A PRE-8 possuía um bom estúdio no 22º. andar do edifício A Noite. No princípio esse estúdio era utilizado praticamente para tudo. Mas a demanda das novelas levou Vitor Costa a mandar fazer modificações no estúdio, proporcionando mais realismo e melhorando a técnica de produção das novelas.
Graças ao trabalho de Édmo do Vale a contra-regra do estúdio de radioteatro da Nacional foi bastante incrementada, passando a ser uma referência.
Esse estúdio funcionou com muita efetividade até setembro de 1952, quando, ao encenar o último capítulo do Direito de Nascer entrou em reformas, surgindo daí a fábrica de sonhos que perdura até hoje.
ESTÚDIO VITOR COSTA, O MAXIMO DE TECNOLOGIA PARA A ÉPOCA.
Cheguei a conhecer o antigo estúdio. No dia em que pisei na Nacional para fazer meu teste, ainda assisti ao “Clube Juvenil Toddy” de lá.
Os programas seguintes e todas as novelas passaram,temporariamente, para um pequeno estúdio no 21º. andar. Era tudo muito apertado, enquanto, em ritmo acelerado,
seguiam as obras do 22.
O TRATAMENTO ACÚSTICO, UM DESAFIO PARA A TECNOLOGIA DA ÉPOCA.
A construção do novo estúdio de radioteatro foi uma tarefa difícil, um desafio, para os recursos arquitetônicos da época. A começar pelo ar condicionado. No início dos anos cinquenta a tecnologia ainda não desenvolvera motores e mais silenciosos de maneira que os barulhentos compressores foram colocados estrategicamente distantes do estúdio para seu ruído não ser captado pelos microfones. O ar frio vinha por dutos revestidos por um material isolante feito de um produto chamado eucatex, novidade no momento, pois ainda não se tinha descoberto o isopor, produto com reconhecidas virtudes isolantes de ruído e calor. O isolamento acústico do estúdio recebeu paredes duplas revestidas por placas do tal eucatex e o piso era um bonito tapete cor de mel.
Com isso a acústica era perfeita. Mas houve um problema que os técnicos jamais puderam contornar: o apito dos transatlânticos no Armazém 1 da avenida Rodrigues Alves. Não havia jeito. Quando aqueles monstros apitavam, o poderoso som vazava para o estúdio. Não que entrasse muito forte, mas dava para perceber. Não foram poucas as vezes que durante um capítulo de novela o navio “partiu ou chegou sem avisar”, como dizia um samba na época. Mas os ouvintes das novelas acabaram se acostumando.
Mas, apitos a parte o estúdio Vitor Costa ficou um deslumbramento!
A direção da emissora havia idealizado uma casa de madeira no interior do estúdio.
Dentro dela tudo que tem uma casa: pratos, talheres, tanque, piso de cerâmica, piso de madeira, campainhas de diversos tipos, relógios, jardim com piso em cascalho para imitar passos fora de casa, vidraças que seriam quebradas, portas de madeiras, janelas e
uma porta de automóvel.
Além disso, havia ainda uma roda de madeira, que girando num eixo de couro seco, imitava a porta de um castelo ou de uma prisão. E também luvas de boxe e socos de madeira para as cenas de luta. E mais: um revólver de festim e uma série de outras traquitanas que produziam os efeitos sonoros desejados.
O projeto e a decoração ficaram a cargo de Ozório Belém e a “casa” recebeu o nome de Vila Armando Duval, um famoso ator da época e pai da radioatriz Ismênia dos Santos, que era a esposa de Vitor Costa. Ficou tudo em família.
Certamente para dar um tom mais aconchegante ao ambiente doméstico, o decorador teve a ideia de colocar uma placa sob um sino que era usado nos efeitos sonoros. Diz a placa, até hoje preservada:
Sino, coração da aldeia,
Coração, sino da gente .
Um a sentir quando bate
Outro a bater quando sente.
Meu pai, Antonio Salvador, português, chegou ao Brasil como jovem imigrante, no início dos anos trinta. Trazia, em sua bagagem, entre outras coisas um pequeno azulejo branco, em forma de quadro, com estes versos pintados em letras azuis.
Eu, desde pequeno, lia e relia os versinhos, com o azulejo na parede da sala de jantar de nossa casa no bairro do Engenho Novo, encantado com o jogo e a poesia das palavras.
Lembro-me, quando aos 13 anos pisei a primeira vez aquele estúdio, que a coisa que mais me chamou a atenção foram os tais versos, então muito familiares para mim.
Nos finais de semana, quando as novelas não iam ao ar, o estúdio ocioso, recebia a visita de turistas credenciados que vinham de diversas partes do país para conhecer “a fábrica de sonhos”.
Estúdio Vitor Costa,
inaugurado em setembro de 1952 e preservado até hoje.
