Casé foi o
enorme celeiro de profissionais da época. Quem era bom, naquela época,
certamente, passou no crivo do Casé.
Muitos
daqueles que se tornariam verdadeiros baluartes do rádio surgiram do programa
que Casé produzia .
Este cartaz, distribuído pela cidade nos anos 30
divulgava o maior programa do rádio brasileiro.
Nos
anos trinta Almirante, o cantor
Francisco Alves e Carlos Lopes Campeão se juntaram a Casé e formaram uma sociedade destinada a produzir
Suplementos do Programa Casé. Cada um tinha uma função. Cabia a Almirante, que
falava e redigia muito bem apresentar o programa. Francisco Alves, um ídolo na
época era o responsável pela parte artística. Campeão caçava anunciantes e
finalmente Casé cuidava dos contatos junto à Rádio Philips, alugando os
horários.
Haroldo Barbosa iniciou sua brilhante carreira no rádio como contraregra
e depois redator do Programa Casé
Renato Murce de chapéu claro, Lauro Borges, chapéu cinza e Dilermando Reis, casaco claro no braço:
Astros do Programa Casé
Murce, ainda no início de carreira
O
programa alcançou enorme sucesso e chegou a durar 12 horas! O elenco cada vez
mais era enriquecido com a chegada de novos valores criteriosamente
selecionados.
A
programação era inteligente, variada e dinâmica. Um desafio à criatividade dos
redatores e apresentadores, que eram verdadeiras feras: Paulo Roberto, Silvino
Neto, Lauro Borges, Castro Barbosa, Colé, Alvarenga e Ranchinho, isto sem falar
do desfile de cantores e músicos !
Manter este ritmo por 12 horas seguidas, era mais do que um desafio: era uma
loucura.
Alvarenga e Ranchinho: humor caipira no Programa Casé e
crítica ao regime político da época.
Orlando Silva, atração musical do Casé.
Foi
na crista dessa onda que o gênio e a equipe de Casé introduziram o radioteatro
na programação com a colaboração de Sadi Cabral, com enorme sucesso, Casé bolou
uma série que se chamou Romances imortais
que dramatizavam desde fábulas de La Fontaine até clássicos da literatura.
Nem
a história do Brasil ficou de fora. Uma série chamada Dona História com licença era uma atração a mais no Programa Casé.
Na
crista dessa onda surge o Teatro Sherlock, que eram adaptações dos
textos de Sir Connan Doyle e que tinha
Alziro Zarur no papel do detetive.
Alziro Zarur: antes de se tornar um dos baluartes do rádio,
foi radioator no Programa Casé
Tudo
muito bem. Mas onde estavam os recursos humanos para formação do elenco?
Quando
Olavo de Barros introduziu o pioneiro radioteatro na Tupi e Vitor Costa fez o
mesmo na Nacional, os talentos eram amealhados junto ao teatro, buscando-se os
atores e atrizes que tivessem boa voz, dicção perfeita e o essencial: que
lessem bem, de primeira, como se dizia na época
e sobretudo que se adaptassem à linguagem radiofônica.
Mas
no Programa Casé foi um pouco
diferente. Os aspirantes é que procuravam a produção do programa para se
submeterem a testes. Outros eram indicados por colegas.
Alguns
já carregavam alguma experiência em rádio e além dos que eram oriundos do
teatro, havia os que vinham também do
circo.
Quanta
gente de valor: Mafra Filho, Alda Verona, Tina Vita, José Vasconcelos,
Henriqueta Brieba, Paulo Roberto, todos estes que brilhariam depois na
Nacional.
Sem
deixar de citar os mais experientes como
Renato Murce e Cordélia Ferreira.
Havia
Cahuê Filho que se imortalizou como o Moleque
Saci, em Jerônimo.
E um contraregra, Haroldo Barbosa que assumiu a
função por acaso, para substituir o irmão Evaldo Ruy. Ambos se consagrariam, mais
tarde, como importantes nomes do rádio.
O
locutor ou speaker como se dizia na
época era Antonio Nássara que depois se transformaria em redator dos anúncios
que iam ao ar e que justamente por isso, viria a compor o primeiro jingle feito
para o rádio, um fado que cantava as delícias do famoso Pão Bragança, fabricado na padaria
Bragança de Botafogo, anunciante do programa e que dizia assim:
Oh! Padeiro desta rua,
Tenho sempre na lembrança.
Não me tragas outro pão
Que não seja o Pão Bragança
Fome inimiga do homem.
Pão inimigo da fome.
E quando os dois não se matam
A gente fica na mão.
