Foi no em 45 que Geni
Marcondes chegou à rádio MEC. Graças ao seu talento começaram a surgir
programas de radioteatro para crianças.
Fez história “No reino da alegria”. Um elenco primoroso interpretava as alegres
radiofonizações de Geni, imitando vozes de bichos, plantas, tudo com muita
música, pois Geni era professora de música e casada com o maestro Kolreuter. Do
elenco faziam parte, entre outros, Allan
Lima, Jaime Barcellos, Vitória Régia, Álvaro
Costa, Nanci do Nascimento, Ieda Oliveira,Orlando Prado e outros. Quem dirigia o radioteatro era Sadi
Cabral,parceiro de Mário Lago e que depois fez novela na Globo.
Allan Lima em depoimento ao
jornal da Sociedade dos Amigos Ouvintes da Rádio MEC, SOARMEC em março
de 2003, nos conta:
“No reina da alegria” ia ao ar ao vivo das 17 e 30 às 18
horas. Às 16 e trinta nós chegávamos para ensaiar, não só o texto, como também
as músicas. E as crianças (cantavam num pequeno coral) eram ótimas! Uma vez
dona Geni disse para o Orlando Prado:
Orlando imagine que você é um peixe debaixo
d’água e fale com voz de peixe”.
Então ele falou com uma voz de peixe, uma voz borbulhante...
Ninguém sabe como ele conseguiu fazer aquilo, sem estar com um copo d’água! Mas
ele ficou olhando, olhando pensou e
conseguiu” .
No “Reino da alegria’ transmitiu uma série chamada “O Rei
Pimpão” (Magalhães Graça) onde havia uma
certa “Rainha Finoca” interpretada por Fernanda Montenegro.
Geni transformou em radioteatro o “Sitio do pica-pau amarelo que tinha Dylmo Elias como Pedrinho. Coube
a Silvia Regina radiofonizar toda a obra
infantil de Monteiro Lobato. Os programas iam ao ar no fim de tarde, concorrendo
com a programação infanto-juvenil da Nacional. Esta apresentava as “Histórias
do Tio Janjão” e “No meu tempo de rapaz”
escritos por Oranice Franco, que depois seria membro da Academia Brasileira de
Letras.
Mas o radioteatro da PRA-2 não era só para crianças. Havia
uma programação noturna, no então horário nobre que apresentava programas muito interessantes.
O dr. Miécio era
médico e gostava muito de ouvir a MEC. Certa ocasião fez uma viagem a serviço,
à Amazônia. Ao voltar resolveu escrever um programa dramatizado sobre o que
viu, numa época em que a Amazônia era
muito pouco conhecida pelos brasileiros. Com a cara e a coragem levou seus
escritos ao diretor René Cave, que mesmo sem conhecer o médico, aceitou colocar o material no ar. Daí surgiu a série
“Viagem Maravilhosa”, que narrava a história de um jovem médico descendo um rio
da Amazônia. Houve desdobramentos e surgiu depois outra série que se chamou
“Esse mundo maravilhoso”.
Esta série contou também com os textos de Pascoal Longo,
outro que escreveu programas lindos de radioteatro na Mec.
Mas voltando a Miécio
Hônkis, ele escrevia dois programas
muito inteligentes para o radioteatro da Mec: “Novos Horizontes” e “No tribunal
da história”. O primeiro ia ao ar às sextas à noite. Paulo Santos, a voz padrão
da emissora, anunciava com voz solene: No ar: Novos Horizontes.
E entrava uma melodia muito bonita e vibrante, que depois
descobri era a “Sinfonia do Novo Mundo”. A música baixava e Santos lia o texto
de abertura:
Se há uma classe de
homens que merece a nossa admiração e o nosso respeito, é esta, sem dúvida, a
dos cientistas. Aqueles que no seu labor perene e constante, fazem surgir da penumbra dos laboratórios a
luz de um futuro melhor. A luz que abre novos horizontes ao porvir da
humanidade.
O programa
dramatizava a vida de cientistas e suas descobertas.
“No tribunal da história” tinha um formato muito criativo.
Era realmente um júri em que eram julgadas figuras importantes da história.
Havia um Relator e um Juiz. O Meirinho anunciava: -“Está aberta a seção. Em
pauta o julgamento de Maria Antonieta. Tem a palavra o Relator para a leitura
do processo.”
O Relator era o narrador do programa que ia contando os
fatos, entremeados com os diálogos dos atores.
