quinta-feira, 18 de junho de 2015

A PIONEIRA RÁDIO MINISTÉRIO DA EDUCACAO


Foi no  em 45 que Geni Marcondes chegou à rádio MEC. Graças ao seu talento começaram a surgir programas de radioteatro  para crianças. Fez história “No reino da alegria”. Um elenco primoroso interpretava as alegres radiofonizações de Geni, imitando vozes de bichos, plantas, tudo com muita música, pois Geni era professora de música e casada com o maestro Kolreuter. Do elenco faziam parte, entre outros,  Allan Lima,  Jaime Barcellos, Vitória Régia, Álvaro Costa, Nanci do Nascimento, Ieda Oliveira,Orlando Prado  e outros. Quem dirigia o radioteatro era Sadi Cabral,parceiro de Mário Lago e que depois fez novela na Globo.
Allan Lima em depoimento ao  jornal da Sociedade dos Amigos Ouvintes da Rádio MEC, SOARMEC em março de 2003, nos conta:
“No reina da alegria” ia ao ar ao vivo das 17 e 30 às 18 horas. Às 16 e trinta nós chegávamos para ensaiar, não só o texto, como também as músicas. E as crianças (cantavam num pequeno coral) eram ótimas! Uma vez dona Geni disse  para o Orlando Prado: Orlando imagine que você é um peixe debaixo  d’água e fale com voz de peixe”.
Então ele falou com uma voz de peixe, uma voz borbulhante... Ninguém sabe como ele conseguiu fazer aquilo, sem estar com um copo d’água! Mas ele ficou olhando, olhando  pensou e conseguiu” .
No “Reino da alegria’ transmitiu uma série chamada “O Rei Pimpão” (Magalhães Graça) onde havia uma   certa “Rainha Finoca” interpretada por Fernanda Montenegro.
Geni transformou em radioteatro o  “Sitio do pica-pau amarelo  que tinha Dylmo Elias como Pedrinho. Coube a  Silvia Regina radiofonizar toda a obra infantil de Monteiro Lobato. Os programas iam ao ar no fim de tarde, concorrendo com a programação infanto-juvenil da Nacional. Esta apresentava as “Histórias do Tio Janjão”“No meu tempo de rapaz” escritos por Oranice Franco, que depois seria membro da Academia Brasileira de Letras.
Mas o radioteatro da PRA-2 não era só para crianças. Havia uma programação noturna, no então horário nobre que apresentava programas  muito interessantes.


   O dr. Miécio era médico e gostava muito de ouvir a MEC. Certa ocasião fez uma viagem a serviço, à Amazônia. Ao voltar resolveu escrever um programa dramatizado sobre o que viu, numa época em que a Amazônia  era muito pouco conhecida pelos brasileiros. Com a cara e a coragem levou seus escritos ao diretor René Cave, que mesmo sem conhecer o médico, aceitou  colocar o material no ar. Daí surgiu a série “Viagem Maravilhosa”, que narrava a história de um jovem médico descendo um rio da Amazônia. Houve desdobramentos e surgiu depois outra série que se chamou “Esse mundo maravilhoso”.
Esta série contou também com os textos de Pascoal Longo, outro que escreveu programas lindos de radioteatro na Mec.
Mas voltando a  Miécio Hônkis, ele  escrevia dois programas muito inteligentes para o radioteatro da Mec: “Novos Horizontes” e “No tribunal da história”. O primeiro ia ao ar às sextas à noite. Paulo Santos, a voz padrão da emissora, anunciava com voz solene: No ar: Novos Horizontes.
E entrava uma melodia muito bonita e vibrante, que depois descobri era a “Sinfonia do Novo Mundo”. A música baixava e Santos lia o texto de abertura:

Se há uma classe de homens que merece a nossa admiração e o nosso respeito, é esta, sem dúvida, a dos cientistas. Aqueles que no seu labor perene e constante,  fazem surgir da penumbra dos laboratórios a luz de um futuro melhor. A luz que abre novos horizontes ao porvir da humanidade.