A PORTA MAL ASSOMBRADA E A BALA PERDIDA NO ESTÚDIO
Tenho duas histórias para contar. Uma sobre aquela roda de madeira e outra sobre tiros dentro de um estúdio com o revólver de festim.
Sobre a roda de madeira há uma historinha. Certo dia, ao saber que o presidente Eurico Dutra iria visitar a rádio, Vitor Costa, então diretor de rádioteatro expediu circular a todos os funcionários para que deixassem seus setores arrumados . Essas providências que sempre se tomam quando vai visita na casa da gente.
Manuelzinho era um jovem imigrante português recém-chegado da terrinha ainda com suas faces coradas, era o encarregado da faxina no estúdio. Cheguei a conhecê-lo pessoalmente quando entrei para a rádio.
Pois Manuelzinho que recebera ordens para dar uma faxina no estúdio e deixá-lo um brinco, não fez por menos: ao verificar que aquela roda fazia “um certo barulho”, passei-lhe um Óleo de Peroba e assim o problema ficou resolvido”.
Resultado o efeito que era muito utilizado em programas de terror como o Sombra, ficou inoperante vários dias, até que se providenciasse um novo eixo sem lubrificação.
Sobre o tiro. Foi num programa que havia às terças-feiras às 22 horas: As aventuras do Sombra.
O Sombra vinha dos Estados Unidos onde se chamava Shadow. Em São Paulo era vivido por Gabus Mendes e no Rio por Saint-Clair Lopes.
Cabia a Herrera Filho fazer a adaptação brasileira. Era um desafio mostrar um personagem invisível através do rádio. Mas a solução foi encontrada. A voz do ator era normal, mas quando o personagem virava o Sombra e ficava invisível, o ator fazia uma
voz cavernosa. Era a senha que o ouvinte já entendia.
-Quem sabe o mal que se esconde dentro dos corações humanos? O Sombra sabe!
E vinha aquela risada sarcástica:
Ah... ah... ah... ah...!
Numa noite contracenavam o bandido: Floriano Faissal e o detetive Sombra, Saint-Clair Lopes.
Floriano ameaça o detetive com um revólver que dispararia em seguida;
- Vou te matar com este revólver !
Mas o revólver falhou, talvez por causa do ar condicionado do estúdio.Só se ouviu, para
desespero do contra-regra, um frustrante “tec, tec,tec”.
Floriano, com grande presença de espírito, para consertar a cena, exclama:
-Meu revólver falhou, mas vou te matar com esta faca !
Mas ai, finalmente, saiu o tiro.
Foi a primeira facada a pólvora do rádio brasileiro.
A partir deste incidente, os revólveres foram abandonados. Os “inventores” contraregras passaram a colocar diversas espoletas numa placa de ferro. Na hora que tinha que sair o tiro dava-se uma martelada na espoleta e esta disparava. Não havia erro. Se falhava uma, rapidamente, martelava-se a espoleta da carreira do lado.
Nunca mais houve balas perdidas no rádioteatro.
A tal “casa” que abrigava os efeitos sonoros, recebeu o nome de Vila Armando Duval, uma homenagem a um radioator que brilhou na rádio. Ela ocupava quase a metade do estúdio.
A parte em que ficavam os atores possuía três microfones, um piano de armário e poltronas onde os atores se sentavam enquanto aguardavam sua hora de interferir na cena. No meio havia um praticável, parecido com aqueles que os regentes de orquestra utilizam. Era o posto do diretor. Dali ele, enquanto acompanhava a cena com sua cópia dava ordens e gesticulava extraindo o máximo da interpretação dos artistas. O diretor também funcionava como elemento de ligação entre os operadores por trás da imensa parede de vidro que separava o estúdio da sala de controle ou “técnica”.
No fundo do estúdio ficava um alto-falante que reproduzia as músicas, tal como o
ouvinte recebia em casa. Era um detalhe importantíssimo que só a Nacional possuía.
È que, ouvindo o fundo musical o ator se inspirava mais fazendo um encaixe perfeito entre sua interpretação e a música que havia sido selecionada para a cena.
Nas outras emissoras em que trabalhei, quando o operador baixava a música e abria o microfone para o radioator falar, esta era cortada do estúdio. Simplesmente o ator, sem ouvir a música limitava sua interpretação e o efeito da cena não era o mesmo.
Imaginemos uma cena de amor: no fundo uma música romântica. No momento do beijo o sonoplasta introduz um pequeno acorde para dar um “realce”.
Se o casal ouve no estúdio o tal acorde, prende ou solta a respiração no momento exato.
Isso dava um frisson no público.
Mas tudo, porque os atores no estúdio ouviam a música. Caso contrário, atores iam para um lado e a música para o outro.
O contrarregra Jorge Bico produzindo ruídos para as novelas
O diretor artístico Paulo Tapajós e o rei dos contrarregras Édmo do Vale em setembro de 1952
Nenhum comentário:
Postar um comentário