Naqueles tempos todas as radionovelas eram feitas ao vivo. Nada era gravado, uma vez que o processo de gravação, além de caro era complexo. Por tudo isso, embora os profissionais fossem muito bons, as falhas ocorriam. Como acontecem hoje em dia nas transmissões ao vivo de televisão. Recolhi algumas falhas que eu chamo de radiocassetadas. Vamos relembrar.
SALVANDO A PÁTRIA E SEGURANDO AS PONTAS
Havia muito companheirismo e extrema noção de responsabilidade entre os profissionais da época.
Certa vez numa novela, Paulo Gracindo e Daisy Lúcidi contracenavam.
Gracindo reparou que o ator que deveria entrar em seguida não se encontrava no estúdio, apesar de ter estado presente ao ensaio.
Aproveitando uma passagem musical de 10 segundos, Gracindo e Daisy se puseram de acordo e Daisy, com enorme profissionalismo transformou, na hora, todas as falas do ator em uma carta dele, que ela leu tranquilamente ao microfone.
Daisy e Gracindo salvaram a cena e o capítulo !
Mas o furão foi punido.
De outra feita, Paulo Gracindo,sempre ele, também percebeu que o ator com o qual deveria contracenar no minuto seguinte não estava no estúdio.
Não teve dúvidas: transformou o diálogo num monólogo. Algo assim:
GRACINDO – Naturalmente você ia me perguntar por que eu não fui à festa ontem?
Está mudo porque não tem o que dizer.
Mas EU vou dizer o que você gostaria de falar!
E salvou a cena mais um vez .
CARMEM SHEILA, A PEQUENA NOTÁVEL
Episódio semelhante ocorreria tempos mais tarde.
A radioatriz Carmem Sheila entrou para a Nacional em 1955, quando tinha apenas 11 anos de idade. De imediato revelou-se uma excelente intérprete fazendo papéis de menina nas novelas.Apesar de sua pouca idade, certa vez sua presença de espírito e capacidade de improvisação foram colocadas à prova num capítulo de novela ao vivo. Ela contracenava com Henriqueta Brieba, fazendo papel de sua netinha. Eis que Henriqueta, que fumava muito, foi acometida por um acesso de tosse em pleno ar! Ficou tão mal que teve que sentar-se ao chão e tossindo. Foi acudida pelo contra-regra que correu lá fora e trouxe-lhe um copo d’água. Mas a tosse não passava. Foi quando a pequena Carmem Sheila, repetiu o que fizera mestre Gracindo:transformou seu diálogo com a avó em um monólogo. Dizia ela para a avó:
A senhora não está podendo falar, mas gostaria de dizer isto assim... assim.E foi seguindo em frente salvando a cena com enorme presença de espírito.Os ouvintes nada perceberam e o fato teve grande repercussão no Departamento de Radioteatro, valendo à pequena grande atriz um elogio por escrito do chefão Floriano Faissal.
Luís Manuel também passaria um sufoco idêntico ao de Carmem Sheila.
Em determinada novela ele, garoto, contracenava com Neuza Tavares que fazia o papel de uma tia sua. Em determinado momento do diálogo, Neuza se atrapalha, erra e tem um acesso de riso tão incontrolável
MAS LOCUTORES TAMBÉM SALVAVAM A PÁTRIA.
Certa tarde, na novela de uma hora, que tinha o patrocínio de Antisardina, houve uma cena em que havia um tropel de cavalos em disparada.
O som dos cavalos ia desaparecendo e entrava a música do intervalo. Nessa hora, Lúcia Helena, aquela voz padrão da locução feminina da Nacional entrava com o comercial.
Uma música suave servia de fundo para Lúcia ler o texto.
Porém o sonoplasta se atrapalhou e após o prefixo do intervalo ao invés de entrar com a música suave, voltou com os cavalos em disparada.
E não percebeu, distraído que estava com outra coisa.
Lúcia Helena não se perturbou e improvisou :
“Minha amiga, não permita que o galope do tempo acabe com sua beleza. Use antisardina, o creme ideal para a beleza feminina!
OS SOLDADOS E AS FRALDAS EFECÊ.
O veterano repórter Roberto Reis me contou o que aconteceu com o locutor Aurélio de Andrade na novela das nove da noite na Nacional. O patrocinador eram os fabricantes das famosas fraldas Efecê. Para o seu bebê fraldas Efecê, dizia o competente locutor fundador da Rádio Nacional.
Acontece que durante a Segunda Guerra Mundial as fábricas foram obrigadas a destinar parte de seu horário para a produção de material destinado aos combatentes. A indústria Efecê deixou então de produzir as famosas fraldas para fabricar uniformes. Uma noite, o Brasil inteiro ligado e Aurélio, com sua voz solene, deveria anunciar:
Senhores ouvintes a fábrica Efecê comunica aos seus distintos clientes que está deixando de fabricar fraldas para fabricar fardas para os pracinhas brasileiros.