   O programa dramatizava a vida de cientistas e suas descobertas.
“No tribunal da história” tinha um formato muito criativo. Era realmente um júri em que eram julgadas figuras importantes da história. Havia um Relator e um Juiz. O Meirinho anunciava: -“Está aberta a seção. Em pauta o julgamento de Maria Antonieta. Tem a palavra o Relator para a leitura do processo.”
O Relator era o narrador do programa que ia contando os fatos, entremeados com os diálogos dos atores.
Em determinado momento o Juiz dizia: “Tem a palavra o senhor Promotor para a acusação”.
O Promotor fundamentava sua acusação. Depois entrava o advogado de defesa. E assim seguia o julgamento. Os ouvintes, por carta,  condenavam ou absolviam o réu. O veredicto era dado na semana seguinte. Um programa inteligente.
O dr. Miécio  foi fundador do Planetário da Gávea e com isto estava sempre a par das novidades no mundo da Astronomia e da Astrofísica. Foi quando “Novos Horizontes” deu uma guinada para a ciência do espaço, na onda da corrida espacial dos anos 50 e 60. Grande visão tinha esse misto de cientista e radialista.
A PRA-2 nunca fez novelas. Quando muito levou ao ar  “histórias seqüenciadas” segundo nos conta Allan Lima:
Fiz  Fogo Morto  uma história emendava na outra, continuando no dia seguinte, mas não  terminava num ponto de suspense (gancho) como um novela.
A Mec lançou também o “Clube dos 13”. Em meados dos anos 50.Uma idéia de Pascoal Longo que consistiu em reunir 13 escritores importantes na época, tais como Dinah Silveira de Queiroz, José Conde, Marques Rebello e outros. Havia uma promoção para o ouvintes descobrir quem seria o 13º. Escritor. Quem escrevesse e acertasse ganhava um livro.
Por sinal os programas da rádio distribuíam muitos livros entre os ouvintes. Quase todos os programas tinham promoções nesse sentido. Isso era importante sob o ponto de vista cultural e também aferia a audiência da emissora. Num tempo em que o telefone no Rio de Janeiro era objeto raro, restava o correio. E como o correio era importante.
Não poderíamos deixar de falar do Teatro de Sérgio Viotti.
Viotti era um homem de teatro que veio para a Mec. Nos anos 60 e a convite do diretor Avelino Henrique  eram  dramatizadas peças de teatro. Na verdade, era mais teatro do que rádio. Bem verdade que havia efeitos sonoros e sonoplastia e a criteriosa seleção de Viotti que buscava peças de teatro  que tivessem boa aceitação no rádio. Já então os programas eram gravados em fita de rolo, pois os primeiros gravadores chegavam ao Brasil.


Os programas de radioteatro da rádio Ministério da Educação eram feitos num estúdio de porte médio no terceiro andar. Era um bom estúdio. Havia um microfone para os efeitos do contra-regra, um microfone fixo e dois  “girafas”. Era o que poderia ser instalado na mesa valvulada de 4 canais  da época. Havia uma ampla técnica com dois pick-ups, uma parede de vidro que a separava do estúdio. No estúdio ficava também um piano de cauda, um quadrado de pedrinhas e areia para imitar passos externos e uma taboa de madeira por onde caminhava o contra-regra para produzir passos dentro de casa. Havia uma estrutura de madeira com uma porta e uma maçaneta. Tinas com água, papel celofane para  “produzir incêndios”, vidros para serem quebrados e outras quinquilharias que o contra-regra levava para o estúdio de onde extraia os mais estranhos  ruídos. Era isso que se fazia também na Tupi e na Mayrink, já que na Nacional era outra história, (estúdio Victor Costa do qual já falamos).
Mas desse estúdio saíram grandes programas.
A sonoplastia era eficiente e de muito profissionalismo. A rádio MEC tinha grandes sonoplastas. Curiosamente todos os sonoplastas executavam outras funções na emissora. Me lembro de Paulo Santos dublê de sonoplasta e locutor. Hamilton Santos, ator e sonoplasta, Jefferson Duarte; esse fazia de tudo, ator, locutor e um dos primeiros dubladores dos filmes nos anos 50.
A sonoplastia ou sonofonia na Mec seguia uma linha voltada para a utilização de músicas clássicas em seu radioteatro. Ao contrário da Nacional que  seguia uma linha eclética, utilizando de tudo, desde concertos e sinfonias a trilhas sonoras e músicas de filmes. Certamente devido ao fato de que a Mec possuía uma discoteca invejável de música clássica, possibilitando aos sonoplastas uma gama maior de opções sem necessidade de recorrer às trilhas de filmes.
Um aspecto curioso que rolava em todas as sonoplastias das rádios é que não era de bom tom um sonoplasta  usar  uma obra que já estava sendo aproveitada por outra emissora. Isso era inadmissível e denotava uma autêntica falta de criatividade e conhecimento musical.
Assim como jamais a sonofonia da Nacional utilizou uma obra de  Otorino Respighi, a Mec não aproveitava nem 30 segundos de uma das quilométricas obras de Gustav Mahaler.
A Tupi utilizava à exaustão os discos de Otto Cezana em todas as suas novelas. Jamais a Nacional ou a Mec  tocaram Cezana.
 Havia também um extremo cuidado com a disseminação das gravações. Se um sonoplasta  “descobria” uma frase musical num poema sinfônico e a gravava num disco acetato para aproveitar só um pequeno trecho, esse disco não podia sair dos limites do setor de sonofonia. Era o medo do  material cair nas mãos de profissional de outra rádio. O material de cada um era coisa sagrada e preservada.
Tive essa experiência, quando uma vez eu ia encenar uma peça de teatro com colegas de colégio e pedi ao Lourival Faissal, chefe da sonofonia da Nacional para me copiar um pequeno trecho da obra “Manfred” de Tchaycoviski em acetato e ele, dando uma tragada no seu cachimbo, me  fitou nos olhos e disse: Não!
Mas voltando à rádio Mec.
O radioteatro da rádio Ministério da Educação  era muito bom. Pontificavam atores excelentes. Cito apenas alguns: Pedro Paulo Colin Gil, Telmo D. Avelar, Lauro Fabiano, Dylmo Elias, Allan  Lima, Ieda Oliveira, Jefferson Duarte, Francisco José,Magalhães Graça, Sadi Cabral, Garcia Xavier, Fernanda Montenegro,Tereza Amayo, Mário Jorge, Agnes Fontoura... estou falando dos anos 40, 50 e 60. Isto porque  em meados de 64, quando o radioteatro da  Nacional sofreu as conseqüências do movimento militar,  muitos radioatores foram transferidos para a PRA-2, inclusive Floriano Faissal. Todos passaram a trabalhar no Projeto Minerva, que utilizava muito radioteatro em sua programação educativo-cultural.