Em determinado momento o Juiz dizia: “Tem a palavra o senhor
Promotor para a acusação”.
O Promotor fundamentava sua acusação. Depois entrava o
advogado de defesa. E assim seguia o julgamento. Os ouvintes, por carta, condenavam ou absolviam o réu. O veredicto
era dado na semana seguinte. Um programa inteligente.
O dr. Miécio foi
fundador do Planetário da Gávea e com isto estava sempre a par das novidades no
mundo da Astronomia e da Astrofísica. Foi quando “Novos Horizontes” deu uma
guinada para a ciência do espaço, na onda da corrida espacial dos anos 50 e 60.
Grande visão tinha esse misto de cientista e radialista.
A PRA-2 nunca fez novelas. Quando muito levou ao ar “histórias seqüenciadas” segundo nos conta
Allan Lima:
Fiz Fogo Morto
uma história emendava na outra, continuando no dia seguinte, mas
não terminava num ponto de suspense (gancho)
como um novela.
A Mec lançou também o “Clube dos 13”. Em meados dos anos
50.Uma idéia de Pascoal Longo que consistiu em reunir 13 escritores importantes
na época, tais como Dinah Silveira de Queiroz, José Conde, Marques Rebello e
outros. Havia uma promoção para o ouvintes descobrir quem seria o 13º.
Escritor. Quem escrevesse e acertasse ganhava um livro.
Por sinal os programas da rádio distribuíam muitos livros
entre os ouvintes. Quase todos os programas tinham promoções nesse sentido.
Isso era importante sob o ponto de vista cultural e também aferia a audiência
da emissora. Num tempo em que o telefone no Rio de Janeiro era objeto raro,
restava o correio. E como o correio era importante.
Não poderíamos deixar de falar do Teatro de Sérgio Viotti.
Viotti era um homem de teatro que veio para a Mec. Nos anos
60 e a convite do diretor Avelino Henrique
eram dramatizadas peças de
teatro. Na verdade, era mais teatro do que rádio. Bem verdade que havia efeitos
sonoros e sonoplastia e a criteriosa seleção de Viotti que buscava peças de
teatro que tivessem boa aceitação no
rádio. Já então os programas eram gravados em fita de rolo, pois os primeiros
gravadores chegavam ao Brasil.
Os programas de radioteatro da rádio Ministério da Educação
eram feitos num estúdio de porte médio no terceiro andar. Era um bom estúdio.
Havia um microfone para os efeitos do contra-regra, um microfone fixo e
dois “girafas”. Era o que poderia ser
instalado na mesa valvulada de 4 canais
da época. Havia uma ampla técnica com dois pick-ups, uma parede de vidro
que a separava do estúdio. No estúdio ficava também um piano de cauda, um
quadrado de pedrinhas e areia para imitar passos externos e uma taboa de
madeira por onde caminhava o contra-regra para produzir passos dentro de casa.
Havia uma estrutura de madeira com uma porta e uma maçaneta. Tinas com água,
papel celofane para “produzir
incêndios”, vidros para serem quebrados e outras quinquilharias que o contra-regra
levava para o estúdio de onde extraia os mais estranhos ruídos. Era isso que se fazia também na Tupi
e na Mayrink, já que na Nacional era outra história, (estúdio Victor Costa do
qual já falamos).
Mas desse estúdio saíram grandes programas.
A sonoplastia era eficiente e de muito profissionalismo. A
rádio MEC tinha grandes sonoplastas. Curiosamente todos os sonoplastas
executavam outras funções na emissora. Me lembro de Paulo Santos dublê de
sonoplasta e locutor. Hamilton Santos, ator e sonoplasta, Jefferson Duarte;
esse fazia de tudo, ator, locutor e um dos primeiros dubladores dos filmes nos
anos 50.
A sonoplastia ou sonofonia na Mec seguia uma linha voltada
para a utilização de músicas clássicas em seu radioteatro. Ao contrário da
Nacional que seguia uma linha eclética,
utilizando de tudo, desde concertos e sinfonias a trilhas sonoras e músicas de
filmes. Certamente devido ao fato de que a Mec possuía uma discoteca invejável
de música clássica, possibilitando aos sonoplastas uma gama maior de opções sem
necessidade de recorrer às trilhas de filmes.
Um aspecto curioso que rolava em todas as sonoplastias das
rádios é que não era de bom tom um sonoplasta
usar uma obra que já estava sendo
aproveitada por outra emissora. Isso era inadmissível e denotava uma autêntica
falta de criatividade e conhecimento musical.