Mas o que saiu no ar foi:
Senhores ouvintes a fábrica Efecê comunica aos seus distintos clientes que está deixando de fabricar fardas para fabricar fraldas para os pracinhas brasileiros.
Ele e outros atores no estúdio não perceberam tão compenetrados que estavam. Mas o pessoal da técnica, sim. E quando terminou o capítulo foi aquela gozação. Muitos ouvintes também perceberam e reclamaram junto à emissora.
Mas retificar... jamais!
PROFISSÃO ANGELICAL E DESABAFO NA PONTE
O radioteatro, conforme tenho repetido era sempre ao vivo e por isso mesmo sempre houve erros, apesar do alto profissionalismo .
Certa vez, meu grande e querido amigo Rodney Gomes, estreou um tipo nas Aventuras do Anjo.Esse personagem se chamava Jarbas e foi interpretado por Rodney por muitos anos.
Álvaro Aguiar, intérprete do papel título e autor do seriado havia criado esse tipo especialmente para o jovem Rodney.
Logo na abertura do capítulo, após uma cena de luta, Rodney, ofegante, tinha que exclamar para o Anjo:
RODNEY – Anjo, você é demais ! Anjo eu quero ser um detetive igual a você! Anjo, Anjo !
Eu quero seguir a sua profissão !
Mas na empolgação Rodney trocou a última palavra e a frase ficou assim:
RODNEY - Anjo, Anjo, eu quero seguir a sua procissão !
Álvaro Aguiar, profissional experimentado consertou na hora:
ÁLVARO - Sou Anjo, mas não sou santo. Você deve seguir é a minha profissão.
Esta também aconteceu no Anjo. Em meio a uma cena de ação o ator deveria gritar desesperado:
Anjo, cuidado! A ponte vai desabar!
Mas o que saiu foi:
Anjo, cuidado! A ponte vai desabafar!
MAIS RADIOCACETADAS.
Em meu trabalho de garimpo para contar fatos interessantes ligados ao radioteatro, dei com um interessante livro de Ricardo Medeiros intitulado Dramas no Rádio: as novelas em Florianópolis nas décadas de 50 e 60.
Em capítulo destinado a mostrar as falhas que ocorriam nos capítulos de novelas feitas ao vivo o autor conta o que aconteceu com Roberto Alves, sonoplasta da rádio Guarujá.
Num determinado capítulo há uma cena de incêndio com os atores gritando fogo, fogo! Cabia a ele, então colocar uma sirene de bombeiros, enquanto o contra-regra produzia um som de fogo, amassando papel celofane junto ao microfone. Eis que o sonoplasta se atrapalhou e colocou no ar um grilo ! Ninguém se conteve no estúdio. Riso geral.
Relata ainda Medeiros no mesmo livro, que a atriz Alda Jacintho interpretava Diná, uma mulher que foi abandonada no altar e por conta disso, decidiu se jogar em um rio.
Para dar o efeito de um corpo caindo no rio, o contrarregra providenciou um balde cheio d’água. Nele seria atirado um objeto. Era Diná tentando o suicídio. Mas por um lamentável esquecimento, não foi colocada água no balde. Quando o objeto caiu no balde vazio, produziu um som estranho.
Alda, com grande presença de espírito se sai com esta:
Eu não disse que ia cair de mau jeito. Outra radiocacetada de Ricardo Medeiros. Aconteceu ainda com Alda Jacintho. Ela estava atuando com Palmério da Fontoura. A cena era do pai repreendendo a filha. Mas no meio da fala o ator tem uma acesso de tosse. A atriz teve que segurar as pontas enquanto a tosse passava. Recuperado, Palmério improvisa:
Com uma filha dedicada como esta eu não posso brigar.
Mas o que aconteceu com a atriz Cacilda Nocetti não teve graça nenhuma. Ela era radioatriz, mas passou a trabalhar na discoteca da emissora. Em uma ocasião pediram que substituísse em cima da hora uma atriz em um capítulo de novela, fazendo uma ponta, como uma menininha, papel que ela não sabia interpretar.Mas o diretor insistiu tanto que ela abandonou seus afazeres e debandou em direção ao estúdio. A abertura da novela, inclusive já estava no ar. No corre-corre, Cacilda caiu, indo parar no hospital com a bacia quebrada. A rádio cancelou o capítulo do dia.
Esta outra radiocacetada eu recolhi do interessante livro de Rafael Casé, neto de Ademar Casé.
