quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

DE ONDE VINHAM OS PRIMEIROS TALENTOS DO VELHO RÁDIO



A formação de recursos humanos para o rádio  se processou de diversas formas,conforme  veremos a seguir.
Tudo começou com mestre Edgar Roquette-Pinto que aproveitava nas programações da Rádio Sociedade do  Rio de Janeiro intelectuais de suas relações que eram atraídos pela novidade do  veículo.
Edgar Roquette-Pinto: elegância, visão futurista e competência.

A pioneira Rádio Sociedade do Rio de Janeiro mais parecia uma extensão da Academia de Ciências, à qual pertencia mestre Roquette. Os acadêmicos, a convite, do introdutor do rádio no Brasil, faziam de tudo. Eles escreviam programas e iam para o microfone apresentá-los.
O próprio Roquette-Pinto acordava todas as manhãs, bem cedo, lia os matutinos a procura de algo que fosse de interesse para os ouvintes. Ele usava o  expediente de passar um círculo com seu lápis de cor em volta da notícia. Quando havia selecionado todo o material, era a hora de ir para o microfone apresentar o Jornal da Manhã que entrava no ar, pontualmente, às 7 horas. Mas ele não se limitava a ler a notícia, fazia também comentários, alguns jocosos, outros  líricos. Certa vez, ao ler o anúncio de uma noiva que estava vendendo todo o seu enxoval, comentou, lançando mão de imagens poéticas: “o que teria acontecido na vida dessa moça, que estava agora vendendo todo o seu enxoval, inclusive o próprio vestido”?
No noticiário internacional, falava sobre o país focalizado e contribuía  para que os ouvintes  formassem uma opinião, mantendo-os atualizados com o dia a dia do mundo.
Roquette-Pinto era realmente um mestre, preocupado com a cultura de nosso povo e o fazia de forma inteligente e criativa.
Depois do Jornal da manhã entravam “outras atrações”. Alguns acadêmicos levavam seus discos botavam-nos para tocar e faziam comentários sobre as músicas e os intérpretes. Havia os que recitavam poesias  ou se apresentavam ao piano.
A Revista da Fundação Roquette-Pinto editada em 1983, em homenagem aos 60 anos da Rádio MEC publicou o seguinte, a respeito do mestre:

Para que não se pense que a rádio era um instrumento de sua vaidade, é bom dizer  que Roquette  era extremamente eficiente ao piano e que sua voz de barítono era elogiada pelos entendidos.Ele próprio era um homem  rigoroso: quando, certa vez, o escritor Afrânio  Peixoto insistiu em cantar na rádio, Roquette não fez por menos: “Mas com essa voz, Afrânio???  Peixoto caiu em si e contentou-se em recitar poemas de cordel,no que foi acompanhado ao piano por Roquette.
Mestre Roquette-Pinto amava o rádio e via nele um veículo a serviço da educação
Aparelho de rádio dos anos trinta.


Quando, pouco depois, começaram a surgir outras emissoras, os elencos eram formados por curiosos, amadores, também atraídos pela novidade. O profissionalismo no rádio teve um grande pioneiro: Ademar Casé. Ele trouxe os anúncios, os  reclames, para o rádio. Os patrocinadores pagavam às rádios e estas passaram a pagar aos participantes. Surgia assim, o rádio profissional, em que locutores, redatores, cantores, técnicos e músicos trabalhavam e recebiam cachê. Mas, se tinham direitos, possuíam também obrigações. O famoso Programa Casé foi o enorme celeiro de profissionais da época. Quem era bom, naquela época, certamente, passou no crivo do Casé.
Muitos daqueles que se tornariam verdadeiros baluartes do rádio surgiram do programa que Casé  produzia .
Este cartaz, distribuído pela cidade nos anos 30
 divulgava o maior programa do rádio brasileiro.