Assim como jamais a sonofonia da Nacional utilizou uma obra
de Otorino Respighi, a Mec não
aproveitava nem 30 segundos de uma das quilométricas obras de Gustav Mahaler.
A Tupi utilizava à exaustão os discos de Otto Cezana em
todas as suas novelas. Jamais a Nacional ou a Mec tocaram Cezana.
Havia também um
extremo cuidado com a disseminação das gravações. Se um sonoplasta “descobria” uma frase musical num poema
sinfônico e a gravava num disco acetato para aproveitar só um pequeno trecho,
esse disco não podia sair dos limites do setor de sonofonia. Era o medo do material cair nas mãos de profissional de
outra rádio. O material de cada um era coisa sagrada e preservada.
Tive essa experiência, quando uma vez eu ia encenar uma peça
de teatro com colegas de colégio e pedi ao Lourival Faissal, chefe da sonofonia
da Nacional para me copiar um pequeno trecho da obra “Manfred” de Tchaycoviski
em acetato e ele, dando uma tragada no seu cachimbo, me fitou nos olhos e disse: Não!
Mas voltando à rádio Mec.
O radioteatro da rádio Ministério da Educação era muito bom. Pontificavam atores
excelentes. Cito apenas alguns: Pedro Paulo Colin Gil, Telmo D. Avelar, Lauro
Fabiano, Dylmo Elias, Allan Lima, Ieda
Oliveira, Jefferson Duarte, Francisco José,Magalhães Graça, Sadi Cabral, Garcia
Xavier, Fernanda Montenegro,Tereza Amayo, Mário Jorge, Agnes Fontoura... estou
falando dos anos 40, 50 e 60. Isto porque
em meados de 64, quando o radioteatro da
Nacional sofreu as conseqüências do movimento militar, muitos radioatores foram transferidos para a
PRA-2, inclusive Floriano Faissal. Todos passaram a trabalhar no Projeto
Minerva, que utilizava muito radioteatro em sua programação educativo-cultural.
Não posso deixar de render minhas homenagens ao elenco de
radioteatro da rádio Ministério da Educação. Não era numeroso, mas dedicado,
eclético e que amava o que fazia. O elenco trabalhava em equipe com muito
profissionalismo. A programação de radioteatro não era muito grande, e nem
poderia ser, dadas as limitações
técnico-estruturais. Mas o que a rádio se propunha a fazer o fazia bem e
utilizando a linguagem do radioteatro conseguia
levar de forma eficiente
conteúdos educativo-culturais enormemente aceitos por um público seleto que
apreciava o que era bom.
Roquette-Pinto, mesmo que se retirou da direção da rádio que
ele havia criado, jamais se afastou dela. Ouvia a Mec o tempo todo e quando não
concordava com o que ouvia, mandava uns bilhetinhos para o diretor.
Criticava os locutores que, inadvertidamente, soltavam um
gíria.
Recentemente li na coluna Gente Boa de Joaquim Ferreira dos Santos, publicada em 28 de
novembro de 2008 o seguinte texto:
Rádio Memória.
Da atriz Fernanda Montenegro ao ser entrevistada no programa
“Agora no Ar”,esta semana na Roquette Pinto: “ Eu comecei no rádio com 15 anos. Naquela
época, radialista era preparado com aulas de português, declamação, logopedia e
tinha até um preparador cultural para cada programa que ia fazer. Havia ambição
do velho Roquette Pinto em preparar o homem de rádio”.
De fato,o professor José Oiticica, amigo de Roquette instituiu um curso de locução e passou a
corrigir os erros de pronúncia e de português. Assim a linha dos locutores da rádio pontificava pela correção,
elegância e sobriedade.
Aliás no rádio da época, cunhou-se um adjetivo para os
locutores, que passou a ser lugar comum e acabou sendo proibido de ser usado: correto. Era muito comum se dizer, por exemplo, Gilberto José correto locutor desta
emissora”.
Ficou tão manjado que nos manuais dos cursos de radialismo
a expressão “correto locutor” foi
banida.
Pois bem, os locutores mais corretos eram os da Rádio
Ministério da Educação.
A audiência da MEC era qualificada: estudantes, estudiosos,
professores, intelectuais e até crianças de bom gosto, que orientadas pelos
pais, curtiam os programas de dona Geni Marcondes.
Era tudo o que mestre Roquette-Pinto queria.
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