Conta Rafael o que aconteceu num dos programas de radioteatro que o Programa Casé veiculava.
Um ator faltou na última hora e, apesar de ter uma fala pequena, era uma personagem-chave, pois confirmava ao detetive que havia cometido o crime. Casé foi convencido de que ele conseguiria falar as duas palavrinhas: “Sim, senhor”. Pois bem, a peça vinha transcorrendo em seu clímax, quando o investigador perguntou ao empregado.: “Não foi você quem matou”? E Ademar Casé, ao invés de responder, simplesmente balançou a cabeça afirmativamente. Como ele não percebia o erro, o ator que interpretava o detetive ainda teve que perguntar mais duas vezes e dar um cutucão no Casé para que ele dissesse, enfim, a sua fala.
Esta quem me contou foi o brilhante e veterano locutor Maurício Figueiredo. Trabalhei com ele na Rádio Roquette Pinto nos anos 80. Dono de uma bela voz, elegante no trato e sagaz quando tem que registrar as falhas dos colegas. Ele trabalhava com o saudoso Névio Macedo uma noite na Rádio Jornal do Brasil AM. Bom profissional, Névio possuía uma voz poderosa e era extremamente educado. Ao falar com as pessoas, media as palavras para não ferir suscetibilidades e via sempre o lado virtuoso das pessoas, jamais seus defeitos. Esse seu caráter o traiu certa noite, antes de iniciar o famoso programa Música Melodiosa, patrocinado pela agência Hugo de Automóveis, na rua Mariz e Barros, na Tijuca, quando teve que ler uma nota de falecimento. Com voz sóbria, ele teria que dizer: È com pesar que comunicamos o falecimento de fulano de tal e assim seguia a nota.
Mas na hora ele trocou pesar por prazer. E saiu, como vocês podem imaginar, assim:
Nota de falecimento. È com prazer que comunicamos o falecimento de fulano de tal....Por sorte, retificou na hora ao perceber o erro. Névio era assim. Num ato falho, encaixou prazer no lugar de pesar.
PARAFUSO VI. QUE TROÇO É ISSO?
Trabalhei com Josecy Lyra Lima muitos anos na Rádio Roquette Pinto. Experiente homem de rádio, fazia de tudo em uma emissora. Bela voz, bom texto,foi programador de várias entre elas a JB-AM e a Del Rey –FM. Eis a radiocacetada que ele nos conta.. Foi na época em que a Rádio Roquette Pinto era dirigida pelo meu sogro, o Professor Maciel Pinheiro, que aconteceu este "causo". O professor Maciel Pinheiro procurou dinamizar bastante a programação em todos os sentidos e já naquela época transmitia as sessões da câmara com comentários e notícias que complementavam aqueles trabalhos. Certa vez o locutor estava lendo uma dessas notícias e o Professor querendo enriquecer a nota com mais detalhes, anotou num papel que aquele assunto estava no "cap. XI, pag. 130 § VI" capítulo onze, página cento e trinta parágrafo sexto. O problema é que a letra dele era letra de médico, bem difícil de compreender, ainda mais escrita rapidamente e com o papel sem uma base firme ficou um terror. O contra regra entrou no estúdio e enquanto o locutor lia a notícia, ele colocou o papel sobre a mesa e sinalizou chamando a atenção do locutor. Ele pegou o papel franziu a testa se esforçando para tentar entender o que estava escrito e depois de uma pausa que pareceu uma eternidade ele soltou "capixi, pagbô parafuso vi". Quando terminou o programa o professor com aquele jeito meio gozador de bom nordestino disse: Meu filho, de onde você tirou aquela barbaridade ? Capixi eu até entendo, pagbô já é bem mais difícil, mas parafuso vi ? E o rapaz se desculpando pela gafe explicou : É professor eu não estava entendendo nada então me pareceu capixi e eu falei, quando eu disse pagbô eu vi que estava tudo errado e como eu não consegui compreender o que vinha a seguir eu disse qualquer coisa. Saiu parafuso vi.
UM TIRO QUASE MATA DE SUSTO O LOCUTOR.
Mas, Josecy Lira Lima protagonizaria também uma radiocacetada. É ele mesmo que nos relata.
Foi no Teatro de Ministério. Naquele período o programa era gravado. Felizmente! Eu era o locutor do horário. Abri o programa, li o comercial e me sentei no sofá, esperando o intervalo para ler o outro comercial. Estava distraído, pensando na vida, enquanto o teatro seguia. De repente, cumprindo o script, o contra regra dispara um tiro de revólver bem atrás de mim! Levei um susto descomunal e dei um grito que vazou no microfone. O elenco caiu na gargalhada, a gravação parou e meu coração disparou. Tive que agüentar a gozação dos colegas.