Nos anos trinta  Almirante, o cantor Francisco Alves e Carlos Lopes Campeão se juntaram a Casé  e formaram uma sociedade destinada a produzir Suplementos do Programa Casé. Cada um tinha uma função. Cabia a Almirante, que falava e redigia muito bem apresentar o programa. Francisco Alves, um ídolo na época era o responsável pela parte artística. Campeão caçava anunciantes e finalmente Casé cuidava dos contatos junto à Rádio Philips, alugando os horários.
Haroldo Barbosa iniciou sua brilhante carreira no rádio como contraregra 
 e depois redator do Programa Casé
Renato Murce de chapéu claro, Lauro Borges, chapéu cinza e Dilermando Reis, casaco claro no braço:
Astros do Programa Casé

Murce, ainda no início de carreira
 O programa alcançou enorme sucesso e chegou a durar 12 horas! O elenco cada vez mais era enriquecido com a chegada de novos valores criteriosamente selecionados.
A programação era inteligente, variada e dinâmica. Um desafio à criatividade dos redatores e apresentadores, que eram verdadeiras feras: Paulo Roberto, Silvino Neto, Lauro Borges, Castro Barbosa, Colé, Alvarenga e Ranchinho, isto sem falar do desfile de  cantores e músicos ! Manter este ritmo por 12 horas seguidas, era mais do que um desafio: era uma loucura.
Alvarenga e Ranchinho: humor caipira no Programa Casé e
 crítica ao regime político da época.
Orlando Silva, atração musical do Casé.

Foi na crista dessa onda que o gênio e a equipe de Casé introduziram o radioteatro na programação com a colaboração de Sadi Cabral, com enorme sucesso, Casé bolou uma série que se chamou Romances imortais que dramatizavam desde fábulas de La Fontaine até clássicos da literatura.
Nem a história do Brasil ficou de fora. Uma série chamada Dona História com licença era uma atração a mais no Programa Casé.
Na crista dessa onda surge o  Teatro Sherlock, que eram adaptações dos textos de Sir Connan Doyle e que tinha Alziro Zarur no papel do detetive.
Alziro Zarur: antes de se tornar um dos baluartes do rádio, 
foi radioator no Programa Casé
Tudo muito bem. Mas onde estavam os recursos humanos para formação do elenco?

Quando Olavo de Barros introduziu o pioneiro radioteatro na Tupi e Vitor Costa fez o mesmo na Nacional, os talentos eram amealhados junto ao teatro, buscando-se os atores e atrizes que tivessem boa voz, dicção perfeita e o essencial: que lessem bem, de primeira, como se dizia na época  e sobretudo que se adaptassem à linguagem radiofônica.
Mas no Programa Casé foi um pouco diferente. Os aspirantes é que procuravam a produção do programa para se submeterem a testes. Outros eram indicados por colegas.
Alguns já carregavam alguma experiência em rádio e além dos que eram oriundos do teatro, havia os que vinham também  do circo.
Quanta gente de valor: Mafra Filho, Alda Verona, Tina Vita, José Vasconcelos, Henriqueta Brieba, Paulo Roberto, todos estes que brilhariam depois na Nacional.
Sem deixar de citar os mais  experientes como Renato Murce e Cordélia Ferreira.
Havia Cahuê Filho que se imortalizou como o Moleque Saci, em Jerônimo.
E  um contraregra, Haroldo Barbosa que assumiu a função por acaso, para substituir o irmão Evaldo Ruy. Ambos se consagrariam, mais tarde, como importantes nomes do rádio.
O locutor ou speaker como se dizia na época era Antonio Nássara que depois se transformaria em redator dos anúncios que iam ao ar e que justamente por isso, viria a compor o primeiro jingle feito para o rádio, um fado que cantava as delícias do famoso Pão Bragança, fabricado na padaria Bragança de Botafogo, anunciante do programa e que dizia assim:

Oh! Padeiro desta rua,
Tenho sempre na lembrança.
Não me tragas outro pão
Que não seja o Pão Bragança

Fome inimiga do homem.
Pão inimigo da fome.
E quando os dois não se matam
A gente fica na mão.


Ademar Casé: seu programa foi um marco no rádio brasileiro, tanto pelas ideias inovadoras, quanto por ter sido o responsável por revelar uma verdadeira geração de artistas, que, em breve,  revolucionariam  o rádio brasileiro.
Realmente, o Programa Casé foi uma verdadeira incubadora  de talentos.