Ademar
Casé: seu programa foi um marco no rádio brasileiro, tanto pelas ideias
inovadoras, quanto por ter sido o responsável por revelar uma verdadeira
geração de artistas, que, em breve,
revolucionariam o rádio
brasileiro.
Realmente,
o Programa Casé foi uma verdadeira
incubadora de talentos.
Há
que se frisar a presença constante do autodidatismo na formação dos recursos
humanos para o rádio. Não havia cursos de formação nem de aperfeiçoamento. Não
havia onde se aprender nada. Tudo se aprendia
fazendo.Os artistas precisavam
possuir um talento nato, que se
aprimorava às custas da observação, espelhando-se nos mais experientes com uma
forte dose de boa vontade e perseverança.
José de Vasconcelos, fazia de tudo no Programa Casé.
Com
o passar do tempo desenvolveram-se outras formas pelas quais se formariam os
recursos humanos para o rádio e uma delas foi o surgimento de programas
infanto-juvenis que revelavam os futuros talentos. Havia também os programas de
calouros, que embora voltados mais para músicos e cantores, também revelavam
radioatores e locutores. Os colégios mais importantes possuíam seus grêmios
artístico-literários que organizavam eventos de onde surgiam talentos que
depois partiam parta o rádio. Colégios como o Pedro II e o Piedade chegaram a possuir horários em
emissoras de rádio de onde viriam a surgir novos talentos. Em meados dos anos
quarenta, conforme relatamos no capítulo da Rádio Ministério da Educação o
professor Libânio Guedes que era do Colégio Pedro II lançou na MEC o programa A juventude cria, que revelou inúmeros
jovens para o radioteatro. Ainda por esta época René Cave instituiu na mesma
emissora, um concurso para selecionar jovens radioatores que atuariam no Teatro
da mocidade que revelou Fernanda
Montenegro com apenas 15 anos de idade e
muitos outros artistas.
O programa Papel Carbono de Renato Murce também
revelou muita gente boa. Calouros do Ari,
de Ari Barroso, igualmente embora me parecendo que Murce era mais seletivo,
mais sério e menos espetacular. A contribuição de Papel carbono na formação de recursos humanos para o rádio foi
muito grande.
Entre
os programa infanto-juvenis importantes citaremos Os Curumins da Tupi dirigido por
Silvia Autuori, a Tia Chiquinha. Este
importante programa que também revelou muita
gente boa, tinha como redator um jovem que
depois se consagraria como autor de novelas: Moysés Weltman.
Outro
programa nos mesmos moldes era o Clube do
Guri, de Samuel Rosenberg, também nas Associadas e que igualmente revelou muita gente boa.
A revista Radiolândia
durante um certo período dedicou uma
coluna ao Clube do Guri.
Samuel Rosemberg lançou centenas de jovens valores com seu Clube do Guri
No número 8 publicado na primeira quinzena de
abril de 1954, encontrei:
No terceiro andar do prédio das
Associadas, trabalha um dos homens mais dinâmicos do rádio: Samuel Rosenberg.È
simples, calmo e gosta de crianças Vem justamente daí a oportunidade que têm os
ouvintes de assistirem a programa de rádio como o Clube do Guri e da televisão
como Gurilândia. Rosenberg é um autêntico descobridor de talentos e, no seu
mister , todos os dias são úteis para orientar, ensaiar e apresentar seus
pequenos artistas.
A reportagem de Radiolândia esteve
presente a uma das audições do Clube do Guri.A manhã era ensolarada e no saguão
do edifício se acotovelavam uma pequena multidão.Meninos e meninas de todas as
idades com seus trajes domingueiros,
aguardavam ansiosos a entrada para o auditório. Pais e mães participando da
mesma alegria , comentavam sobre esta ou aquela
figura preferida como expressão de arte infantil.
Subimos e
minutos depois ouvíamos o slogan: O Clube do Guri é o celeiro dos
artistas novos.
Então o tempo passou muito depressa porque
foi pouco para ouvirmos todos os pequenos grandes artistas., cada um mais
perfeito dentro de sua especialidade.Heloisa Helena de Carvalho, Helena Maria
Soares, Telma Elita, José da Cruz, Sonia Delfino e outras meninas que
brevemente poderão brilhar como Zaira Cruz- cujo talento foi descoberto por
Samuel Rosenberg, interpretando números solicitados em cartas dos seus fãs.
Não faltaram músicos, cantores, bailarinos,
locutores e elementos de grande valor para o radioteatro. E como nota curiosa a
inesquecível a pequeníssima, Leila,zelo
secretária do clube, com seus 5 anos apenas, discorrendo com facilidade
espantosa sobre este ou aquele assunto referente ao programa.
Leila, 5 anos era a secretária do programa.
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