Não posso deixar de render minhas homenagens ao elenco de radioteatro da rádio Ministério da Educação. Não era numeroso, mas dedicado, eclético e que amava o que fazia. O elenco trabalhava em equipe com muito profissionalismo. A programação de radioteatro não era muito grande, e nem poderia ser, dadas  as limitações técnico-estruturais. Mas o que a rádio se propunha a fazer o fazia bem e utilizando a linguagem do radioteatro conseguia  levar de forma  eficiente conteúdos educativo-culturais enormemente aceitos por um público seleto que apreciava o que era bom.
Roquette-Pinto, mesmo que se retirou da direção da rádio que ele havia criado, jamais se afastou dela. Ouvia a Mec o tempo todo e quando não concordava com o que ouvia, mandava uns bilhetinhos para o diretor.
Criticava os locutores que, inadvertidamente, soltavam um gíria.
Recentemente li na coluna Gente Boa de Joaquim Ferreira dos Santos, publicada em 28 de novembro de 2008 o seguinte texto:
Rádio Memória.
Da atriz Fernanda Montenegro ao ser entrevistada no programa “Agora no Ar”,esta semana na Roquette Pinto: “ Eu comecei no rádio com 15 anos. Naquela época, radialista era preparado com aulas de português, declamação, logopedia e tinha até um preparador cultural para cada programa que ia fazer. Havia ambição do velho Roquette Pinto em preparar o homem de rádio”.
De fato,o professor José Oiticica, amigo de Roquette  instituiu um curso de locução e passou a corrigir os erros de pronúncia e de português. Assim a linha dos  locutores da rádio pontificava pela correção, elegância e sobriedade.
Aliás no rádio da época, cunhou-se um adjetivo para os locutores, que passou a ser lugar comum e acabou sendo proibido de  ser usado: correto. Era muito comum se dizer, por exemplo, Gilberto José correto locutor desta emissora”.
Ficou tão manjado que nos manuais dos cursos de radialismo a  expressão “correto locutor” foi banida.
Pois bem, os locutores mais corretos eram os da Rádio Ministério da Educação.
A audiência da MEC era qualificada: estudantes, estudiosos, professores, intelectuais e até crianças de bom gosto, que orientadas pelos pais, curtiam os programas de dona Geni Marcondes.
Era tudo  o que  mestre Roquette-Pinto  queria.



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