Há que se frisar a presença constante do autodidatismo na formação dos recursos humanos para o rádio. Não havia cursos de formação nem de aperfeiçoamento. Não havia onde se aprender nada. Tudo se aprendia  fazendo.Os artistas  precisavam possuir  um talento nato, que se aprimorava às custas da observação, espelhando-se nos mais experientes com uma forte dose de boa vontade e perseverança.

José de Vasconcelos, fazia de tudo no Programa Casé.

Com o passar do tempo desenvolveram-se outras formas pelas quais se formariam os recursos humanos para o rádio e uma delas foi o surgimento de programas infanto-juvenis que revelavam os futuros talentos. Havia também os programas de calouros, que embora voltados mais para músicos e cantores, também revelavam radioatores e locutores. Os colégios mais importantes possuíam seus grêmios artístico-literários que organizavam eventos de onde surgiam talentos que depois partiam parta o rádio. Colégios como o Pedro II e o  Piedade chegaram a possuir horários em emissoras de rádio de onde viriam a surgir novos talentos. Em meados dos anos quarenta, conforme relatamos no capítulo da Rádio Ministério da Educação o professor Libânio Guedes que era do Colégio Pedro II lançou na MEC o programa A juventude cria, que revelou inúmeros jovens para o radioteatro. Ainda por esta época René Cave instituiu na mesma emissora, um concurso para selecionar jovens radioatores que atuariam no  Teatro da mocidade que revelou Fernanda Montenegro com apenas 15 anos de idade  e muitos outros artistas.
O programa Papel Carbono de Renato Murce também revelou muita gente boa. Calouros do Ari, de Ari Barroso, igualmente embora me parecendo que Murce era mais seletivo, mais sério e menos espetacular. A contribuição de Papel carbono na formação de recursos humanos para o rádio foi muito grande.
Entre os programa infanto-juvenis importantes citaremos Os Curumins da Tupi dirigido por Silvia Autuori, a Tia Chiquinha. Este importante programa que também revelou muita gente boa, tinha como redator um jovem que   depois se consagraria como autor de novelas: Moysés Weltman.
Outro programa nos mesmos moldes era o Clube do Guri, de Samuel Rosenberg, também nas Associadas e que igualmente revelou muita gente boa.
A revista Radiolândia durante um  certo período dedicou uma coluna ao Clube do Guri.

Samuel Rosemberg lançou centenas de jovens valores com seu Clube do Guri
No  número 8 publicado na primeira quinzena de abril de 1954, encontrei:

No terceiro andar do prédio das Associadas, trabalha um dos homens mais dinâmicos do rádio: Samuel Rosenberg.È simples, calmo e gosta de crianças Vem justamente daí a oportunidade que têm os ouvintes de assistirem a programa de rádio como o Clube do Guri e da televisão como Gurilândia. Rosenberg é um autêntico descobridor de talentos e, no seu mister , todos os dias são úteis para orientar, ensaiar e apresentar seus pequenos artistas.
A reportagem de Radiolândia esteve presente a uma das audições do Clube do Guri.A manhã era ensolarada e no saguão do edifício se acotovelavam uma pequena multidão.Meninos e meninas de todas as idades  com seus trajes domingueiros, aguardavam ansiosos a entrada para o auditório. Pais e mães participando da mesma alegria , comentavam sobre esta ou aquela  figura preferida como expressão de arte infantil.
Subimos e  minutos depois ouvíamos o slogan: O Clube do Guri é o celeiro dos artistas novos.
Então o tempo passou muito depressa porque foi pouco para ouvirmos todos os pequenos grandes artistas., cada um mais perfeito dentro de sua especialidade.Heloisa Helena de Carvalho, Helena Maria Soares, Telma Elita, José da Cruz, Sonia Delfino e outras meninas que brevemente poderão brilhar como Zaira Cruz- cujo talento foi descoberto por Samuel Rosenberg, interpretando números solicitados em cartas dos seus fãs.

Não faltaram músicos, cantores, bailarinos, locutores e elementos de grande valor para o radioteatro. E como nota curiosa a inesquecível  a pequeníssima, Leila,zelo secretária do clube, com seus 5 anos apenas, discorrendo com facilidade espantosa sobre este ou aquele assunto referente ao programa.
Leila, 5 anos era a secretária do programa.

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