REMÉDIO PARA HOMEM? E O BEBÊ ASSADO?
Recolhi numa revista Radiolândia, do ano de 1954, na coluna O rádio por dentro, assinada pelo jornalista Peri Scópio o seguinte texto, que fala dos tropeços de alguns locutores.
Um dia desses abrimos o rádio. Um clic e lá vem besteira: “Ligítimas lâminas gileti”. Rodamos o dial e outro baixo:”Tenha em seu cabelo um lindo tapete”. Devia ser “topete”.,mas... Continuamos rodando o botão miraculoso e o que ouvimos, ó Misericórdia! Uma voz máscula de locutor , cometendo a terrível gafe: “Amigo ouvinte faça como eu que só uso Soutiens Celeste”. E lembramo-nos então de um locutor da Mayrink que anos atrás cometeu erro semelhante. Uma voz nada feminina aconselhou:”Faça como eu amiga ouvinte, que uso apenas Regulador Xavier.”
Erro do locutor ou de quem lhe entregou o texto?
Os redatores também erravam. O programa Pausa para a meditação era patrocinado por Abel de Barros e Companhia Limitada, tradicional rede de venda de tintas, na época. O redator comercial da emissora era o experiente Jayme Faria Rocha que na pressa entregou o seguinte texto que o locutor leu com voz grave:
Abel de Barros e Companhia Limitada ao iniciar mais este programa, deseja a todos os seus ouvintes um Feliz Natal e um próspero Ano Novo.
Tudo bem se nós não estivéssemos em pleno mês de maio! O Jayme pegou a ficha com o texto de final de ano ao invés de selecionar a mensagem em homenagem ao dia das Mães. O patrocinador ficou tão alucinado que ameaçou tirar o patrocínio do famoso programa de Júlio Louzada.
Certa vez, no intervalo comercial de Romance no Ar que ia ao ar de segunda a sexta-feira ao meio dia e meia o locutor exclusivo da Sidney Ross, fabricante do famoso Talco Ross, um dos grandes anunciantes de novelas da Nacional deveria dizer o seguinte texto:
...Mãe, como vai o seu bebê com esse calor atroz?
Mas na hora houve um pequeno erro e o que foi para o ar foi:
...Mãe, como vai o seu bebê com esse calor atrás?
Essa é antológica e os mais veteranos devem se lembrar dessa história.
NARRADOR TURBINADO NA ONU
Luís Manuel conta que Saint-Clair Lopes ( o Pilatos de O romance da eternidade) foi contratado pela Organização das Nações Unidas. Isso foi motivo de orgulho de seus colegas do radioteatro. Cumprido o contrato ele retorna à emissora e recebe uma homenagem através de um Especial. Eis que o ator Antonio Laio, que frequentemente fazia papéis de vilão, desta vez vai atuar como narrador do programa. Logo na abertura,há uma cena que remete ao auditório da Assembléia Geral da ONU. Laio com sua voz poderosa, com direito à câmara de eco e tudo, deveria dizer:
Senhores: do alto dessa tribuna eu vos saúdo!
Mas o que saiu foi:
Senhores: do alto dessa turbina eu vos saúdo!
FALTAM LEITOS NA ENFERMARIA
Outra contada por Luís Manuel.
Havia um programa montado noturno, na Nacional, chamado Viva a Marinha! Coro, grande orquestra e elenco de radioteatro.Numa dramática cena de guerra, um enfermeiro,interpretado por Domício Costa dirigia-se ao oficial-médico e tinha apenas que dizer:
Senhor, a enfermaria está cheia!
Acontece que Domício estava chateado, porque grande artista, havia sido escalado naquela noite apenas para dizer esta frase.Como a coisa era simples,deixou de lado o script e decorou a frase para dizê-la no momento exato. O programa seguia normal.
Ao sinal do diretor, disparou, então com seu lindo vozeirão:
Senhor, a enfermeira está cheia!
A orquestra atacou de acordes dramáticos.
E ficou no ar uma pergunta que não calou:
Quem havia enchido a enfermeira?
QUINTAL CERCADO.
Essa história de trocar letras é muito comum em rádio. Até hoje. È que o locutor ou radioator e até nós mesmos, no cotidiano, não lemos uma palavra, sílaba por sílaba. O que lemos é o perfil da palavra. È ai que a coisa acontece. Como aconteceu com Jaime Filho, numa novela na Tupi, segundo me contou Geraldo José.
Em determinada cena, interpretava um policial que gritava para o ladrão: Não adianta fugir. O quintal está cercado! Mas na hora saiu:
Realmente nessa época sabia fazer radio.hoje é um radio sem alma,sem o calor humano.só visa audiência e dinheiro?
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